PARÁBOLA
DO SEMEADOR
(Mt
13, 1-9 – “naquele dia saindo Jesus de casa, sentou-se à beira mar em torno
dele reuniu-se uma grande multidão; por isso entrou num barco e sentou-se,
enquanto a multidão esperava em pé na praia; e disse-lhes muitas coisas em parábolas.
Ele dizia: eis que o semeador saiu para semear e ao semear uma parte da semente
caiu à beira do caminho e as aves vieram e a comeram; outra parte caiu em
lugares pedregosos, onde não havia muita terra; logo brotou porque a terra era
pouco profunda; mas ao surgir o sol queimou-se e por não ter raiz secou; outra
ainda caiu entre os espinhos; os espinhos cresceram e a abafaram; outra parte, finalmente,
caiu em terra boa e produziu fruto, umas cem, outras sessenta e outras trinta
quem tem ouvidos ouça”!)
É
necessário semear a Verdade e o Bem, seja qual for o resultado.
A
parábola do semeador é, sem dúvida, a mais popular de todas as parábolas de
Jesus – e é também uma das poucas da qual o próprio Mestre deu explicação, a
pedido de seus discípulos.
Em
face disto, não nos compete tecer comentários elucidativos. Em vez disto, vamos
chamar a atenção para certos aspectos da parábola que não foram explicados.
Se
a semente é a palavra de Deus, e o semeador é o Filho do Homem, o próprio Cristo,
como ele mesmo afirma, não é estranho que o mais sábio dos semeadores da melhor
das sementes não tenha escolhido terrenos melhores para sua semeadura? A julgar
pelo texto do Evangelho, 75% das sementes estavam perdidas desde o início, e
apenas 25% deram algum fruto – e mesmo este muito desigual; uma parte da
semente deu 30, outra parte 60, e apenas uma pequena parcela deu 100 por um.
A
semente que foi lançada à beira do caminho nem sequer germinou; foi logo
calcada pelos transeuntes, e as aves a comeram. Em Mateus essas aves
significam
o mau; em Marcos são o diabo; em Lucas é satanás, mas em todos os três
evangelistas referem-se ao ego humano, que no Evangelho é
constantemente
identificado com o mau, o diabo, satanás.
A
semente que caiu ao meio do pedregulho dos espinhos brotou, talvez floresceu,
mas não frutificou, por falta de umidade e de luz suficientes.
Somente
a última parte caiu em terra boa e produziu fruto, embora desigual.
Se
dividirmos em parcelas iguais essas quatro partes, podemos admitir que
3/4partes tenham sido inutilizadas desde o início. Não sabia o semeador que assim
aconteceria? E por que não escolheu melhor os seus terrenos?
Se
o mais importante da parábola fosse o símbolo material, deveríamos tachar de
imprudente o semeador pelo fato de lançar 75% das sementes em terreno
improdutivo.
Entretanto,
o mais importante é o simbolizado espiritual, e o terreno não é o chão material,
e sim o terreno da alma humana. A terra não tem liberdade e não é culpada pelo
insucesso do crescimento e da frutificação. Na agronomia física, o procedimento
de semelhante agrônomo seria imperdoável.
Mas
a parábola trata de uma agronomia metafísica, trata do terreno imprevisível do
livre-arbítrio humano, onde nenhum semeador, nem mesmo o próprio Cristo, pode
saber do resultado da sua semeadura. Se assim não fosse, por que teria Jesus
escolhido Judas Iscariotes para seu apóstolo, sabendo da sua esterilidade
espiritual?
Em
se tratando do terreno do livre-arbítrio humano, o procedimento do Semeador do
Evangelho é compreensível, e não podia ser outro. A melhor das sementes lançada
pelo melhor dos semeadores pode ser totalmente frustrada. A liberdade humana
pode reduzir a zero qualquer obra de Deus – não no macrocosmo mundial, mas no
microcosmo hominal. O destino cósmico obedece infalivelmente ao plano de Deus;
nenhum ser hominal, angelical ou diabólico pode frustrar um átomo sequer do
plano cósmico de Deus.
Totalmente
diferente, porém, é o destino humano, que obedece ao livre-arbítrio do homem. E
onde há liberdade creatural termina, por assim dizer, a jurisdição divina.
A
parábola trata exclusivamente da zona do livre-arbítrio humano. E nesta zona o
resultado da semeadura depende causalmente do homem. No terreno do
livre-arbítrio, o homem é Deus e é também anti-Deus; é ele, e só ele, que
determina o seu destino, como, aliás, também evidencia a história do joio no
meio do trigo: o joio teve plena liberdade de ser joio até o fim, mas o
resultado final da evolução foi a sua auto extinção.
As
leis cósmicas, ou divinas, respeitam a liberdade tanto dos bons como dos
maus
– mas o destino final é diametralmente oposto, como opostas são a vida eterna e
a morte eterna.
Quem
harmoniza livremente com a alma do cosmos, que é Deus, participa
Individualmente
da própria eternidade universal da alma do Universo, e quem se opõe livremente
às leis cósmicas se exclui livremente da eternidade da alma do Universo,
aniquilando-se, nulificando-se, reduzindo-se ao Nada existencial.
Pelo
livre-arbítrio participa o homem do Infinito positivo, do TODO – ou então do
Infinito negativo, do NADA. Um ser livre pode integrar-se existencialmente no
TODO – e pode também desintegrar-se no NADA existencial. Verdade é que o Nada
da existência é o Todo da essência, mas não deixa de ser o Nada individual da
creatura. Nenhuma creatura pode ser reduzida ao Nada da essência, mas sim ao
Nada da existência individual, como são todas as creaturas da natureza.
