sábado, 17 de abril de 2021

O DISCIPULATO

 

O DISCIPULATO

Mat. 16:24-28

Então disse Jesus a os seus discípulos: "Se alguém quer vir após mim,  salvar a  sua vida, a perderá; mas o que perder sua vida por mim, a achará.  De fato que aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro mas arruinar sua vida? Ou o que poderá o homem dar em troca de sua vida   Pois o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com seu comportamento. Em verdade vos digo, que alguns dos aqui estão não provarão a morte até que vejam o filho do homem vindo em seu reino.

(Marc. 8:34-38 e 9:1)

Chamando a multidão, juntamente com seus discípulos disse-lhes: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua visa a perdera; mas o  que perder sua vida por causa de mim e do Evangelho a salvara com efeito que aproveita o homem ganhar o mundo inteiro e arruinar sua própria vida? De fato, aquele que, nesta geração adúltera e pecadora se envergonhar de mim e de minhas palavras, também o filho do homem se envergonhara dele, quando vier na gloria de seu Pai com os santos anjos.

E dizia ainda:! Em verdade vos digo que estão aqui presentes, alguns que não provarão a morte até que vejam o Reino de Deus, chegando com poder.”.

 

Luc. 9:23-27

23. Dizia, ele, a todos: "Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua vida, a perderá; mas o que perder sua vida por causa de mim, a salvar com efeito o que aproveito ao homem ganhar o mundo inteiro, se se perder ou arruinar a si mesmo? Pois quem se envergonhar de mim ou de minhas palavras, o filho do homem dele se envergonharia quando vier na sua gloria e na do Pai e dos santos anjos. eu vos digo verdadeiramente, que  alguns dos que  aqui estão  não provarão a morte antes de terem visto o Reino de Deus.

Depois do episódio narrado no último capítulo, novamente Jesus apresenta uma lição seria, embora bem mais curta que as do Evangelho de João. Segundo Mateus, a conversa foi mantida com seus discípulos. Marcos, entretanto, revela que Jesus "chamou a multidão" para ouvi-la, como que salientando que a aula era "para todos"; palavras, aliás, textuais em Lucas.

Achava-se a comitiva no território não-israelita ("pagão") de Cesária de Filipe, e certamente os moradores locais haviam observado aqueles homens e mulheres que perambulavam em grupo homogêneo. Natural que ficassem curiosos, a "espiar" por perto. A esses, Jesus convida que se aproximem para ouvir os ensinamentos e as exigências impostas a todos os que ambicionavam o DISCIPULATO, o grau mais elevado dos três citados pelo Mestre: justos (bons), profetas (médiuns) e discípulos. As exigências são apenas três, bem distintas entre si, e citadas em sequência gradativa da menor maior. Observamos que nenhuma delas se prende a saber, nem a dizer, nem a crer, nem a fazer, mas todas se baseiam em SER. O que vale é a evolução interna, sem necessidade de exteriorizais, nem de confissões, nem de ritos. No entanto, é bem frisada a vontade livre: "se alguém quiser"; ninguém É obrigado; a espontaneidade deve ser absoluta, sem qualquer coação física nem moral. Vamos analisar: Vimos, o Mestre ordenar a Pedro que "se colocasse atrás Dele". Agora esclarece: "se alguém QUER ser SEU discípulo, siga atrás Dele". E se tem vontade firme e inabalável, se o QUER, realize estas três condições:

1.     “ - negue-se a si mesmo (Lc. arnésasthô; Mat. e Mr. aparnésasthô eautón).

2.     “ - tome (carregue) sua cruz (Lc. "cada dia": arátô tòn stáurou autoú kath'hêméran);

3.     “ - e siga-me (akoloutheítô moi).

