UM JEITO DE SER FELIZ
Onde encontrar a felicidade?
Analisando a questões formuladas por Allan Kardec,
na quarta parte de “O Livro dos Espíritos”, que trata das penas e gozos da
Terra e do Além, define-se os caminhos da infelicidade e da felicidade humanas,
demonstrando," ser bem falsa a ideia de quem acredita que o Espiritismo e sua
força decorre da prática das manifestações materiais e que, entravando-se essas
manifestações pode-se minar-lhe as bases.
Sua força está na sua filosofia, no apelo que faz à
razão e ao bom senso. Na Antiguidade ele era objeto de estudos misteriosos,
cuidadosamente ocultos do vulgo, com acesso apenas aos iniciados.
A igreja de Roma adotou-lhes os princípios até o
concilio de Constantinopla, onde por decisão politica extinguiu a reencarnação
de seus princípios (provável terceiro segredo de Fatima), porque a Imperatriz
Teodora escravocrata, ex prostituta, assassina de prostitutas para que não lhe acusassem,
determinou a derrubada do papa e a nomeação de um de seu voto, por medo de
reencarnar negra e mendiga, devido aos seus erros.
Hoje não tem segredos para ninguém: fala uma
linguagem clara, sem ambiguidades; nada há nele de místico, nada de alegorias
suscetíveis de falsas interpretações. Ele quer ser compreendido por todos
porque chegaram os tempos de se fazer que os homens conheçam a verdade, que
Jesus prometeu no sermão do cenáculo, local da última ceia, e que não poderiam
suportar as revelações mas pediria ao Pai que enviasse um Consolador que diria
tudo, além de reafirmar os princípios do Mestre.
Esse Consolador chegou como previsto pelo Espírito
da Verdade (o próprio Jesus ou uma legião de seus emissários), através da
Doutrina Espírita, codificada pelo professor Rivail, discípulo de Pestalozzi,
muito influente na pedagogia francesa, tendo por isso usado o pseudônimo de
Alan Kardec, a fim de não influenciar a opinião publica.
Longe de se opor à difusão da luz, o Espiritismo a
deseja para todos; não reclama uma crença cega, mas quer que se saiba por que
se crê, e como se apoia na razão será sempre mais forte do que as doutrinas que
se apoiam sobre o nada Allan Kardec, em “O Livro dos Espíritos”, primeira obra
de sua codificação.
Na quarta parte de “O Livro dos Espíritos”,
denominada “Esperanças e Consolações”, que trata das penas e gozos da Terra e
do Céu, Allan Kardec formula questões aos Espíritos, ensejando respostas que
sintetizam tratados de sociologia, com raciocínios inesquecíveis e
indispensáveis, quando se pretenda definir as bases da felicidade.
Os princípios ali expostos, envolvendo o
comportamento humano, serão progressivamente assimilados no próximo milênio por
uma Humanidade mais consciente da presença de Deus no Universo.
Compreender-se-á, então, que é impossível deter a
felicidade em plenitude sem a plena observância dos desígnios divinos,
sintetizados no Evangelho e desdobrados ao nível da cultura atual pela Doutrina
Espírita. Quem os estuda aprende a conviver com as dores!
Nada se pretende, em torno daquelas questões, senão
oferecer aos leitores que se interessam pelo tema felicidade, alguns subsídios
para sua apreciação, e aos companheiros espíritas o ensejo de meditarem sobre a
extensão das responsabilidades nestes tempos de grandes e decisivas transições.
A felicidade terrestre é relativa à posição de cada
um.
0 que basta para a felicidade de um, constitui a
desgraça de outro. Haverá, contudo, alguma soma de felicidade comum a todos os
homens? Com relação à vida material, é a posse do necessário. Com relação à
vida moral, a consciência tranquila e até no futuro.
Livro dos Espíritos - Questão n° 922
Vivemos num mundo de relatividade, condicionados
pelo ambiente em que nos situamos, o que determina que cada indivíduo tenha
suas próprias idéias quanto ao mínimo necessário à felicidade.
Um executivo com rendimento mensal de duzentos
salários mínimos, aplicados inteiramente em favor de seus caprichos e diversões,
conforto e bem-estar, sentir-se-á o mais infeliz dos mortais se reduzido à
décima parte desse valor. Já o operário de salário-mínimo sentir-se-á no
paraíso se receber dez vezes mais - uma fortuna para ele.
Portanto, sem recorrer a cifras, podemos considerar
que o mínimo necessário à felicidade, sob o ponto de vista material, é
desfrutar do essencial à existência, relacionado com alimentação, habitação,
educação e saúde (aliás promessas demagogas e mentirosas de algo chamado
Constituição Federal e seu correspondente salario mínimo).
Aqui deparamos com o primeiro entrave à felicidade
na Terra, porquanto populações imensas sofrem perturbadora carência desses
recursos. Se não nos enquadramos nessa população sofredora não há porque nos
sentirmos infelizes, a não ser que cultivemos vaidades e ambições.
Há muita gente angustiada e até desajustada porque
não pode ter o palacete de seus sonhos, “aquele” automóvel, o incrementado
aparelho de som, o sofisticado guarda-roupa ou porque não pode realizar a
desejada viagem; gente que viveria bem melhor se cuidasse de assuntos mais
importantes.
Seremos felizes, materialmente, se nos contentarmos
com o necessário para viver, superando as pressões da sociedade de consumo que,
com seu incrível agente - a propaganda - induz-nos a desejar o supérfluo e a
consumir até mesmo o que é nocivo, como o fumo e as bebidas alcoólicas. A esse
propósito vale lembrar Diógenes, famoso filósofo grego, que demonstrava um
absoluto desprezo pelas convenções sociais e pelos bens materiais, em
obediência plena às leis da Natureza. Proclamava que para ser feliz o homem
deve libertar-se do supérfluo, limitando-se ao essencial: andava descalço,
vestia uma única túnica que possuía e dormia num tonel, que se tornou famoso em
toda a Grécia.
Certa feita viu um garoto tomando água num riacho,
a usar o côncavo das mãos. - Aí está - exultou o filósofo -, esse menino acaba
de ensinar-me que ainda tenho objetos desnecessários. Ato contínuo, dispensou a
caneca que usava, passando a utilizar-se das mãos. Alexandre, o grande, senhor
todo poderoso de seu tempo, curioso por conhecer aquele homem singular e
desejando testar seu famoso desprendimento, aproximou-se dele em fria manhã de
inverno, quando Diógenes aquecia-se ao sol. Conversaram durante algum tempo.
Então, Alexandre propôs-se a atender a qualquer pedido seu. Que escolhesse o
bem mais precioso, que enunciasse o capricho mais sofisticado e seria
prontamente atendido. Diógenes contemplou por alguns momentos o homem mais
poderoso da Terra, senhor de vasto império. Depois, esboçando um sorriso,
disse-lhe: - Quero apenas que não me tires o que não me podes dar. Estás diante
do sol que me aquece. Afasta-te, pois...
Evidentemente não podemos levar Diógenes ao pé da
letra, mesmo porque estamos longe do desprendimento total. Ele representa um
exemplo de como podemos simplificar a existência, despindo-nos de
condicionamentos e modismos, superando o artificial e o supérfluo, para que,
efetivamente, sob o ponto de vista material, não haja impedimentos à nossa
felicidade. Se nos contentarmos com o necessário teremos condições para tratar
de assuntos mais importantes, como a felicidade em plenitude, que é uma
edificação interior, uma espécie de conquista moral. Seremos felizes em nosso
universo interior se tivermos “a consciência tranquila e a fé no futuro”.
Aqui o assunto começa a ficar complicado...
Será que temos feito o que é absolutamente certo,
justo, verdadeiro? Temos respeitado integralmente o semelhante? Temos contido
nossos impulsos inferiores? Temos trabalhado pela paz, onde estamos? Temos
contribuído para a harmonia no lar? Tudo isso e muito mais é necessário para
que tenhamos tranquilidade de consciência.
Raros furtam-se a dias aflitivos de angústia, em
que sentem um imenso vazio em suas almas, mente torturada por idéias infelizes.
Uma análise retrospectiva dirá que esse estado
depressivo originou-se de uma má palavra, de um comportamento vicioso e irresponsável,
de uma atitude agressiva, de um gesto impensado - tudo isso passível de ferir
nossa consciência, precipitando-nos no desajuste.
Consideremos o mais importante: Se há milhões de
pessoas que não dispõem do mínimo necessário à existência, muitas delas
residentes em nossa cidade, podemos proclamar que temos a consciência em paz
sem estar tentando algo em seu benefício?
Afinal, admitindo que Deus é nosso pai, somos todos
irmãos! E o mais elementar dever de fraternidade impõe que o irmão melhor
situado ampare o irmão em penúria. Que diríamos de alguém que edificasse
confortável residência num oásis, em pleno deserto, cercando-a de altos muros e
se negando sistematicamente a socorrer os viajores cansados e sedentos que
passam lá fora?
É exatamente isso que fazem os homens em sua
maioria: preocupam-se com o oásis. Esquecem-se de seus irmãos...
Não podemos nos iludir.
O Espiritismo é suficientemente claro ao demonstrar
que a angústia existencial que aflige muita gente, que tem tudo para ser feliz,
sustenta-se na criminosa indiferença, na deliberada surdez aos apelos da
própria consciência, que pergunta, insistente: O que está você fazendo em
benefício de seus irmãos?
Quando o soviético Yuri Gagarin, o primeiro
astronauta, foi lançado no espaço, em 1961, informou que a Terra é azul, numa
tonalidade belíssima, formada pela incidência dos raios solares em nossa
atmosfera.
Se Gagarin tivesse sensibilidade mediúnica e observasse
a atmosfera psíquica ficaria horrorizado, porquanto, segundo informações da
Espiritualidade, nosso planeta é envolvido por fluidos densos e escuros,
formados pelas vibrações mentais de bilhões de Espíritos encarnados e
desencarnados, em situação de extrema penúria moral e espiritual.
Nas Altas Esferas, entidades sublimadas referem-se
à Terra como a região das “Faixas Negras”.
É preciso melhorar a atmosfera psíquica da Terra,
até mesmo para que espiritualmente possamos “respirar” melhor. Podemos fazê-lo
atendendo aos sofredores de todos os matizes, engrossando as fileiras dos
religiosos autênticos, que dedicam ao semelhante algumas horas de seus dias, em
todos os anos de suas vidas. Estes podem ter “fé no futuro”, segundo fator de
felicidade moral, porque estão trabalhando por ele, com o mais legítimo de
todos os recursos: a prática do Bem. (“Renúncia”, de Emmanuel, psicografia de
Francisco Cândido Xavier)
É evidente que, se não fossem os preconceitos
sociais, pelos quais se deixa o homem dominar, ele sempre acharia um trabalho
qualquer, que lhe proporcionasse meio de viver, embora deslocando-se da sua
posição. Mas, entre os que não têm preconceitos ou os põem de lado, não há
pessoas que se veem na impossibilidade de prover às suas necessidades, em consequência
de moléstias ou outras causas independentes da vontade delas? Numa sociedade
organizada segundo a lei do Cristo, ninguém deve morrer de fome.
Questão n° 930 Há indivíduos indolentes e
indisciplinados que vivem em situação difícil por sua própria culpa. Mas há,
também, os que experimentam amargas privações decorrentes de circunstâncias
alheias à sua vontade: O doente sem recursos... O velho sem abrigo... A criança
abandonada... O operário desempregado... Imagina-se que providências a respeito
do assunto são de alçada exclusiva do Governo, chamado ao atendimento da
população carente e à erradicação da miséria. No entanto, a sociedade somos
nós, cidadãos que a compomos. O Governo é apenas uma representação. Não
podemos, portanto, debitar-lhe inteiramente a solução desse problema, mesmo
porque a cristianização da sociedade não depende de iniciativas dos poderes
constituídos. Fraternidade, solidariedade, misericórdia, caridade, compaixão,
não são passíveis de imposição por decretos. A própria subordinação de
movimentos religiosos ao Estado sempre conduz a perigosos desvios. Exemplo
típico temos no famoso Edito de Milão, no Século IV, em que Constantino iniciou
o processo que transformaria o Cristianismo em religião oficial do Império
Romano. Nem por isso instalou-se uma sociedade cristã. Ao contrário - o
artificialismo, a hipocrisia, as exterioridades, males insistentemente
combatidos por Jesus, tomaram de assalto o culto cristão, atrelado ao carro do
poder temporal e sujeito, em decorrência, às influências daqueles que
disputavam as glórias humanas. Consideremos, ainda, que o Governo não é
onisciente, onipresente, onipotente. Ele não sabe tudo, não vê tudo, não pode
tudo. Mas a sociedade, como um todo, formada pelos cidadãos que a compõem, pode
exercitar essas faculdades, na medida que, diante das misérias humanas, sempre
haverá alguém capaz de fazer algo, ao passo que a interferência de prepostos
governamentais vai depender de os encontrarmos, de estarem dispostos a fazê-lo
e desfrutarem de disponibilidades para tanto. No livro “Atravessando a Rua”
comentamos a experiência de um homem que encontrou um doente ao desabrigo, em
noite muito fria, e suas tentativas para conduzi-lo ao Albergue, a esbarrarem
na falta de uma viatura da própria instituição e de órgãos policiais e
hospitalares. Reclamando pela falta de colaboração, deu o assunto por
encerrado. No dia seguinte o doente foi encontrado sem vida. Morreu de frio.