A
imortalidade é a permanência do homem na existência individual, ao passo que as
creaturas mortais da natureza, quando morrem, perdem a sua existência
individual e recaem na essência Universal.
Todo
homem é potencialmente imortal (imortalizável), e pode tornar-se atualmente
imortal (imortalizado). A imortalidade atual – bem como a liberdade atual – são
uma conquista da consciência, não um presente de berço.
A
parábola do semeador, a par das do joio e dos talentos, são apoteoses do
livre-arbítrio
humano e da criatividade desse livre-arbítrio. Certos cientistas
modernos
negam a liberdade humana, que tacham de “mito” ou ilusão. Quase todos eles se
baseiam em experiências de laboratório. Esquecem-se, porém, deque a imensa
maioria da humanidade não conquistou liberdade atual, mas possui apenas
liberdade potencial. Provavelmente, todas as cobaias que passaram por seus
laboratórios e foram submetidas aos testes pelos cientistas não eram atualmente
livres, e a conclusão generalizada referente à não-liberdade do homem em geral
é fundamentalmente errônea. Se a vida de um Buda, de um Cristo ou de um Gandhi
tivesse sido testada, bem diferente teria sido o resultado apurado por estes
cientistas superficiais.
Um
homem normal e adulto que não atualizou a sua liberdade potencial é
culpado,
porque quem pode deve, e quem pode e deve e não faz crea débito, culpabilidade.
Se um homem normal e adulto não é atualmente livre, é ele culpado dessa falta
de liberdade – e toda a culpa gera sofrimento. O mal é o eco da maldade; e a
reação das leis cósmicas contra a maldade humana.
Os
três terrenos humanos da parábola que frustraram a frutificação da semente de
Deus eram culpados dessa nulificação, como, aliás, o próprio Jesus faz verna
explicação que, a pedido de seus discípulos, deu dessa parábola.
As
três classes de obstáculos enumeradas por Jesus que frustraram a frutificação
da semente se referem todas ao ego humano; o homem-ego abusou do seu
livre-arbítrio, não o desenvolveu até à maturidade do seu Eu espiritual, e por
isto a semente da palavra de Deus não frutificou. Como já dissemos, esse ego é
chamado o mau, o diabo, satanás.
Apenas
uma pequena parte da semente produziu fruto total, porque apenas uma diminuta
parcela da humanidade chegou à plena maturidade do seu livre-arbítrio,
oferecendo terreno ideal para a frutificação da semente divina.
*
* *
Suponhamos
que a frustração da semeadura, em vez de 3/4, fosse total, tivesse acabado em 0
– será que o semeador teria continuado a semeadura?
Existe
na filosofia oriental uma palavra sânscrita chamada falasanga, que quer dizer
“mania de resultados”. Todo o homem ego sofre dessa mania: só trabalha por amor
a algum resultado palpável. Trabalhar sem esperança de resultado é para o ego
pura estupidez e absurdidade. Alguns, é verdade, não esperam resultados
materiais, dinheiro, propriedade etc., mas esperam resultados de caráter
social, mental ou emocional, como aplausos, reconhecimento, gratidão, um nome
de benfeitor no jornal, na rádio, na televisão, ou perpetuação da sua
beneficência em forma de um monumento, duma placa comemorativa, duma inscrição.
Outros egoístas, altamente sublimados, não esperam nada disto no mundo presente,
mas trabalham na certeza de que no outro mundo serão recompensados por Deus em
forma de eterna glória e felicidade. Quase todos os homens virtuosos fazem esta
negociata com Deus.
Todos
eles são egoístas, todos praticam falasanga, terrestre ou celeste; os mais
avançados esperam recompensa após-morte.
Somente
o homem capaz de semear o bem sem nenhuma segunda intenção, sem especular com
retribuição alguma, nem antes nem depois da morte – esse somente deixou de ser
egoísta, seria totalmente liberto das tiranias do ego, manifestas ou
camufladas.
A
parábola do semeador tende a conduzir o homem a essa libertação total, a semear
a semente da Verdade e do Bem sem a menor esperança de assistir a uma festa de
colheita.
Mas,
se a semeadura falhar 100%, que finalidade teria ainda esse trabalho?
Em
primeiro lugar, teria a finalidade suprema de uma completa auto-realização, que
vale mais que todo o Universo, porque um único valor vale mais que todos os
fatos, um átomo de qualidade eclipsa mundos inteiros de quantidade.
Além
desse valor supremo da auto-realização do próprio semeador, liberto de qualquer
egoísmo, essa atitude transbordaria energias imensas para outros seres,
porquanto nenhuma energia se perde, todas as energias se transformam.
Esta
lei física da “constância das energias” vale também para a metafísica. O modo
ideal de fazer bem à humanidade consiste em ser bom, isto é, plenamente liberto
de qualquer resquício de egoidade e egoísmo.
A
parábola do semeador convida o homem a ser incondicionalmente bom, a semear a
Verdade e o Bem sem nenhuma segunda intenção de obter resultados objetivos.
Basta-lhe a consciência de ter cumprido o seu dever de auto-realização ou
aperfeiçoamento da sua substância divina.
FOINTE:
Huberto
Rodhen
Bíblia
de Jerusalém
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