Se excetuarmos a negação de si mesmo, já ouvíramos essas palavras em Mat. 10:38. O verbo "negar-se" ou "renunciar-se" (aparnéomai) é empregado por Isaías (31:7-“porque naqueles dias todos porão fora seus ídolos de prata e seus ídolos de ouro que vossas mãos pecaminosas fizeram para vós”)) para descrever o gesto dos israelitas infiéis que, esclarecidos pela derrota dos assírios, rejeitaram ou negaram ou renunciaram a seus dolos. E essa É a atitude pedida pelo Mestre aos que QUEREM ser seus discípulos: rejeitar o ídolo de carne que É o próprio corpo físico, com sua sequela de sensações, emoções e intelectualismo, o que tudo constitui a personagem transitória a pervagar alguns segundos na crosta do planeta. Quanto ao "carregar a própria cruz", já vimos, o que significava. E os habitantes da Palestina deviam estar habituados a assistir cena degradante que se vinha repetindo desde o domínio romano, com muita frequência. Para nos reportarmos a Flávio Josefo, ele cita-nos quatro casos em que as crucificações foram em massa: Varus que fez crucificar 2.000 judeus, por ocasião da morte, em 4 A.C., de Herodes o Grande (Ant. Jud. 17.10-4-10); Quadratus, que mandou crucificar todos os judeus que se haviam rebelado (48-52 A.D.) e que tinham sido aprisionados por Cumarus (Bell. Jud. 2. 12.6); em 66 A.D. até personagens ilustres foram crucificadas por Gessius Florus (Bell. Jud. 2.14.9); e Tito que, no assédio de Jerusalém, fez crucificar todos os prisioneiros, tantos que não havia mais nem madeira para as cruzes, nem lugar para plantá-las (Bell. Jud. 5.11.1). Pois se calcula quantos milhares de crucificações foram feitas antes; e o espetáculo do condenado que carregava as costas o instrumento do próprio suplício era corriqueiro. Não se tratava, portanto, de uma comparação vazia de sentido, embora constituindo uma metáfora. E que o era, Lucas encarrega-se de esclarecê-lo, ao acrescentar "carregue cada dia a própria cruz". Vemos a exigência da estrada de sacrifícios heroicamente suportados na luta do dia-a-dia, contra os próprios pendores ruins e vícios. A terceira condição, "segui-Lo", revela-nos a chave final ao discipulado de tal Mestre, que não alicia discípulos prometendo-lhes facilidades nem privilégios: ao contrário. Não basta estudar-lhe a doutrina, aprofundar-Lhe a teologia, decorra-lhe as palavras, pregar-Lhe os ensinamentos: É mister SEGUI-LO, acompanhando-O passo a passo, colocando os pés nas pegadas sangrentas que o Rabi foi deixando ao caminhar pelas Ásperas veredas de sua peregrinação terrena. Ele é nosso exemplo e também nosso modelo vivo, para ser seguido até o topo do calvário. Aqui chegamos a compreender a significação plena da frase dirigida a Pedro: “ainda és meu adversário (porque caminhas na direção oposta a mim, e tentas impedir-me a senda dolorosa e sacrificial): vai para trás de mim e segue-me; se queres ser meu discípulo, terás que renunciar a ti mesmo (não mais pensando nas coisas humanas); que carregar também tua cruz sem que me percas de vista na dura, laboriosa e dorida ascensão ao Reino". Mas isto, "se o QUERES" ... Valerá a pena trilhar esse Áspero caminho cheio de pedras e espinheiros? O versículo seguinte (repetição, com pequena variante de Mat. 10:39 –“aquele que acha a sua vida, a perdera, mas quem perde sua vida por causa de mim, a achará”) responde a essa pergunta. As palavras dessa lição são praticamente idênticas nos três sinópticos, demonstrando a impressão que devem ter causado nos discípulos. Sim, porque quem quiser preservar sua alma (hs eán thélei tên psychên autòn sõsai) a perderá (apolêsei autên). Ainda aqui encontramos o verbo sôzô, cuja tradução "salvar" dá margem a tanta ambiguidade atualmente. Neste passo, a palavra portuguesa "preservar" (conservar, resguardar) corresponde melhor ao sentido do contexto. O verbo apolesô "perder", só poderia ser dado também com a sinonímia de "arruinar" ou "degradar" (no sentido etimológico de "diminuir o grau"). E o inverso é salientado: "mas quem a perder "hós d'án apolésêi tên psychên autoú), por minha causa (héneken emoú) - e Marcos acrescenta "e da Boa Nova" (kaì toú euaggelíou) - esse a preservará (sósei autén, em Marcos e Lucas) ou a achará (heurêsei autén, em Mateus). A seguir pergunta, como que explicando a antinomia verbal anterior: "que utilidade terá o homem se lucrar todo o mundo físico (kósmos), mas perder - isto É, não evoluir - sua alma? E qual o tesouro da Terra que poderia ser oferecido em troca (antállagma) da evolução espiritual da criatura? Não há dinheiro nem ouro que consiga fazer um mestre, riem que possa dar-se em troca de uma iniciação real. Bens espirituais não podem ser comprados nem trocados por quantias materiais. A matemática possui o axioma válido também aqui: quantidades heterogêneas não podem somar-se. O versículo seguinte apresenta variantes. MATEUS traz a afirmação de que o Filho do Homem vira com a glória de seu Pai, em companhia de Seus Mensageiros (anjos), para retribuir a cada um segundo seus atos. Traduzimos aqui dóxa por "glória", porque É o melhor sentido dentro do contexto. E entendemos essa glória como sinônimo perfeito da "sintonia vibratória" ou a frequência da túnica do Pai (Verbo, Som). A atribuição a cada um segundo seus atos" (tên práxin autoú) ou talvez, bem melhor, de acordo com seu comportamento, com a "prática" da vida diária. Não são realmente os atos, sobretudo isolados (mesmo os heroicos) que atestarão a Evolução de uma criatura, mas seu comportamento constante e diuturno. MARCOS diz que se alguém, desta geração "adúltera", isto É, que se tornou "infiel" a Deus, traindo-O por amar mais a matéria que o espírito, e "errada" na compreensão das grandes verdades, "se envergonhar" (ou seja "desafinar", não-sintonizar), também o Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier com a glória do Pai, em companhia de Seus mensageiros (anjos). LUCAS repete as palavras de Marcos (menos a referência Boa Nova), salientando, porém, que o Filho do Homem vira com sua própria glória, com a glória do Pai, e com a glória dos santos mensageiros (anjos). E finalmente o último versículo, em que s Mateus difere dos outros dois, os quais, no entanto, nos parecem mais conformes s palavras originais. Afirma o Mestre "alguns dos aqui presentes" (eisin tines tõn hõde hestótõn), os quais não experimentarão (literalmente: "não saborearão, ou mê geúsôntai) a morte, até que vejam o reino de Deus chegar com poder. Mateus em vez de "o reino de Deus", diz "o Filho do Homem", o que deu margem expectativa da Parusia, ainda para os indivíduos daquela geração. Entretanto, não se trata aqui, de modo algum, de uma Parusia escatológica (Paulo avisa aos tessalonicenses que não o aguardem "como se já estivesse perto”; mas da descoberta e conquista do "reino de Deus DENTRO de cada um" (cfr. Luc. 17:21), prometido para alguns "dos ali presentes" para essa mesma encarnação. A má interpretação provocou confusões. Os gnósticos (como Teodósio), João Crisóstomo, Teofilacto e outros - e modernamente o cardeal Billot, S.J. (cfr. "La Parousie", pág. 187), interpretam a "vinda na glória do Filho do Homem" como um prenúncio da Transfiguração; Cajetan diz ser a Ressurreição;