De quem foi a culpa? Do Governo, sem dúvida. O
albergue, o hospital, a polícia, que direta ou indiretamente o representam,
falharam na medida em que não se adequaram ao desempenho de suas funções. Mas
há um cúmplice, talvez com responsabilidade maior: o samaritano vacilante que,
naquele exato momento em que topou o doente, era o melhor representante da
sociedade para socorrê-lo. Bastava usar seu automóvel ou providenciar um táxi,
já que uma vida humana vale bem mais que embaraços ou despesas decorrentes de
semelhante iniciativa. O recalcitrante socorrista, bem como dezenas de pessoas
que passaram por ali, viram o problema e preferiram ignorá-lo, comportaram-se
como membros de uma sociedade que se diz cristã, mas está longe de viver os
ensinamentos do Cristo. Quando isto ocorrer, num futuro distante, não
precisaremos mais de albergues. Todo desabrigado terá um lar disposto a
acolhê-lo. Evidentemente não se improvisa o cristão. Ainda assim, não estamos
impedidos de ensaiar fraternidade. Se ainda não conseguimos abrir a porta de
nossa casa ao necessitado, abramos-lhe as portas da boa-vontade, dispostos a
fazer algo em seu benefício, sem debitara iniciativa ao Governo, porquanto,
diante dos infortúnios humanos, naquele exato momento em que os contemplamos,
somos os representantes melhor credenciados da sociedade para ajudar. Estamos
ali. Há outro aspecto importante: O Governo representa não apenas a sociedade,
mas também suas tendências. Ele se vincula à história da nação, suas
características, sua maneira de ser. A Alemanha de Adolfo Hitler foi a
materialização da belicosidade e das pretensões de hegemonia racial de boa
parte do povo alemão. Seria, portanto, inocência, pretender que o indivíduo
alçado ao poder transforme-se, por obra e graça do Espírito Santo, num campeão
do Evangelho, apóstolo do Bem, empolgado pela promoção humana, trabalhando de
sol a sol com disciplina, prudência, bom-senso, honestidade e, sobretudo, amor
pelo semelhante. Poderá surgir, de quando em vez, um sábio ou um santo na
direção de um povo, mas ele próprio terá de lutar contra terríveis limitações e
dificuldades, porquanto será um elemento estranho numa coletividade alheia aos
seus ideais. A sociedade legitimamente cristã deve ser construída de baixo para
cima. Quando a maioria da população for cristianizada teremos governos capazes
de vivenciar plenamente os ensinamentos de Jesus. Não há fórmulas mágicas para
isso. É apenas uma questão de trabalho, muito trabalho no esforço do Bem. Diz o
Espírito Humberto de Campos, em psicografia de Francisco Cândido Xavier: As
missões legitimamente salvacionistas vêm à Terra vestidas de macacão. O
verdadeiro missionário é aquele que serve sempre, com inabalável disposição,
empenhando a própria existência no esforço em favor do semelhante. Isso explica
porque o espírita consciente fatalmente vincula-se a obras de assistência e
promoção humanas -creches, berçários, escolas, abrigos, lares da infância e da
velhice, hospitais - formando uma mentalidade de participação e de iniciativas
em favor dos carentes de todos os matizes. Ele sabe que não há outro caminho. Kardec
comenta: Com uma organização social criteriosa e previdente, ao homem só por
culpa sua pode faltar o necessário. Porém, suas próprias faltas são frequentemente
resultado do meio onde se acha colocado. Quando praticar a lei de Deus, terá
uma ordem social tundada na justiça e na solidariedade e ele próprio também
será melhor.
Muitos delinquentes são formados na dura escola da
miséria, da necessidade mais premente, como opção de sobrevivência, por falta
de uma orientação adequada, de um amparo efetivo. Nas grandes cidades
brasileiras, particularmente Rio de Janeiro e São Paulo, há multidões de
menores abandonados, a perambular pelas ruas.
Até os 10 anos pedem esmolas. Depois, as meninas se
prostituem, os meninos transformam-se em trombadinhas, convertendo essas
metrópoles em autênticas selvas, cheias de perigos e tentações. Ninguém
desfruta de tranquilidade em suas ruas. Poderá o Governo resolver essa grave
situação? Talvez, em parte apenas, por falta de pessoal, de recursos, e até
mesmo porque há sempre outras prioridades. Mas os habitantes dessas cidades
sitiadas pela violência poderiam modificar radicalmente a situação. Se cada uma
dessas crianças tivesse uma família que se interessasse por ela, que a
ajudasse, que a orientasse, que trabalhasse em favor de sua promoção; se cada
uma das famílias de classe média ou abastada, substituindo futilidades e a
indiferença pelo esforço do Bem, fosse ao encontro do menor carente, prodígios
seriam realizados em favor da solução do problema, favorecendo a edificação de
uma sociedade legitimamente cristã. Programas dessa natureza devem estender-se
a todas as faixas da população carente, beneficiando também idosos, doentes,
presidiários, desempregados...
Há milhões de pessoas neste imenso Brasil que
precisam urgentemente de um pouco de calor humano. Que alguém se detenha, que
alguém se interesse por sua sorte, que alguém as ajude, que alguém as atenda em
suas necessidades. Muito mais que dinheiro é preciso boa-vontade, porquanto,
assim como o Cristo multiplicava pães e peixes para atender à multidão faminta,
a boa-vontade multiplica indefinidamente os recursos com os quais podemos e
devemos ajudar nossos irmãos. Que o digam os dirigentes de instituições de caridade.
Nunca há dinheiro, mas os recursos chegam sempre, enquanto permanece a
disposição de servir. Todos ansiamos pela lei e pela ordem. Queremos viver em
paz, exercer nossas atividades profissionais, cuidar da família, construir um
futuro melhor. Mas tememos por ele, em face da escalada da violência urbana.
Esperamos que o Governo imponha a ordem. Que se aumentem os efetivos policiais,
que se ampliem as prisões, que sejam mais severas as leis. Imperioso
reconhecer, entretanto, que só há uma lei capaz de acalmar os ânimos e impor a
ordem no Mundo, harmonizando indivíduos e coletividades: É a Lei do Amor,
insistentemente preconizada por Jesus, a explicar que cumpri-la é fazer ao
semelhante o bem que desejaríamos nos fosse feito. A Lei do Amor é mil vezes mais
eficiente do que a coerção, a repressão, a prisão, a ação policial, porque
todos os recursos de força com os quais se pretenda conter os impulsos
criminosos do homem o atingirão sempre de fora para dentro, como um ato de
violência, provocando reações semelhantes e exacerbando sua agressividade. L
por essa razão que os reformatórios são escolas de delinquência, e o criminoso
sempre sai mais endurecido da prisão. O amor trabalha diferente. Opera de
dentro para fora, atinge o indivíduo em sua intimidade, sensibiliza seu
coração, contém seus impulsos inferiores, desperta sua consciência, dispara
dentro dele o processo de sua própria renovação. Mais cedo ou mais tarde,
governantes e governados acabarão por compreender que a
renovação
da sociedade para construção de um mundo melhor pede, acima de tudo, exercícios
de amor. A OMISSÃO DOS BONS Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos
maus sobrepuja a dos bons? Por fraqueza destes. Os maus são intrigantes e
audaciosos, os bons são tímidos. Quando estes o quiserem, preponderarão.
Questão n° 932 Potencialmente todo homem é bom.
Somos filhos de Deus, criados, segundo a expressão bíblica, “à Sua imagem e
semelhança”. Se o Criador é a Bondade Suprema, essa mesma virtude existe
embrionária em nós, razão pela qual, consciente ou inconscientemente, passamos
a existência à procura de seus valores. Intuitivamente pressentimos que nossa
realização como filhos de Deus, habilitando-nos à plena integração na harmonia
universal, está condicionada a esse esforço. Aristóteles define com
simplicidade o assunto: A Felicidade consiste em jazer o bem. Não obstante, com
frequência nos comprometemos com o Mal, envolvendo-nos em iniciativas que levam
prejuízos ao semelhante. Esta é, talvez, a maior contradição humana, inspirando
a sábia observação do apóstolo Paulo, na Epístola aos Romanos (7:19): Porque
não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Tal tendência
está tão entranhada na criatura humana que as pessoas parecem não perceber que
agem com maldade. Os piores facínoras encontram amplas justificativas, perante
si mesmos, para seus atos antissociais. Al Capone, considerado o inimigo
público número um, nos Estados Unidos, afirmava não saber porque era perseguido
pelas autoridades, já que proporcionava prazeres ao povo, ajudando-o a
divertir-se. Mafiosos sanguinários referem-se aos crimes que praticam como
“circunstanciais”, próprios de seus “negócios”, sem nenhuma intenção maldosa.
Tiranos cometem atrocidades proclamando defender o bem-estar social e o progresso
da nação. Semelhante desvio é típico de um planeta de expiação e provas como a
Terra, habitada por Espíritos em estágios primitivos de evolução, tendo por
móvel de suas ações o egoísmo, a preocupação egocêntrica com o próprio
bem-estar, que sobrepuja em nosso universo íntimo a embrionária vocação para o
bem. O egoísmo sempre encontra justificativa para toda sorte de inconsequências,
desenvolvidas e consumadas com a presteza de quem defende interesses pessoais,
por mais escusos se apresentem. Exemplo típico: o chamado “crime passional”, em
que o indivíduo, a pretexto de “lavar a honra”, comete brutal assassinato,
recusando-se a avaliar a enorme distância entre a natureza do mal que sofreu e
o mal que está produzindo, algo como jogar uma bomba na casa do vizinho porque
seu carro esbarrou em nosso muro. Mesmo os que gostariam de cogitar apenas do
bem, convivem pacificamente com o mal e até se envolvem com ele, por “fraqueza”
e “timidez”, que se exprimem de múltiplas formas: O cigarro é um flagelo
social. Provoca variados distúrbios de saúde que abreviam a existência, impondo
condicionamentos terríveis que repercutem em nosso Espírito, com danosas consequências
no futuro. No entanto, milhões de pessoas fumam, após uma iniciação
feita geralmente na idade escolar. É que ao adolescente pesa o constrangimento
de sentir-se diferente entre os companheiros fumantes. Então ele assume o
vício, tornando-se prisioneiro dele, por imitação. Há um acidente de trânsito.
Prejuízos consideráveis são provocados por um motorista imprudente. E ele
procura torcer os fatos, a fim de furtar-se às suas responsabilidades. As
pessoas prejudicadas procuram testemunhas que, tendo presenciado o
acontecimento, disponham-se a depor em juízo, a fim de que se faça justiça. No
entanto, ninguém se habilita. Há o medo de envolver-se. São frequentes os
escândalos em empresas públicas. Funcionários desonestos apropriam-se de
vultosos valores que não lhes pertencem, num comportamento que, não raro,
estende-se ao longo de meses ou anos a fio, até que, por circunstâncias
fortuitas o “dislique” é descoberto. Constata-se, então, que tais
irregularidades ocorreram por relaxamento das normas de segurança que, não
observadas pelos demais servidores, favoreceram a ação dos desonestos.