Godet acha que foi Pentecostes; todavia, os próprios discípulos de Jesus, contemporâneos dos fatos, não interpretaram assim, já que após a tudo terem assistido, inclusive ao Pentecostes, continuaram esperando, para aqueles próximos anos, essa vinda espetacular. Outros recuaram mais um pouco no tempo, e viram essa "vinda gloriosa" na destruição de Jerusalém, como "vingança" do Filho do Homem; isso, porém, desdiz o perdão que Ele mesmo pedira ao Pai pela ignorância de Seus algozes (D. Calmet, Knabenbauer, Schanz, Fillion, Prat, Huby, Lagrange); e outros a interpretaram como sendo a difusão do cristianismo entre os pagãos (Gregório Magno, Beda, JansÊnio, Lamy). Penetremos mais a fundo o sentido.

Na vida literária e artística, em geral, distinguimos nitidamente o "aluno" do "discípulo". Aluno é quem aprende com um professor; discípulo é quem segue a trilha antes perlustrada por um mestre. Só denominamos "discípulo" aquele que reproduz em suas obras a técnica, a "escola", o estilo, a interpretação, a vivência do mestre. Aristóteles foi aluno de Platão, mas não seu discípulo. Mas Platão, além de ter sido aluno de Sócrates, foi também seu discípulo. Essa distinção já era feita por Jesus há vinte séculos; ser Seu discípulo é segui-Lo, e não apenas "aprender" Suas lições. Aqui podemos desdobrar os requisitos em quatro, para melhor explicação. Primeiro: é necessário QUERER. Sem que o livre-arbítrio espontaneamente escolha e decida, não pode haver discipulado.