Aproveitam-se alguns da desídia de muitos. A volúpia de ganhar dinheiro induz
muitas indústrias ao desprezo por elementares medidas de preservação do meio
ambiente, por dispendiosas. Poluem a atmosfera, destroem florestas, matam rios,
intoxicam a população e semeiam enfermidades. O movimento ecológico vem sendo
articulado com o propósito de defender a Natureza. Os progressos, entretanto,
são lentos, porquanto pouca gente dá-se ao trabalho de participar, em absoluta
indiferença. As reuniões de cunho espiritualizante, sob inspiração de qualquer
denominação religiosa, quando realizadas com seriedade e pureza, no propósito
de buscar a comunhão com o Céu, favorecem a paz e o equilíbrio nos corações, repercutindo
beneficamente nas sociedades humanas. No entanto vasta parcela da população permanece
alheia, não por descrença, mas simplesmente por comodismo. A transição entre o
bem e o mal, a vitória das potencialidades divinas sobre as tendências
egoísticas da criatura humana opera-se a partir da eleição de um ideal
superior, algo em que o indivíduo possa empenhar sua vida. O idealista legítimo
- capaz de esquecer de si mesmo em favor de uma causa nobre, está sempre
desperto, ativo, consciente, disposto ao sacrifício, imune ao acomodamento,
pronto a trilhar os mais difíceis caminhos. O ideal o conduz, aquece, ilumina,
sustenta... As grandes vidas, inspiradoras e inesquecíveis, foram marcadas por
grandes ideais. Por ideal de seguir Jesus, milhares de cristãos enfrentaram
destemidamente as feras famintas no Circo Romano, regando com seu suor e lágrimas
a árvore nascente do Cristianismo. Por ideal de libertar o pensamento religioso
do dogmatismo asfixiante, Giordano Bruno e João Huss deixaram-se queimar em
fogueiras inquisitoriais, situando-se como precursores da fé apoiada na razão,
instituída por Allan Kardec. Por ideal de libertar a Pátria do jugo português Tiradentes
enfrentou desassombradamente o poder imperial, imolando-se em favor de um
movimento de idéias que culminou com o Grito do Ipiranga. Pessoas assim
valorizam a existência, enobrecendo o gênero humano. Com suas iniciativas
fecundam o Bem, inspiram o progresso, ajudam a construir um mundo melhor. Não
estão sozinhos. Seguindo esses vanguardeiros há uma heroica retaguarda de
servidores ativos e conscientes, sejam médicos, professores, operários,
administradores - gente que está lutando, que está enfrentando os problemas do
Mundo, procurando fazer o melhor, tentando realizar o Bem, trabalhando com
denodo e perseverança.
É preciso que suas fileiras se ampliem. Que esses
milhares sejam milhões. Que o ideal do Bem conquiste os corações! Que se semeie
tanta luz que as sombras se retraiam! Que se exemplifique tanto a fraternidade
que o egoísmo não encontre onde se apoiar! Que se exercite tanto a bondade que
não haja espaço para a maldade! Então, sim, superando a omissão dos “bons”, o
Bem preponderará. OS CONTATOS COM O CÉU A perda de entes queridos não nos causa
um sofrimento tanto mais legítimo, quanto é irreparável e independente de nossa
vontade? Essa causa de sofrimento atinge tanto o rico como o pobre: é uma prova
ou expiação e lei para todos. Mas é uma consolação poderdes comunicar-vos com
os vossos amigos pelos meios de que dispondes, enquanto esperais o aparecimento
de outros mais diretos e mais acessíveis aos vossos sentidos.
Questão n° 934 O falecimento de entes queridos faz
parte do elenco de dores a que estamos sujeitos na Terra. Contemplar a vida a
esvair-se naqueles que amamos intensamente... Velar o corpo rígido e mudo...
Encerrá-lo na campa fria... São detalhes que compõem o drama terrível da
separação. Consideremos, porém, que Deus não inventou a morte para torturar
seus filhos. Trata-se, isto sim, de um poderoso recurso evolutivo em favor dos
que partem e dos que ficam. Para os que partem é o balanço existencial, a
aferição do que foi feito, com vistas à renovação. Para os que ficam, agitados
nos refolhos da consciência, é o convite para que desçam do carro das ilusões,
estimulados pelo próprio sofrimento a cogitar do significado da existência
humana.
* * Dores expiatórias são aquelas impostas pela
Justiça Divina a Espíritos recalcitrantes e rebeldes. Dores provacionais são
aquelas planejadas e escolhidas por Espíritos conscientes de seus débitos e
necessidades. Essas definições podem ser aplicadas àqueles que se despedem de
seus mortos, de conformidade com seu comportamento. Há pessoas que,
literalmente, desabam no desespero, como quem se debate ante a cobrança
indesejável de um débito cármico, questionando os desígnios divinos. Outros
fazem melhor, concebendo a separação como inevitável experiência humana que
lhes compete enfrentar. Seu sofrimento é bem menor, não porque amam menos, mas
porque submetem-se à vontade de Deus, já que a amargura maior chega sempre
pelas portas da inconformação. A compreensão, que situa a morte como provação
tolerável é, sem dúvida, uma questão de maturidade, mas se relaciona, também,
com o conhecimento. Na medida em que assimilamos a ideia de que a morte impõe
uma separação inexorável, mas transitória, e que todos nos reencontraremos na
Espiritualidade, fica mais fácil aceitá-la.
* * *
A manifestação dos Espíritos pela prática mediúnica
retira da morte o aspecto sinistro, denso, pesado, tranquilizando os que partem
e confortando os que ficam. A Doutrina Espírita, que disciplina esse
intercâmbio, situa-se como o Consolador prometido por Jesus, o Espírito de
Verdade que nos oferece revelações que não tínhamos condições para entender há
dois mil anos. Chico Xavier, o notável médium de Uberaba, personifica essa
consolação, recebendo ao longo de seu apostolado mediúnico milhares de
mensagens de Espíritos desencarnados, que se dirigem aos familiares exaltando a
sobrevivência. Impossível negar sua autenticidade, porquanto elas vêm recheadas
de informações envolvendo datas, nomes, apelidos, circunstâncias, tratamento
íntimo. Muito mais que isso há o que um desses comunicantes denomina “o sentido
das palavras”, a refletir, inquestionavelmente, a presença dos que se foram,
transformando o dragão terrível - a morte - em ave da liberdade, como exprime o
Espírito Castro Alves, nosso poeta maior, em psicografia do mesmo Chico:
Conduzo seres aos Céus, A luz da realidade; sou ave da Liberdade Que ao lodo da
escravidão Venho arrancar os espíritos, elevando-os às alturas: Dou corpos às
sepulturas, dou almas para a amplidão!
* * *
Dia virá em que a comunicação com os “mortos” será
extremamente precisa e facilitada, com o concurso de sofisticados aparelhos
eletrônicos. Pesquisa-se muito nesse campo, a partir das experiências com
gravadores, realizadas pelo sueco Friedrich Juergenson, iniciadas em 1959.
Conforme relata no livro “Telefone Para o Além”, ao reproduzir uma gravação com
cantos de pássaros notou que captara estranhas vozes. Realizando centenas de
gravações, em que as vozes insistiam em marcar sua presença, acabou descobrindo
que eram produzidas por seres espirituais, num esforço por desenvolver novas
formas de contato com os homens. Em vários países desenvolvem-se, atualmente,
técnicas de captação de imagens do Plano Espiritual pela televisão. Vivemos o
início de uma nova era, no intercâmbio entre “vivos” e “mortos”, que culminará
com a comprovação definitiva da sobrevivência, em bases de tecnologia. Teremos,
então, sons e imagens do Além que contribuirão decisivamente para a edificação
de uma Humanidade mais espiritualizada e consciente de suas responsabilidades.
Antes que chegue esse tempo e ainda que não tenhamos à nossa disposição os
grandes médiuns, podemos detectar a presença dos Espíritos se cultivarmos “olhos
de ver”, como ensinava Jesus. Diariamente entramos em contato com os “mortos”,
enquanto nosso corpo dorme. Muitos sonhos situam-se por pálidos registros
dessas excursões na Espiritualidade. Em circunstâncias especiais benfeitores
dedicados ajudam seus pupilos a superar determinados problemas, promovendo
alentadores encontros com familiares desencarnados. Um homem viveu perto de meio
século com a esposa. Davam-se muito bem, criaram vários filhos. Quando a
companheira faleceu ele sofreu o impacto da separação, mas estava preparado,
mesmo porque ela tivera doença de longo curso, definhando lentamente. Fora uma
libertação, após anos de sofrimento.
Não obstante, o viúvo caiu numa depressão
acentuada, uma angústia insuperável, marcadas por exagerada sensibilidade. Isto
o afligia muito. Não lhe parecia normal, mesmo porque conhece o Espiritismo.
Após algumas semanas sonhou que a esposa se aproximava dele e o abraçava com
muito carinho, despedindo-se. Foi tudo muito nítido, claro, real... Acordou
sentindo-se leve, tranquilo e livre de suas opressões, reencontrando o bom
ânimo, que é uma característica de sua personalidade. O que teria acontecido?
Há duas hipóteses: A esposa, ao desencarnar, enfrentando os percalços do
retorno, ainda presa à vida física pela emoção, estava imantada ao marido,
transmitindo-lhe algo de suas perplexidades. Despertando para as realidades além-túmulo,
sob o amparo de amigos e familiares desencarnados, partiu, após despedir-se do
marido, conforme o registro em sonho. Ou então, compadecida de sua dor, viera
conversar com ele para reanimá-lo, algo que ele registrou esmaecidamente em
sonho, lembrando-se com nitidez apenas da despedida. De qualquer forma, a
experiência foi decisiva, devolvendo-lhe a serenidade. Pessoas dotadas de maior
sensibilidade podem estabelecer contato mais estreito com os Espíritos, durante
as horas de sono, desde que se preparem convenientemente, partindo do princípio
fundamental: é preciso fazer silêncio em nosso íntimo, evitando o “barulho” das
paixões humanas, para que possamos registrar adequadamente as vivências
espirituais. Lembramos a experiência de um companheiro espírita, que tinha
certa facilidade para registrar encontros noturnos com familiares e benfeitores
desencarnados. Era algo que o alegrava muito, principalmente quando convocado
para serviços na Espiritualidade, entusiasmado com a possibilidade de praticar
a caridade mesmo quando seu corpo repousava. Todavia, começou a envolver-se com
atividades materiais, construindo diversas casas para locação. Melhorando
sempre sua condição econômica, decidiu construir um prédio de apartamentos que
lhe renderia bons lucros. Desde então notou que seus desdobramentos
escasseavam. Num deles um benfeitor espiritual o advertiu de que era preciso
dedicar-se mais às edificações espirituais. Estava tão preocupado com as
construções da Terra que, quando retornasse ao Plano Espiritual provavelmente
não teria onde morar. Rico na Terra, pobre no Céu. Além do mais, seu
empolgamento com os interesses materiais estava inibindo suas possibilidades
espirituais. Ao ouvir seu relato, perguntamos: - E daí? Reduziu as construções
da Terra? E ele, sorriso triste: - Parei com os desdobramentos. Nunca mais
consegui conversar com os amigos espirituais... fica impossível o contato com o
Céu se o nosso coração se prende aos interesses da Terra.
Poema “A Morte”, do livro “Parnaso de Além-Túmulo”,
editado pela Federação Espírita Brasileira.
A TENDÊNCIA
PREDOMINANTE
Que se deve
pensar da opinião dos que consideram profanação as comunicações com o
além-túmulo? Não pode haver nisso profanação, quando haja recolhimento e quando
a evocação seja praticada respeitosa e convenientemente...
Questão n⁰ 935
O fato de algumas religiões considerarem uma
profanação - um desrespeito pelo sagrado - o intercâmbio com os mortos,
constitui uma das mais incríveis contradições humanas. Se as religiões são
espiritualistas, isto é, admitem a existência do Espírito, a individualidade
que sobrevive à morte do corpo físico, que é mero veículo para a jornada
terrestre, por que estariam impedidos os que partem de conversar com os que
ficam amenizando a dor da separação com o testemunho glorioso de que continuam
vivos? Inspiram-se os teólogos de plantão em recomendações de Moisés, notadamente
em Deuteronômio (18:10-ll –“quem em seu meio não encontre alguém que queime seu
filho ou sua filha, nem que faça pressagio, oraculo, adivinhação ou magia, ou
que pratique encantamentos, que interrogue espíritos ou adivinhos ou ainda que invoque
os mortos”).
: “Não exista entre vós quem pretenda depurar seu
filho ou filha, fazendo-os passar pelo fogo, nem adivinhador, nem
prognosticador, nem agoureiro, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os
mortos, pois todo aquele que faz tais coisas é abominável diante do Senhor”.
A proscrição
mosaica atesta que é possível o contato com o além. Não é preciso proibir o
impossível.
Frequentemente encontramos, em jardins públicos, a
seguinte inscrição: “Não pise na grama”, mas nunca “Não coma grama”. Seria
ocioso, já que se trata de uma planta imprópria para consumo humano.
Considere-se, além do mais, que Moisés foi apenas um legislador judeu que, ao
longo de sua liderança, instituiu centenas de leis, boas e más, algumas
decididamente infelizes sob a ótica atual, mas que serviam à sua época e ao seu
povo, sem nenhum caráter universalista ou eterno. Não é razoável admitir,
portanto, como se apregoa, que a Bíblia é “a palavra de Deus”. Seria no mínimo
extravagante que o Criador, o Senhor supremo do Universo, onde pululam bilhões
de galáxias e mundos sem conta, assumisse a postura de mesquinho governante, em
insignificante planeta, demonstrando escandalosa e injusta preferência por um
povo. Nem que se deixasse dominar por impulsos passionais, muito humanos, a
ponto de, em determinado momento, arrepender-se de ter criado o Homem, como
está em Gênesis, capítulo 6, versículo 6(“Iahweh arrependeu-se de ter feito o
homem sobre a terra, e afligiu-se o seu coração”).
Nem podemos imaginar Deus, tendo por intérprete
Moisés, a estabelecer que é proibido trabalhar no sábado, punindo com a morte
os infratores; que ao morrer um chefe de família, seu irmão é obrigado a
casar-se com a viúva; que a mulher menstruada torna-se imunda, o mesmo
acontecendo com o leproso; que sejam sacrificados animais e aves nos atos de
adoração... Isto sem falar das draconianas instruções de guerra, onde
determinava-se que os judeus, em terra de inimigos, deviam passar a fio de
espada tudo o que tivesse vida: homens, mulheres, velhos, crianças, animais,
aves, peixes...
A legislação mosaica situa-se hoje como um
anacronismo, a começar pela famosa Pena de Talião, a impor que o criminoso
fosse castigado na mesma proporção da natureza do crime: “Olho por olho, dente
por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por
ferimento, golpe por golpe”. (Êxodo, 21:24-25 –“olho por olho, dente por dente,
pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”).
Mas, em se tratando da proibição de contato com os
mortos, as recomendações de Moisés saltam do Velho Testamento como clava de
terrível abominação divina, que os fanáticos brandem sobre os “infiéis”, que se
atrevem a transgredi-la. Tanto mais esdrúxula é essa posição quando se
considera que as religiões chamadas cristãs têm em Moisés e os profetas meras
referências, orientando-se pelo Novo Testamento, que nos traz as experiências
de Jesus e seus discípulos. E o Mestre, durante todo o seu apostolado,
conversou com os mortos, afastou Espíritos impuros, doutrinou obsessores,
libertou obsidiados. Há, sem dúvida, na legislação mosaica preciosidades de
inspiração divina, eternas e universais, como a Tábua dos Dez Mandamentos, onde
temos os fundamentos da Justiça, ensinando o que não nos é lícito fazer e que
nossos direitos terminam onde começam os direitos do semelhante. Tais
orientações, entretanto, o verdadeiro maná do Céu, num areai de especulações e
fantasias, são raras. Por isso, ao mesmo tempo em que confirma o Decálogo,
Jesus praticamente revoga o Velho Testamento, reduzindo-o a duas citações que
se destacam como pérolas divinas entre quinquilharias humanas, ao proclamar que
o amor a Deus acima de todas as coisas (Deuteronômio, 6:5 –“portanto amarás a
IAHWEH teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua
força”) e ao próximo como a nós mesmos (Levítico, 19:18 –“não te vingarás e não
guardarás rancor contra os filhos do teu ovo. Amarás o teu próximo como a ti
mesmo. Eu sou Iahweh”), encerram a Lei e os Profetas. A primitiva comunidade
cristã conservou o intercâmbio com o Além. Faziam parte do culto as
manifestações dos Espíritos. Eram tão frequentes e envolviam tantos médiuns,
chamados então profetas, que o apóstolo Paulo, na Primeira Epístola aos
Coríntios, capítulo 14, traça normas disciplinadoras desse intercâmbio. Com os
desvios do Cristianismo, a partir do século IV, perdeu-se a pureza inicial e,
em decorrência, a possibilidade de comunhão com os Mentores que sustentavam
suas iniciativas mais nobres. E porque o contato com os mortos contrariava os
novos interesses, reeditou-se a proscrição mosaica e foram os médiuns relegados
à condição de bruxos e feiticeiros, com destino certo: a fogueira. Retraiu-se,
então, o intercâmbio a círculos extremamente restritos, na clandestinidade, até
o grande surto mediúnico no século XIX, a partir das manifestações de
Hydesville, nos Estados Unidos, envolvendo as irmãs Fox, que culminaram com a
codificação da Doutrina Espírita, restabelecendo a ponte maravilhosa que
aproxima a Terra do Além para acabar para sempre com a ideia sinistra de que a
morte é o fim. Os agrupamentos mediúnicos que se formaram, desde então, cumprem
finalidades especificas, de conformidade com as intenções dos participantes e
as possibilidades dos médiuns. Nota-se, porém, uma sucessão de tendências
predominantes. Nos primórdios da Doutrina Espírita dava-se ênfase às
manifestações espetaculosas, com o concurso de grandes médiuns de efeitos
físicos que serviam de cobaias para circunspectos pesquisadores que, diga-se de
passagem, em sua esmagadora maioria terminavam por reconhecer a legitimidade do
intercâmbio com o Além. Houve a época das reuniões domésticas, pessoas que, na
intimidade do lar, cultivavam o contato com os familiares e benfeitores
desencarnados. Depois vieram os grupos que se especializavam em desmascarar
Espíritos mistificadores, com dirigentes que mais pareciam detetives à procura
de criminosos. Na atualidade destacam-se as sessões de ajuda a Entidades
sofredoras, o que inspira estranheza em alguns confrades. Concebem eles que os
mentores espirituais têm melhores condições para esse tipo de assistência.
Enganam-se, porquanto com muita frequência o manifestante está tão perturbado,
preso a impressões da vida material, que não consegue nem mesmo identificar a
presença dos socorristas desencarnados. O contato com as energias físicas do
médium oferece-lhe alguma lucidez, como um sonâmbulo momentaneamente desperto,
habilitando-o ao diálogo. Se o dirigente dos trabalhos o envolve numa atmosfera
de muito carinho e solicitude, fazendo-o sentir que ali há um grupo de
pessoas dispostas a ajudá-lo; se conseguir induzi-lo à oração, modificando-lhe
as disposições, o caminho estará aberto para a ação dos benfeitores
espirituais. Semelhante tendência deverá prevalecer na prática mediúnica, como
em tudo o que se relaciona com o Espiritismo, que institui a filosofia do
trabalho no campo da fraternidade humana, como supremo recurso para a
construção de um mundo melhor. Natural, portanto, que nos sintamos convocados
pela Doutrina à participação em creches, berçários, hospitais, albergues,
escolas e, sobretudo, no Centro Espírita, em inúmeros serviços que ali são
desenvolvidos.
* * *
Espíritas desencarnados que se manifestam em
Centros Espíritas a cujos serviços estiveram vinculados, reportam-se a dois
sentimentos: A alegria de um retorno mais tranquilo, de uma adaptação mais
rápida à vida espiritual, em decorrência do aprendizado doutrinário e dos
serviços prestados. A tristeza por não terem dado de si tanto quanto podiam, de
não terem se empenhado em favor de sua renovação tanto quanto deviam. Sentem
que perderam tempo. Sua experiência lembra o prefácio do livro “Cartas e
Crônicas”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, em que o Espírito Humberto
de Campos escreve: Num belo apólogo, conta Rabindranath Tagore que um lavrador,
a caminho de casa, com a colheita do dia, notou que, em sentido contrário,
vinha suntuosa carruagem, revestida de estrelas. Contemplando-a, fascinado,
viu-a estacar, junto dele, e, semi estarrecido, reconheceu a presença do Senhor
do Mundo, que saiu dela e estendeu-lhe a mão a pedir-lhe esmolas...
- O que? - refletiu, espantado - o Senhor da Vida a
rogar-me auxílio, a mim, que nunca passei de mísero escravo, na aspereza do
solo? Conquanto excitado e mudo, mergulhou a mão no alforje de trigo que trazia
e entregou ao Divino Pedinte apenas um grão da preciosa carga. O Senhor
agradeceu e partiu. Quando, porém, o pobre homem do campo tornou a si do
próprio assombro, observou que doce claridade vinha do alforje poeirento... O
grânulo de trigo, do qual fizera sua dádiva, tornara à sacola, transformado em
pepita de ouro luminescente... Deslumbrado, gritou: - Louco que fui!... Por que
não dei tudo o que tinha ao Soberano da Vida?
UNIDOS PELO
CORAÇÃO
Como é que as dores inconsoláveis dos que
sobrevivem se refletem nos Espíritos que as causam? 0 Espírito é sensível à
lembrança e às saudades dos que lhe eram caros na Terra; mas, uma dor
incessante e desarrazoada o toca penosamente, porque, nessa dor excessiva, ele
vê falta de fé no futuro e de confiança em Deus e, por conseguinte, um
obstáculo ao adiantamento dos que choram e talvez à sua reunião com estes.
Questão n° 936 O homem despe-se e entra no chuveiro. Súbito a porta do banheiro
é arrombada. Desconhecidos o agarram, vendam seus olhos e o amordaçam.
Conduzido ao aeroporto, é embarcado num avião, em indesejável viagem para
remota região, onde o deixam sem nenhuma explicação. Confuso e desorientado,
vagueia sem rumo...
Semelhante situação assemelha-se a de Espíritos que
retornam à Vida Espiritual abruptamente, “raptados” por um acidente, um ato de
violência, uma síncope fulminante... A extensão de suas perplexidades
dependerá, evidentemente, de vários fatores, destacando-se os conhecimentos
relacionados com o trânsito para o Além, a maturidade emocional e, sobretudo, a
natureza de seu envolvimento com os interesses materiais. Neste particular,
aplica-se perfeitamente a advertência de Jesus: “Onde estiver o teu tesouro, aí
estará também o teu coração.” (Mateus, 6:21 – “pois onde está teu tesouro aí
estará também teu coração”). Aqueles que fazem da existência humana um fim em
si, que de nada cogitam além dos seus negócios, apegados aos bens da Terra,
terão imensas dificuldades de adaptação, se “raptados” para o continente
espiritual. Um rico empresário, empolgado por suas atividades comerciais, sem
espaço em seu coração para cogitações mais nobres, sentir-se-á dolorosamente
lesado, como se lhe houvessem roubado até o último centavo. Espíritos
evoluídos, que fazem “poupança para o Além”, guardando seus tesouros nos bancos
da sabedoria e da virtude, não têm dificuldade para enfrentar a grande
transição, mesmo que ocorra inesperadamente. Herculano Pires, notável escritor
e jornalista espírita, é um exemplo marcante. Tendo sofrido um enfarte, foi
imediatamente conduzido ao hospital. Enquanto os médicos o socorriam,
iniciava-se uma reunião de estudos espíritas e prática mediúnica, na garagem de
sua residência, que funcionava como pequeno centro espírita, frequentado por
amigos e admiradores. A família houve por bem não informar o grupo reunido, a
fim de evitar tumulto no hospital. No desdobramento dos trabalhos mediúnicos,
para surpresa dos presentes, um Espírito informou o falecimento de Herculano.
Em seguida ele próprio manifestava-se para suas despedidas, em mensagem
psicografada, onde dizia: Família querida, vivendo contigo dias felizes e
amenos, na experiência do lar prossegue a vida. Coragem e otimismo, não quero
pompas nem velas, Apenas a simplicidade do professor do interior em metrópole
de céus e estrelas... Sustenta em apoio vibratório a casa, Ampara o livro da
codificação, E eu, em espírito ou memória, ao lado dos amigos espirituais
contigo sempre estarei, No apostolado de pregar e servir a Doutrina dos Espíritos,
Com o Mestre de Lion. Virgínia querida, mais esposa do que esposo fui, já não tem
de falar, nem riso, não mais o poeta. Mas que semblante triste o teu! Volte ao
que era, Como o tempo na casa velha, Tudo é vida, das noites de rima, doutrina
e cozinha, Lar, amigos, Não é confusão, é nova sensação, A de viver, sentir que
já não sou corpo, Mas alma, até que enfim! Desculpe, sou espírito de verdade,
Amparado em novas luzes, A minha, a nossa luzinha, que ajudaste a construir...
No momento adeus, menos choro e mais café!
Se há dificuldade de captar a escrita, imagine a de
despertar aqui, para dizer aos meus da sobrevivência da alma! Muita paz em
Jesus. Somente depois do encerramento da reunião chegou a notícia do
falecimento. Ficou-se sabendo que Herculano costumava escrever poesias
dirigidas aos familiares em ocasiões especiais. E assim procedeu novamente, em
data muito significativa - a de sua própria desencarnação! Identificamo-lo
perfeitamente nas idéias e expressões usadas, particularmente ao solicitar aos
familiares que trabalhem em favor da obra de Allan Kardec, o “Mestre de Lion”,
como ele o fez, por supremo ideal de sua existência. A manifestação de
Herculano Pires, momentos após o seu falecimento, é um atestado eloquente de
imortalidade, uma demonstração de como o Espírito esclarecido e consciente pode
superar de imediato o trauma da morte repentina, mas é, inegavelmente, uma
exceção. Por isso, o melhor mesmo é “morrer na cama”, em doença de longo curso,
que nos prepara compulsivamente, induzindo-nos à oração, à superação das
ilusões, à procura da religião, ao desapego das humanas paixões, à disposição
de cultivar valores espirituais. A transferência, então, efetua-se de forma
mais branda. Não nos sentimos “raptados”. Podemos até ensaiar despedidas, se
formos capazes de “encarar” a morte. Em mortes “à vista” ou “a prazo”, muita
gente parte despreparada; muita gente fica inconformada, originando dois
problemas: No primeiro, o “morto” perturba os “vivos”. Se o desencarnante
encontra dificuldades para definir seu novo estado; se o afligem impressões
relacionadas com o tipo de morte que sofreu; se ele está confuso e atribulado,
há uma tendência natural para procurar aqueles aos quais está ligado pelos
laços do coração, que constituem parte de seu “tesouro”. Aproxima-se deles para
pedir socorro, para reclamar atenção, para expor suas angústias e
perplexidades. Estabelecida a sintonia entre o desencarnado e seus afetos,
surge o que poderíamos definir como uma obsessão pacífica, já que não há
nenhuma intenção maldosa do “obsessor”. Ele apenas quer ajuda, como alguém que,
prestes a morrer afogado, agarra-se desesperadamente ao companheiro que está
mais próximo. Semelhante envolvimento impõe penosas impressões àqueles que o
sofrem, mas não há grandes dificuldades para ser superado. A simples frequência
ao Centro Espírita vale por uma desobsessão, porquanto o desencarnado tende a
acompanhá-los, colhendo os benefícios do ambiente e das palestras, que o
esclarecem e preparam para a ajuda mais efetiva dos mentores espirituais. E há
o problema dos “vivos” que perturbam os “mortos”. Particularmente nas mortes
repentinas, se os familiares não têm nenhuma noção a respeito do assunto,
tendem a cultivar idéias negativas, em insistente questionamento íntimo.
E revivem interminavelmente as circunstâncias do
desencarne, envolvendo um carro destroçado, um incêndio devorador, um
afogamento trágico, um tiro fatal... quando o desencarnante tem certa
maturidade espiritual, superando o trauma do trágico retorno à Vida Espiritual,
consegue neutralizar as vibrações de angústia e desespero dos familiares,
embora lhe sejam penosas. Se, entretanto, como ocorre com frequência, o retorno
inesperado lhe impõe perplexidades e dúvidas, o desajuste dos familiares
recrudesce suas reminiscências dolorosas relacionadas com as circunstâncias de
sua morte, como quem vive um pesadelo que se repete indefinidamente.
Ao manifestarem-se em reuniões mediúnicas, estes
atribulados companheiros imploram aos entes queridos uma trégua em suas amargas
cogitações íntimas. Não desejam ser esquecidos, mas que deixe de jorrar a fonte
de inconsoláveis e torturantes lembranças. Que não os imaginem queimados,
destroçados, afogados, desintegrados, mas vivos, num outro corpo, numa outra
dimensão. Insistindo para que mudem suas disposições e retornem à normalidade,
sugerem aos familiares que se disponham a trabalhar em favor dos semelhantes,
integrando-se nos serviços da fraternidade humana. O falecimento de um afeto
caro ao nosso coração assemelha-se a uma amputação psicológica. E como se
arrancassem parte de nós mesmos, ficando um imenso vazio onde, se não tivermos
cuidado, proliferam facilmente os miasmas do desajuste e da perturbação. O
esforço do Bem ajuda-nos a preencher adequadamente esse vazio, operando
prodígios de refazimento em favor de nossa saúde e bem-estar, harmonizando-nos
com a existência. Obras notáveis de caridade e promoção humana têm nascido em
situações dessa natureza, quando pessoas atormentadas pelo falecimento de
alguém muito querido, dedicam suas vidas à sementeira do Bem, colhendo consolo
e alento no empenho de servir. A saudade sempre fica, mas sem amarguras, sem
dores inconsoláveis, uma saudade suave, como a notícia feliz de um afeto que
não se extingue jamais, assegurando-lhes, no recôndito d’alma, que seus amados
estão presentes no seu dia-a-dia, no trabalho edificante que executam, nas
lágrimas que enxugam, nas bênçãos que distribuem. Embora habitando mundo
paralelos, permanecem unidos pelo coração.
A
INGRATIDÃO E O AMOR
As decepções oriundas da ingratidão não serão de
molde a endurecer o coração e a fechá-lo à sensibilidade? Fora um erro,
porquanto o homem de coração, como dizes, se sente sempre feliz pelo bem que
faz. Sabe que, se esse bem for esquecido nesta vida, será lembrado em outra e
que o ingrato se envergonhará e terá remorsos da sua ingratidão.
Questão n° 938 No extenso dicionário das mazelas
humanas, a ingratidão ocupa lugar de destaque. Na indiferença ante benefícios
recebidos e nas ações que representam uma omissão diante de eventuais
necessidades do benfeitor ou até mesmo venham a prejudicá-lo, temos flagrantes
demonstrações do egoísmo humano. Tudo isso está presente na mais execrável e
comprometedora ingratidão: a dos filhos. Impossível efetuar um levantamento completo
dos benefícios que recebemos de nossos pais, particularmente na infância. É
preciso que tenhamos nossos próprios filhos para que possamos avaliar
devidamente o assunto. Não há sacrifícios em favor de alguém que se comparem
aos da solicitude materna. Começam pela gravidez, que altera algo extremamente
importante para a mulher - a estética corporal -, impondo-lhe deformações das
quais nunca se recuperará plenamente. Depois, as dores do parto, a insegurança
diante do recém-nascido, as noites de vigília, a ciranda das fraldas e das
mamadeiras, as angústias em face de enfermidades, as preocupações que se
estenderão por toda a existência em relação ao bem-estar e à felicidade do
filho... - Minha querida - diz experiente mulher a uma jovem em início de gestação
- durma bastante, descanse, curta o prazer de cuidar de si mesma. Faça tudo
isso agora porque, quando seu filho nascer, nunca mais você terá uma noite de
sono inteiramente tranquilo, nem horas inteiramente suas. Sua vida não mais lhe
pertencerá... Ao pai está reservada idêntica carga de cuidados, não tão
envolvente e intensa, mas acrescida do compromisso de trazer para a família “o
pão de cada dia”. No entanto, para muitos casais idosos sobram, na velhice, um
fundo de quintal, um asilo de luxo, um progressivo distanciamento. Com a
indefectível racionalização humana, a disfarçar o egoísmo, alegam os filhos
problemas de convivência, conflito de gerações, caduquice dos velhos, com o que
anestesiam a consciência. Esquecem-se de que os pais não fizeram o mesmo quando
o “conflito de gerações” envolvia um casal às voltas com a “caduquice” de
pirralhos iniciantes na arte de pensar. - Eu não pedi a meus pais para vir ao
Mundo - justificam muitos ingratos. Ledo engano! No Plano Espiritual não só
pedimos como, não raro, imploramos a casais em disponibilidade que nos dessem a
oportunidade de um retorno às experiências humanas, reconhecendo-as
indispensáveis à nossa edificação e à solução de problemas cármicos. Mas há
outro lado da questão. Curioso observar como as mães mais ternas, mais
virtuosas, nunca cobram dos filhos os benefícios que lhes prestam. Ë que só
podemos cobrar o que vendemos. A mãe não “vende” dedicação ao filho porque o
faz por amor, que é, em sua manifestação mais pura, um ato de doação. Esta é
uma lição que deveríamos aprender com as mães, a fim de não reclamarmos quando
os beneficiários de nossas iniciativas frustrarem nossas expectativas. Quem
cobra gratidão é mero vendedor de benefícios. Isto aplica-se a tudo o que
fazemos em favor de alguém, no lar, na cama, no local de trabalho, na atividade
religiosa, na vida social. Os melindres, os desentendimentos, as decepções
surgem quando cobramos amizade, respeito, compreensão, consideração, daqueles
aos quais eventualmente tenhamos beneficiado. Pomos a perder gratificantes
oportunidades de servir porque vendemos muito e doamos pouco, no empório de
nossas ações. Quem se doa, em benefício de um filho, de um amigo, de um
necessitado, jamais pensa em retribuição. A recompensa está na própria doação,
já que quando assim fazemos, assumimos nossa filiação divina, habilitando-nos a
receber em plenitude as bênçãos de Deus, que não se perturba com os ingratos,
nem deixa de atendê-los, porquanto, como ensina Jesus, “faz nascer o sol para
bons e maus e descer a chuva sobre justos e injustos.
* * *
O que seria do Cristianismo se Jesus, magoado com a
ingratidão dos homens, com a multidão que o insultara, com os amigos que o
abandonaram, com os discípulos que se acovardaram, recusasse comparecerão
colégio apostólico, após a crucificação? E o que fez, diante dos companheiros
assombrados com a gloriosa materialização? Revelou-se aborrecido? Criticou-os
acremente? Nada disso! Jesus simplesmente saudou-os desejando-lhes paz, como
nos dias venturosos do passado e, retirando-os do angustiante imobilismo,
sedimentou para sempre, em seus corações, a disposição de trabalhar pela
edificação do Reino de Deus. O Mestre demonstrou, em inúmeras circunstâncias,
que, se o amor persevera, o ingrato acabará defrontando-se com a própria
consciência, que lhe imporá irresistíveis impulsos de renovação.
SALVAÇÃO MATRIMONIAL
(...)como é,
além disso, que a mais viva afeição de dois seres pode mudar-se em antipatia e
mesmo em ódio? (..)Duas espécies há de afeição: a do corpo e a da alma,
acontecendo com frequência tomar-se uma pela outra. Quando pura e simpática, a
afeição da alma é duradoura; efêmera a do corpo. Dai vem que, muitas vezes, os
que julgavam amar-se com eterno amor passam a odiar-se, desde que a ilusão se
desfaça.
Questão n° 939 Diz jocosamente Afrânio Peixoto,
escritor baiano, que o amor é uma criança que quer nascer e pede aos pais que
não demorem.
Semelhante
expressão define com propriedade a atração recíproca que sente o casal
enamorado, num envolvimento tão forte que ambos se fundem num único pensamento:
estarem juntos. Num único desejo: a comunhão carnal. Dir-se-ia que é a própria
Natureza a agir, estimulando o acasalamento para a perpetuação da espécie. A
liberdade sexual que impera na sociedade contemporânea favorece esse clima de
mútua sedução, promovendo uniões que, inspiradas particularmente no sexo,
tendem a complicar-se na medida em que surgem as rotinas do dia-a-dia, os
problemas de relacionamento, os cuidados dos filhos, as dificuldades
financeiras, gerando tensões, atritos e insatisfações que arrefecem o impulso
sexual. Por isso, velho provérbio russo informa: “O casamento é o túmulo do
amor”. A sabedoria chinesa não deixa por menos: “O casamento é como uma
fortaleza sitiada: quem está fora quer entrar; quem está dentro quer sair”.
Assim, muitos matrimônios acabam quando morre a paixão. Incapazes de se
harmonizarem, os parceiros da frustrada experiência decidem que é melhor
separar-se, cuidando cada um da própria vida. Isto é muito comum nestes tempos
de uniões passionais e separações irracionais, em que os cônjuges não cogitam
dos prejuízos que causam aos filhos, pelos quais responderão um dia, no
tribunal da própria consciência. Há fórmulas para o casamento dar certo, mesmo
quando fenece a paixão. Uma delas, antiquíssima, é o machismo - o homem dono da
verdade, que manda e desmanda; a mulher, escrava submissa, a cumprir
irrestritamente as ordens de seu senhor. Quando um sempre manda e o outro
obedece, é possível viverem juntos, embora num regime de quartel, que não tem
nada em comum com um lar. A propósito há a história daquele fazendeiro que
dizia viver um casamento muito feliz, opinião que certamente não era
compartilhada por sua esposa, porquanto ele era um impenitente e truculento
machista. E explicava: É tudo uma questão de começar bem. Quando casamos, após
a festança, montei no meu cavalo, botei minha mulher na garupa e partimos em
lua-de-mel. Em dado momento o animal tropeçou e eu disse: - Primeira vez. Continuamos.
Mais algumas centenas de metros e o cavalo voltou a tropeçar. - Segunda vez -
disse eu. Pouco depois, o mesmo problema. - Terceira vez. Ato contínuo,
desmontei juntamente com minha mulher, passei a mão na espingarda e dei um tiro
na cabeça do animal, matando-o. Ela ficou perplexa. - O que é isso?! Matar o pobre
cavalo, apenas porque tropeçou três vezes! Você é um desalmado, um
criminoso!... Enquanto ela extravasava sua indignação eu a olhava muito sério,
no fundo de seus olhos. Então, falei forte: - Primeira vez! E nunca mais
tivemos problemas com discussões. Esta solução machista não funciona nos tempos
atuais, de feminismo militante. Se o marido falar assim com a esposa, é
provável que ela saque primeiro... hoje estamos mais para casamentos
democráticos, de diálogos francos, às vezes francos demais, que terminam em
pancadaria verbal. Melhor fazia aquele homem saudável e forte, que tinha
sessenta anos e aparentava quarenta. Quando lhe perguntavam qual o seu segredo,
respondia: Casamento bem ajustado. Combinei com minha cara-metade que quando
ela ficasse nervosa eu iria dar um passeio no campo. Com isso, passei os
últimos trinta anos em saudável contato com a Natureza... E uma solução original,
mas não muito recomendável. Se o marido sai muito, furtando-se aos problemas
domésticos, acabará não encontrando a esposa ao voltar. Pior, poderá
encontrá-la com outro...
***
O
Espiritismo tem uma grande contribuição em favor da estabilidade matrimonial,
mostrando-nos que, a par dos imperativos da Natureza, defrontamo-nos, no
casamento, com o desafio da convivência, que faz parte de nosso aprendizado
como espíritos eternos. Trata-se de uma necessidade evolutiva que lembra antigo
recurso para limpeza de pregos quando, por limitações tecnológicas, eles eram
produzidos com uma rebarba. Colocados num grande recipiente que ficava girando
durante algum tempo, os pregos atritavam-se uns com os outros e perdiam o
indesejado apêndice. Além da eliminação das “rebarbas” produzidas pela nossa
própria inferioridade, a vida em família é, também, um ponto de referência que
nos ajuda a manter o contato com a realidade. As pessoas que vivem durante
muito tempo sozinhas enfrentam problemas neste sentido. Dificilmente um eremita
evitará excentricidades e esquisitices, por falta do referencial, de contato
com pessoas que possam apontar suas falhas, seus “desvios de perspectiva” na
vivência e apreciação das experiências humanas. Há sonhadores que cultivam a ideia
do amor romântico, da união com a alma gêmea, imbuídos da ideia de que juntos
serão infalivelmente “felizes para sempre”, em gratificante convivência. Será
tudo perfeito, desde o início, “amor à primeira vista”, reencontro feliz de
metades eternas. Muitos casamentos terminam quando os cônjuges descobrem, após
a euforia dos primeiros tempos, que a “alma gêmea” se transformou em “algema”.
Só o amor-paixão, o amor-impulso sexual, é instantâneo. O amor de verdade, o
amor-sentimento profundo de comunhão, é um projeto para a vida toda, que começa
como tenra plantinha com florações fugazes de desejo que, para vingar e
frutificar, pede empenho diligente e consciente de duas pessoas que podem ter
algumas afinidades, mas, essencialmente, são diferentes, em múltiplos aspectos
- biológico, psicológico, cultural, intelectual, emocional. A lista iria longe.
Se não há esse entendimento e a convivência vai mal os cônjuges responsáveis,
que pensam nos filhos, concordam que é preciso tentar salvar o casamento.
Recorrem, então, à religião, aos psicólogos, aos amigos, aos conselheiros
matrimoniais. De fato, o termo é esse: salvar o casamento, não apenas no sentido
de evitar a separação, mas, principalmente no sentido de preservá-lo, de
torná-lo capaz de resistir aos desgastes da vida em comum. Allan Kardec nos
oferece uma fórmula mágica, que é a própria bandeira do Espiritismo em favor de
um mundo melhor: “Fora da Caridade Não Há Salvação. ” Talvez soe um tanto vago
proclamar que é preciso praticar a caridade no lar para salvar o casamento.
Afinal, o que seria isso? Poderíamos defini-la como uma ginástica diária, onde
os principais exercícios são: perdão, tolerância, atenção, respeito e renúncia.
O perdão é o treino da compreensão. Se procurarmos compreender o familiar, sem
o vinagre da crítica, identificaremos em seus momentos menos felizes a simples
exteriorização de conflitos íntimos em que se debate, e não nos magoaremos. A
tolerância é o treino da aceitação. Cada ser humano está numa faixa de
evolução. Não podemos exigir mais do que tem para dar. E ninguém é
intrinsecamente mau - somos todos filhos de Deus. É preciso lembrar, ainda, que
as pessoas tendem a comportar-se da maneira como as vemos. Identificar pequenas
virtudes é uma forma de desenvolvê-las. Estar sempre apontando mazelas e
imperfeições é a melhor maneira de exacerbá-las. A atenção é o treino do
diálogo. Diz André Luiz que quando os componentes de uma família perdem o gosto
pela conversa, a afetividade logo deixa o lar. Isto ocorre porque estamos
habituados ao monólogo, isto é, a falar e exigir, sem escutar e acatar. É
preciso saber ouvir, dar atenção ao que dizem os familiares e, principalmente, reconhecer
que nos momentos de divergência eles podem estar com a razão. O respeito é o
treino da educação. Lamentável observar como é grande o número de lares onde as
pessoas discutem, brigam, xingam-se e até se agridem, gerando uma atmosfera
psíquica irrespirável que torna todos nervosos e infelizes. O problema é,
fundamentalmente, de educação. Não apenas o verniz social que recebemos na escola,
mas também a autoeducação, a disciplina das emoções, reconhecendo que sem
respeito pelos outros caímos na agressividade, que é o argumento dos brutos,
dos habitantes das cavernas. A renúncia é o treino da doação. Há algo de
fundamental para nós, sem o que nossa alma definha, qual planta sem alimento.
Chama-se amor! Quantos lares estariam ajustados e felizes; quantas separações
jamais seriam cogitadas, se num relacionamento familiar, pais e filhos, marido
e mulher, irmãos e irmãs transmitissem com frequência, àqueles que habitam sob
o mesmo teto, aquela que é a mensagem mais desejada. Aquela que diz: “Sabe, eu
gosto de você! ” Há muitas maneiras de dizer isso: um bilhete singelo, a
lembrança de uma data, o elogio sincero, o gesto de louvor, o reconhecimento de
um benefício, a saudação alegre, a brincadeira amiga, o prato mais
caprichado, o diálogo fraterno, o toque carinhoso...
Tudo isso diz, na eloquência do gesto, que gostamos
do familiar. Não há nada mais importante em favor da harmonia doméstica. Para
tanto é preciso que aprendamos a renunciar. Renunciar à imposição agressiva de
nossos desejos; renunciar às reclamações e cobranças ácidas; renunciar às críticas
ferinas e à incontinência verbal; renunciar ao mutismo e à “cara amarrada”
quando nos contrariam... Renunciar, enfim, a nós mesmos, para que sejamos no
lar alguém capaz de proteger e amparar, socorrer e orientar, vendo naqueles aos
quais a sabedoria divina colocou em nosso caminho a gloriosa oportunidade de
trabalhar com Deus na edificação dos corações, para que recebamos de Deus o
salário da paz. Com semelhantes exercícios em torno da caridade descobriremos
no lar afinidades novas, motivações renovadas, afetos insuspeitados, a
garantirem uma vida familiar saudável e feliz.
A FORMA AMASSADA
Alcançam o fim objetivado aqueles que, não podendo
conformar-se com a perda de pessoas que lhes eram caras, se matam na esperança
de ir juntar-se-lhes? Muito diverso do que esperam é o resultado que colhem. Em
vez de se reunirem ao que era objeto de suas afeições, dele se afastam por
longo tempo, pois não é possível que Deus recompense um ato de covardia e o
insulto que lhe fazem com o duvidarem da sua providência. Pagarão por esse
instante de loucura com aflições maiores do que as que pensaram abreviar e não
terão, para compensá-las, a satisfação que esperavam.
Questão n° 956 Quando crianças estão reunidas em
seus folguedos, há as que se afastam por terem sido contrariadas. E dizem: “Não
brinco mais”. O suicida semelha a alguém que estava brincando de viver,
decidido a afastar-se da Vida porque ela não atendeu seus desejos ou impôs-lhe
o indesejado. Entre a insatisfação e a inconformação situam-se as motivações que
induzem ao suicídio. Dentre elas, a mais frequente relaciona-se com a perda de
entes queridos, não apenas os que partem para o Além, mas também os que se
afastam aquém, interrompendo a ligação afetiva, enfastiados do amor do passado
ou empolgados por novo amor, no presente. Ocorre que a Vida não é uma
brincadeira da qual nos seja lícito desistir, mesmo porque é impossível deixar
de viver. Seres eternos que somos, a morte apenas nos transfere para outra
dimensão existencial, onde nos pedirão contas de como vivemos na carne e de
como saímos dela. E como explicar a Deus que desistimos da jornada humana,
contrariando seus sábios desígnios e destruindo o corpo, o veículo que nos fora
concedido por empréstimo? * * Para um perfeito entendimento dos problemas decorrentes
do suicídio é preciso considerara existência do perispírito ou corpo
espiritual. Explica Allan Kardec, na introdução de “O Livro dos Espíritos”,
item VI: Há no homem três coisas: 1°, o corpo ou ser material análogo aos
animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2o, a alma ou ser imaterial,
Espírito encarnado no corpo; 3o, o laço que prende a alma ao corpo, princípio
intermediário entre a matéria e o Espírito. Tem assim o Homem duas naturezas:
pelo corpo, participa da natureza dos animais, cujos instintos lhe são comuns;
pela alma, participa da natureza dos Espíritos. O laço ou perispírito, que
prende ao corpo o Espírito, é uma espécie de envoltório semi
material. A morte é a destruição do invólucro mais grosseiro. O Espírito
conserva o segundo, que lhe constitui um corpo etéreo, invisível para nós no
estado normal, porém que pode tornar-se acidentalmente visível e mesmo
tangível, como sucede no fenômeno das aparições. O perispírito estabelece a
ligação entre duas naturezas distintas: a espiritual, representada pelo
Espírito, o ser pensante, e a natureza material, representada pelo corpo
físico, veículo de sua atuação na carne. Sua existência tem sido cogitada desde
as culturas mais antigas. Os hindus o chamavam Kama-rupa... Os hebreus,
nephesch... Os egípcios, Ka... Pitágoras falava de “carne sutil das almas” ...
Aristóteles dizia tratar-se do corpo sutil ou etéreo... Paracelso, corpo
astral. Mas a imagem mais famosa do perispírito é oferecida por Paulo, na
Primeira Epístola aos Coríntios, quando proclama que há corpos terrestres e
corpos celestes. E explica: “semeia-se o corpo na corrupção e ele ressuscita na
incorrupção”. Sepultado o corpo de carne, em decomposição, o Espírito ressurge
no corpo perispiritual, que não morre nem se decompõe. Quando os videntes
identificam a presença de pessoas conhecidas, já desencarnadas, estão
enxergando o “morto” em seu corpo espiritual. Uma interpretação equivocada das
observações de Paulo inspirou a ideia absurda da ressurreição dos corpos, num
hipotético “juízo final”.
* * *
A fisiologia do períspirito é ainda inacessível à
ciência humana, bem como o desdobramento de suas funções e necessidades. Há
algumas informações prestadas pelos Espíritos, dando-nos conta de que o
perispírito é extremamente sensível à natureza de nossos pensamentos, de nossas
idéias, de nossa maneira de ser, assemelhando-se a um espelho de nossa própria
alma. Espíritos superiores, sábios e santos do Além, apresentam-se belos e
luminosos, como que vestidos de luz. Espíritos inferiores, comprometidos com o
mal, parecem vestir-se de sombras, expressão sinistra, escuros, densos, como a
visão de um filme de horror.
* * *
Intimamente associado ao corpo físico, quando
estamos encarnados, o perispírito tanto o influencia, imprimindo-lhe algo de
seus ajustes e desajustes, como pode ser afetado por ele. Toda agressão que
façamos ao veículo carnal deliberadamente, pelo cultivo de vícios ou por
indisciplina, repercutem no organismo perispiritual, debilitando-o e lhe
impondo desajustes. Isto significa que a saúde do perispírito, de fundamental
importância para nossa estabilidade íntima, depende não apenas do que fazemos
de nossa vida, mas também do que fazemos ao nosso corpo. O perispírito
sintetiza em sua tessitura um substrato de nossas existências anteriores e
sempre que reencarnamos imprimimos no novo corpo algo de nossos desajustes
passados, qual uma “forma amassada que faz bolos deformados”, como ouvimos
certa feita de nosso amigo e conhecido expositor espírita, Felipe Salomão. As
leis de genética determinam que tenhamos uma combinação de características
hereditárias fornecidas por nossos pais, quanto à cor da pele, dos
olhos, dos cabelos, o tipo físico, a altura, a estrutura óssea, o tipo
sanguíneo..., mas a “arrumação” desses elementos genéticos, determinando as
condições orgânicas, bem como as potencialidades mentais e suas limitações, vai
depender das necessidades evolutivas do reencarnante, registradas em seu
perispírito. O suicida carrega graves desajustes perispirituais,
correspondentes à natureza da agressão que cometeu contra si mesmo, os quais
fatalmente repercutirão na experiência reencarnatória, gerando males que
atuarão como “drenos depuradores”. Considerando a rolagem do tempo, desde o
momento em que o suicida abate o próprio corpo, o trauma violento, os
sofrimentos inenarráveis no Plano Espiritual, o demorado tratamento em
organizações socorristas, o planejamento de nova existência, a “drenagem”
reencarnatória, podemos calcular que se passarão pelo menos 150 anos até que o
desatinado desertor resolva os grandes problemas que criou para si mesmo, ao
pretender livrar-se dos pequenos problemas que estava enfrentando. Nessas
dolorosas experiências ele aprenderá, por lição maior, que perdeu muito tempo,
num emaranhado de angústias e sofrimentos que poderia ter evitado.
MATERIALISMO
PERICLITANTE
Por que tem o homem, instintivamente, horror ao
nada? Porque o nada não existe. Donde nasce, para o homem, o sentimento
instintivo da vida futura? Já temos dito: antes de encarnar, o Espírito
conhecia todas essas coisas e a alma conserva vaga lembrança do que sabe e do
que viu no estado espiritual.
Questões n°s 958 e 959
A sobrevivência do Espírito e a continuidade da
vida física numa outra dimensão são realidades fixadas indelevelmente na
consciência humana, fruto de nossas experiências em encarnações passadas. Algo
como um conhecimento esquecido que subsiste na forma de intuição. Por isso
rejeitamos instintivamente a ideia de que a vida termina no túmulo. Mesmo
aqueles que eventualmente seguem caminhos de negação, costumam reagir de forma
diferente quando se defrontam com a possibilidade da presença dos “mortos” em
seu caminho. A propósito vale lembrar a experiência marcante de Viriato
Correia, famoso escritor brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras,
homem profundamente culto e inteligente, mas materialista ferrenho, desses que
se vangloriam da própria incredulidade. Em memorável palestra na Federação
Espírita Brasileira, em 1941, confessou que, como todo materialista, era muito
mais um pretensioso, que enfiara na cabeça a ideia de que um homem superior não
podia submeter-se a crenças supersticiosas como a existência de Deus e a
imortalidade da Alma. Ilustrando sua posição de orgulhoso negador que não
passava de tolo ignorante, lembrou a história do rapaz que procurou velho padre
e, em confissão, disse-lhe que carregava um horrível pecado. - Fala, filho,
fala. Dize o teu pecado, que a misericórdia divina te absolverá. O rapaz ficou
silencioso, como sob o peso formidável de sua culpa. - Mataste? - perguntou o
sacerdote. - Não. - Roubaste?
- Também não. - Profanaste o lar alheio? - Nunca. -
Mas que pecado é o teu? - interrogou o velho vigário intrigado. O moço deu um
suspiro, um profundo suspiro: - Padre, o meu pecado é um só, um único, mas um
pecado enorme, horrível, colossal. O rapaz baixou a cabeça, deu outro suspiro e
desembuchou: - Padre, o meu pecado é este: sou orgulhoso como não há ninguém no
mundo, orgulhoso como ninguém foi ainda na vida. Vejo tudo abaixo de mim. Os
homens, quaisquer que eles sejam, por mais ilustres e por mais cultos, por mais
autoridade que tenham, para mim não valem nada; julgo tudo e todos inferiores à
minha pessoa. E isso me dói, padre, isso me faz sofrer. E um pecado que me pesa
como um fardo. Não é verdade que é um grande pecado? O vigário sorveu uma
pitada, batendo pausadamente a cabeça: - E, é! O orgulho é um pecado muito
feio. Mas vem cá, meu filho, que razão tens tu para todo esse orgulho? És
rico?' - Fui sempre pobre, muito pobre - respondeu o moço. - Mas, naturalmente
és de alta estirpe, os teus pais são nobres... - O meu pai é o açougueiro ali
na esquina. - É que talvez as mulheres por ti suspirem; elas certamente te
disputam, como se disputa um tesouro. - Nunca mulher nenhuma ergueu os olhos
para mim. - Então a razão é outra: é que tens imensa cultura, um grande nome
conquistado nas letras ou na ciência. - Desde que saí da escola primária nunca
mais abri um livro. O padre ergue-se. - Vai, meu filho, vai para casa sossegar.
Não tens nenhum pecado. Não és orgulhoso, nunca foste orgulhoso. O que tu és é
bobo. A anedota é feita sob medida para o meu caso. Eu não era materialista nem
sabia o que era materialismo. Era apenas um idiota enfeitado de penas de pavão,
que vivia a pavonear originalidade à custa das penas alheias... Viriato narra
dois fatos que demonstram a inconsistência de suas convicções. Um deles ocorreu
quando repousava no povoado onde nascera: Uma noite, a dois quilômetros da
minha casa, morreu um velho roceiro que o povoado inteiro estimava. Na roça, a
morte de um vizinho é sempre um acontecimento. E dos hábitos ir todo mundo para
a casa do finado, fazer o que lá se chama “o quarto de defunto”. Fui, como toda
a gente, e lá fiquei até duas da madrugada. Às duas da madrugada despedi-me
para sair. Queria voltar para casa, para ferrar no sono. Quando me despedia, no
terreiro, de uns matutos que ali pairavam, um deles me perguntou com interesse:
- Aonde vai? - Para casa, dormir. - Sozinho, por esse caminho? - Por que não?
Não sou homem?! A Maria, uma mulata que me conhecera em menino, disse com voz
arrastada, num tom de pouco-caso: - Está aí uma coisa que eu duvido. Vossemecê
deixar o defunto estirado no meio da casa e ir embora
por esse caminho, sozinho, com um luar branco como esse, hoje, sexta-feira, dia
em que as almas andam soltas! Está aí uma coisa que eu duvido e faço pouco.
Vossemecê volta! Senti, de súbito, um choque. Arrepios sê-me a pele,
arrepiaram-se-me os cabelos. Respondi de cara amarrada: -
Serei alguma criança?! Um sertanejo disse, em
galhofa, no meio do terreiro: - Isso de alma do outro mundo, siá Maria, é para
nós, matutos, que não lemos nos livros. Seu doutor não acredita. Elas não bolem
com ele. - Ele volta - repetiu a Maria, calmamente, a fumar o seu cachimbo.
Parti. Não dei duzentos passos. O luar estava de uma alvura de espuma e sabão.
Não há nada mais misterioso que o luar, por noite velha, na roça caindo
naqueles caminhos solitários. Não sei que impressão foi aquela que se apoderou
de mim, esfriando-me os ossos, tolhendo-me os pés. Não dei duzentos passos, não
dei. Um medo... É crença no sertão que quem começa um “quarto de defunto” deve
terminá-lo, não se deve nunca deixar o cadáver no meio da casa e ir para outro
lugar. A alma do finado nos perseguirá pelo caminho. Mas eu era materialista,
senhores; não acreditava, nem podia acreditar em almas do outro mundo. O que é
certo é que não pude dar duzentos passos. A brancura da lua, a solidão da
estrada, os galhos e as folhas das árvores espelhando o brilho do luar, o pio
das aves noturnas, o vento que ciciava, tudo, tudo me infiltrou uma tal
mudança, um tal temor, um frio, uma compressão no peito, uma tonteira na
cabeça, que voltei, voltei, senhores, voltei às pressas para a casa do defunto,
onde havia gente, muita gente, e gente viva. Fui recebido pelos roceiros com
uma gargalhada de troça. A Maria, com o seu cachimbo na boca, deliciou-se com o
meu fiasco, soltando uma baforada de fumo: - Eu sabia que ele voltava. Essa
gente que estuda é toda assim: da boca pra fora - uma valentia; mas na hora, na
hora da coragem - cadê? Passei a noite inteira envergonhado da minha covardia.
Como fora aquilo? Ninguém estava mais escandalizado do que eu próprio. E minhas
convicções materialistas e a sinceridade do meu materialismo? Outro fato
arrasador, desta vez envolvendo a existência de Deus, ocorreu numa de suas
viagens ao norte do país, no porto de Maceió. Participando de um jantar ele e
companheiros de viagem atrasaram-se. O navio já estava em manobras. Relata
Viriato: Procurou-se um escaler. Não havia. Afinal apareceu um, mas o
catraieiro não tinha remos. - Vai-se à vela. Mas não havia vento. Assim mesmo
entramos no barco. O vento que soprava era um nada que não enchia sequer a
vela. O catraieiro fazia esforços sobre-humanos para utilizar-se daquele vago
sopro de brisa que passava sutilmente. A muito custo aproximamo-nos do vapor.
Já ele se movia lentamente, em manobras. O quadro nunca mais se me apagou da
memória. Vejo a amurada de bordo cheia de passageiros que saúdam alegremente a
nossa aproximação. - Mandem parar! Mandem parar! - Gritávamos do escaler.
Mas, nesse instante (aí começou a tragédia) o vento
soprou rijamente. A vela encheu-se, o barco ganhou impulso e foi colar-se ao
alto costado do vapor. Compreendemos todos, num relance, a desgraça aos nossos
olhos. Íamos morrer. Só havia dois remédios: ou afastar o escaler do costado do
navio, ou parar o navio. De outra maneira seríamos miseravelmente colhidos,
tragados, esmigalhados pelas hélices em rotação. No escaler éramos oito.
Esforços incríveis fizemos para nos afastar do paquete. Era demais para nossas
forças. Lá em cima, na amurada, os passageiros compreenderam, alarmados, a
gravidade do perigo. O quadro nunca mais me saiu, em suas mínimas minúcias, da
cabeça. Vi muita gente correr loucamente para a ponte do comando, a suplicar
aos gritos que parassem o navio. Segundo a segundo, instante a instante, a
desgraça se avolumava na sua iminência. Senti a trágica aproximação das
hélices. Era fatal, irremediável, inevitável a morte... aí todo o meu instinto
de conservação pulou dentro de mim, acendeu-se-me uma energia desvairada e,
numa fúria, numa descarga, em pé, no meio do barco, os braços erguidos, pus-me
a clamar, a berrar: - Para! Para! Para! Pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus! Pelo
amor de Deus! O vapor não parava. Não parou. O comandante, um senhor Pedroso,
negou-se a fazê-lo. E o perigo crescia. Estávamos a dois metros das hélices
agitadas. Eu via nitidamente os turbilhões de espumarada rebojando. A agonia
dos passageiros lá em cima era horrível. Chegavam-me aos ouvidos (que exaltação
dos sentidos eu tinha naquele momento!), chegavam-me aos ouvidos gritos, crises
nervosas de senhoras. - Pelo amor de Deus, para! para!! - continuava eu a
gritar num acesso. Um jato de água esbate-se-me brutalmente pela cara,
sufocando-me. Era a água turbilhonante das hélices, das hélices que nos iam
tragar, que nos iam esmigalhar. Caí no fundo do escaler, desacordado. Não sei o
que se passou, não sei. O milagre... Quando abri os olhos, ouvi claramente a
voz do catraieiro, gritando numa vitória: - Estamos salvos! Estávamos todos
molhados e o barco com água pelo meio. O navio, esse já ia longe... Por muito
tempo Viriato esteve em briga consigo mesmo, humilhado pela fraqueza de ter
chamado por Deus no momento do perigo. Logo ele que era materialista, que se
vangloriava de não acreditar em nada... E sempre assim. As pessoas convertem-se
ao materialismo, situando a crença na existência de Deus e na presença dos
Espíritos no Universo por vulgares superstições, indignas de sua inteligência.
Mas quando surgem os desafios da Vida e as dores do Mundo, experimentam o
esboroamento de suas convicções e, à semelhança de Viriato Correia, apelam para
Deus. Como o filho pródigo da parábola evangélica, acabam constatando que não
há melhor jeito de viver do que viver ao lado de Deus.
OS CUIDADOS
DE DEUS
Com cada homem, pessoalmente, Deus se ocupa?
Não é ele muito grande e nós muito pequeninos para
que cada indivíduo em particular tenha, a seus olhos, alguma importância? Deus
se ocupa com todos os seres que criou, por mais pequeninos que sejam. Nada,
para a sua bondade, é destituído de valor.
Questão n° 963
Ao orar, em meus verdes anos, dirigindo-me a Deus,
imaginava um idoso senhor, de respeitável barba branca e bondosa expressão,
instalado no Céu, a quem me competia reverenciar, garantindo o direito de lhe
pedir favores, em frequentes petitórios. Semelhante ideia tem prevalecido,
desde as culturas mais antigas, exprimindo a arraigada tendência humana de
conceber uma divindade à sua imagem e semelhança. O assunto fica complicado na
atualidade, quando mais de cinco bilhões de pessoas vivem na Terra. Se
observado pela ótica antropomórfica o Criador estaria literalmente soterrado
por montanhas de solicitações, como o mais assoberbado burocrata do Universo. E
se lembrarmos que a Terra é insignificante planeta que gira em torno de pequena
estrela, na Via-Láctea, uma galáxia de mais de cem bilhões de estrelas, onde,
segundo estimativas, há pelo menos 100.000 planetas com possibilidade de vida
inteligente; se considerarmos, ainda, que há bilhões de galáxias, com trilhões
de estrelas, onde há, provavelmente, segundo o astrônomo Cari Sagan, idêntica
quantidade de planetas (habitados por espíritos encarnados ou desencarnados,
conforme a questão n° 55, de “O Livro dos Espíritos”(a pergunta é “São
habitados todos os globos que se movem no espaço?” E a resposta é ”Sim...”),
então torna-se impossível sustentar o deus antropomórfico de nossos ancestrais.
Na medida em que se ampliam as dimensões do Universo, isto é, na medida em que
o Homem consegue enxergar mais longe (os grandes radiotelescópios detectam
estrelas situadas a 15 bilhões de anos-luz, perto de
141.912.000.000.000.000.000.000 de quilômetros de distância!), somos forçados a
superar a acanhadíssima concepção de um soberano instalado num trono celeste,
para reconhecer em Deus a consciência cósmica do Universo, o Criador que tudo
vê, tudo sabe, tudo pode.
O Espírito de Joanna de Ângelis mentora de Divaldo
Pereira Franco, no livro No Limiar do Infinito, nos informa que... “sabe-se que
em nossa via láctea existem cerca de 100 bilhões (100.000.000.000) de estrelas
e no universo cerca de 10 bilhões (10.000.000.000) de galáxias, ora
classificadas em três tipos distintos: espirais; elípticas e irregulares. Além
delas(...) foram detectadas as quasares, que são fontes quase estelares de
radiação, as pulsars, mas manchas espaciais e supernovas que produzem brilho de
até 10 milhões (10.000.000) de vezes mais.
O astrônomo inglês Sir James Jeans, desejando
configurar, para a imaginação do homem comum, a grandeza da nossa via láctea,
explicou que se tome de uma só hemácia e a coloque em determinado ponto (a
hemácia mede 7 micras e cada mícron representa a milésima parte do milímetro).
O Sol poderia ser configurado como sendo essa hemácia. A orbita que a Terra
realiza gravitando em torno da hemácia poderia ter a dimensão da cabeça de um
alfinete. A dos astros em volta do sol, como a moeda de 20 centavos. No entanto
a via láctea mediria a distância que vai do extremo norte da américa do Norte
ao extremo sul da américa do Sul (de polo a polo) o nosso sistema solar
corresponderia, então, ao tamanho dessa pequenina moeda colocada em qualquer
parte desse espaço.
O nosso sistema solar gira m torno de Alcione
estrela central da constelação de plêiades (sete estrelas da constelação de
Touro matéria que já foi vista em ciclos).
* * *
É fácil provar a existência de Deus, a partir da
observação do Universo, um efeito infinitamente mais inteligente do que o
poderia conceber a mais sofisticada inteligência humana. Neste aspecto, o ônus
da prova de que Deus não existe ficará sempre por conta dos negadores, com a
obrigação de explicar o Universo sem o poder criador que o concebeu e sustenta.
Podemos imaginar, também, os atributos de Deus, como faz Kardec, em “O Livro
dos Espíritos”, ao expor as razões pelas quais necessariamente é eterno,
imutável, imaterial, único, onipotente e soberanamente justo e bom. Quanto ao
modus operante de Deus fica difícil avançar, não que nos seja proibido, mas por
absoluta incapacidade. Não temos desenvolvimento moral e intelectual
suficientes para isso. Jesus, o Espírito mais perfeito que transitou pela
Terra, que mais do que ninguém tinha condições para um entendimento perfeito do
assunto, limitou-se a ensinar o fundamental: devemos reconhecer em Deus o nosso
pai, infinitamente justo e misericordioso, que trabalha incessantemente pela
felicidade de seus filhos. Em “O Sermão da Montanha” o Mestre informa o empenho
de renovação a que somos convocados para que, muito mais que identificar a
presença de Deus, possamos senti-la em plenitude, ao proclamar: “bem-aventurados
os que têm limpo o coração, porque verão a Deus. ”
* * *
Não obstante nossas limitações, podemos conjecturar
sobre a ação da Providência Divina em nosso benefício, a partir da ideia de que
somos perfectíveis, segundo nos ensina a Doutrina Espírita, isto é, somos
destinados à perfeição. Criados à imagem e semelhança de Deus, conforme o
simbolismo bíblico, o poder criador é a característica fundamental de nossa
personalidade. Exercitando-o, temos a liberdade de escolher nossos caminhos,
mas somos disciplinados pela perfectibilidade, isto é, pela obrigação de
evoluir, sob a tutela de irresistível vocação para o Bem, que igualmente
identifica nossa filiação divina. Sempre que nos desviamos, por ignorância ou
incúria, há em nós mecanismos retificadores que se manifestam com o concurso da
dor, tanto mais severos quanto mais ampla a nossa capacidade de distinguir
entre o bem e o mal, entre o que devemos e o que não devemos fazer. Quando,
contrariando a vontade de Deus e a nossa própria condição de seus filhos,
incorremos na maldade, é como se batêssemos em nós mesmos, gerando desajustes
em nosso Espírito, como alguém que se machuca ao agredir uma pessoa.
* * *
Submetidos a
leis divinas que vigem na intimidade de nossa consciência, corrigindo nossos
impulsos com o concurso da Dor, seria desejável que pudéssemos conhecê-las,
renovando-nos pelo conhecimento para que não sejamos compulsoriamente renovados
sob o guante da dor. Deus não nos desampara nesse mister, oferecendo-nos
preciosas orientações, na medida em que desenvolvemos a capacidade de compreender
os regulamentos celestes. Em todos os tempos, Espíritos com avantajado
potencial de conhecimentos e experiências transitam pela Terra, em vivências
missionárias, situando-se adiante de seu tempo para ajudar o Homem a avançar
mais depressa nos domínios do conhecimento. Nesse aspecto podemos destacar três
momentos históricos, com verdades universais progressivamente reveladas: O
primeiro foi quando Moisés, no Monte Sinai, recebeu da Espiritualidade Maior a
Tábua dos Dez Mandamentos que, em síntese, ensina o que o Homem não deve fazer
- não matar, não roubar, não mentir, não cometer adultério, não cobiçar nada do
próximo. Fundamentava-se, assim, a justiça humana, com o princípio básico de
que nossos direitos terminam onde começam os direitos do semelhante. O segundo
momento foi quando Jesus ensinou que não basta evitar o mal. E indispensável
praticar o bem, porquanto é com ele que nos realizamos como filhos de Deus, que
espera pela bondade humana para que possa edificar seu reino na Terra. O
terceiro momento ocorreu com o Espiritismo que, mostrando-nos a vida além das
fronteiras da morte, permite-nos observar o majestoso funcionamento das leis
divinas, na condução dos destinos humanos, a nos conscientizar de que muito
mais do que simples virtude, o esforço do bem impõe-se por necessidade
imperiosa em favor de nosso progresso. Aplicando-nos no aprendizado desses
princípios universais aprendemos que Deus está sempre presente e, em sua
bondade, ocupa-se de todos os seus filhos, indistintamente, sem que nada do que
façam ou necessitam seja, a seus olhos, destituído de importância. Mas é no
exercício dessa mesma bondade que adquirimos condições para sentir e valorizar
os cuidados de Deus.
AS DORES DO
INFERNO
Têm alguma coisa de material as penas e gozos da
alma depois da morte não podem ser materiais, di-lo o bom senso, pois que a
alma não é matéria. Nada têm de carnal essas penas e esses gozos; entretanto,
são mil vezes mais vivos do que os que experimentais na Terra, porque o
Espírito, uma vez liberto, é mais impressionável. Então, já a matéria não lhe
embota as sensações.
Questão n⁰ 965 Os Evangelhos fazem referência à
Geena, vale situado ao sul de Jerusalém, onde outrora eram oferecidos
sacrifícios ao deus Moloch. Superada essa prática pagã, o local convertera-se
numa espécie de lixão, onde se queimavam os cadáveres de criminosos, carcaças
de animais e outros detritos. Jesus dizia, em suas pregações, que a alma
culpada sofreria tormentos por suas culpas, depurando-se como o lixo queimado
na Geena. Os teólogos medievais, interpretando o ensinamento ao pé da letra, e
dando asas à imaginação, conceberam a existência do inferno, como uma geena de
fogo localizada no interior da Terra, onde as almas condenadas ardem em chamas
eternas, sem jamais se consumir, em irremissível sofrimento, ideia que até hoje
aterroriza as pessoas simples. Qualquer estudioso de bom senso sabe que a Geena
deve ser considerada um simbolismo. Vivendo no plano espiritual as almas não
podem experimentar tormentos pirogênicos decorrentes de supostas chamas etéreas
onde não há elementos materiais de combustão. Seu sofrimento, necessariamente,
é moral. Assim como o Céu, o inferno é um estado de consciência e não um local
geográfico.
* * *
Quem já sentiu a angústia do arrependimento mais
intenso, por uma falta cometida, tem pálida ideia do que é o sofrimento dos
Espíritos culpados, muito mais intenso na Espiritualidade, onde não há as
limitações impostas pelo corpo físico, nem as ilusões da existência material,
que embotam as percepções e anestesiam a consciência. O Espírito comprometido
com o mal mergulha, ao desencarnar, num torvelinho de emoções e reminiscências
relacionados com suas faltas, experimentando sofrimentos morais tão intensos que
não há nada que se lhes compare na Terra. Há aqueles que, inteligentes, de
grande força mental, evoluídos intelectualmente, subdesenvolvidos moralmente,
conseguem neutralizar os reclamos da consciência, exercitando relativa
mobilidade, chegando mesmo a organizarem-se em imensas falanges que, em contato
com os homens, exploram-lhes as fraquezas. A fantasia teológica situa-os como
demônios, anjos caídos, rebelados contra Deus e devotados ao mal eterno. Na
verdade, são apenas filhos transviados do Pai Celeste, criados para o Bem, como
todos nós, e ainda que tardem em reconhecê-lo, sofrem as consequências de sua
contradição, incapazes de viver em plenitude, atormentados por dúvidas e
inquietações, como se no mais recôndito de seus corações algo lhes dissesse que
suas iniciativas estão equivocadas e que chegará o momento em que terão de
voltar aos caminhos divinos, dilacerando-se nos espinhos que semearam ao longo
de seus desvios. Não obstante sua intensidade, compatível com a natureza do mal
praticado, os sofrimentos experimentados pela alma culpada, ao despertar da
consciência, não são redentores. Representam apenas o início de um processo de
redenção, que somente se consumará quando reconciliar-se com aqueles que
prejudicou, compensando-os pelos males causados. Se quebro a vitrine de uma
loja com valente chute, posso ferir-me, seccionar um músculo, habilitar-me a
delicada cirurgia e a desagradável imobilização por algum tempo.
FONTE:
Richard Simonetti
Bíblia de Jerusalém
(Joanna de Ângelis) Divaldo Pereira Franco
Wikipédia
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