Daí a importância que assume, no progresso espiritual, o aprendizado e o estudo, que não podem limitar-se a ouvir rápidas palavras, mas precisam ser sérios, contínuos e profundos. Pois, na realidade, embora seja a intuição que ilumina o intelecto, se este não estiver preparado por meio do conhecimento e da compreensão, não poderá esclarecer à vontade, para que esta escolha e resolva para o ou contra. O segundo é NEGAR-SE a si mesmo. Hoje, com a distinção que conhecemos entre o Espírito (individualidade) e a personagem terrena transitória (personalidade), a frase mais compreensível será: "negar a personagem", ou seja, renunciar aos desejos terrenos, conforme ensinou Sidarta Gautama, o Buda. Cientificamente poderíamos dizer: superar ou abafar a consciência atual, para deixar que prevaleça a supraconsciência. Essa linguagem, entretanto, seria incompreensível àquela época. Todavia, as palavras proferidas pelo Mestre são de meridiana clareza: "renunciar a si mesmo". Observando-se que, pelo atraso da humanidade, se acredita que o verdadeiro eu é a personagem, e que a consciência atual é a única, negar essa personagem e essa consciência exprime, no fundo, negar-se "a si mesmo". Diz, portanto, o Mestre: "esse eu, que vocês julgam ser o verdadeiro eu, precisa ser negado". Nada mais esclarece, já que não teria sido entendido pela humanidade de então. No entanto, aqueles que seguissem fielmente sua lição, negando seu eu pequeno e transitório, descobririam, por si mesmos, automaticamente, em pouco tempo, o outro Eu, o verdadeiro, coisa que de fato ocorreu com muitos cristãos. Talvez no início possa parecer, ao experimentado: desavisado, que esse Eu verdadeiro seja algo "externo". Mas quando, por meio da evolução, for atingido o "Encontro Místico", e o Cristo Interno assumir a supremacia e o comando, ele verificará que esse Divino Amigo não é um TU desconhecido, mas antes constitui o EU REAL. Além disso, o Mestre não se satisfez com a explanação teórica verbal: exemplificou, negando o eu personalistico de "Jesus", até deixá-lo ser perseguido, preso, caluniado, torturado e assassinado.

Que lhe importava o eu pequeno? O Cristo era o verdadeiro Eu Profundo de Jesus (como de todos nós) e o Cristo, com a renúncia e negação do eu de Jesus, pode expandir-se e assumir totalmente o comando da personagem humana de Jesus, sendo, às vezes, difícil distinguir quando falava e agia "Jesus" e quando agia e falava "o Cristo". Por isso em vez de Jesus, temos nele O CRISTO, e a história o reconhece como "Jesus", O CRISTO", considerando-o como homem (Jesus) e Deus (Cristo). Essa anulação do eu pequeno fez que a própria personagem fosse glorificada pela humildade, e o nome humano negado totalmente se elevasse acima de tudo, de tal forma que "ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na Terra e debaixo da terra" (Filip. 2:10).

Tudo isso provocou intermináveis discussões durante séculos, por parte dos que não conseguiram penetrar a realidade dos acontecimentos, caracterizados, então, de "mistério": são duas naturezas ou uma? Como se realizou a união hipostática? Teria a Divindade absorvido a humanidade? Por que será que uma coisa tão clara terá ficado incompreendida por tantos luminares que trataram deste assunto? O Eu Profundo de todas as criaturas é o Deus Interno, que se manifestará em cada um exatamente na proporção em que este renunciar ao eu pequeno (personagem), para deixar campo livre à expressão do Cristo Interno Divino. Todos somos deuses (cfr. Salmo 81:6 e João, 10:34) se negarmos totalmente nosso eu pequeno (personagem humana), deixando livre expansão à manifestação do Cristo que em todos habita. Isso fez Jesus. Se a negação for absoluta e completa, poderemos dizer com Paulo que, nessa criatura, "habita a plenitude da Divindade" (Col. 2:9). E a todos os que o fizerem, ser-lhes-á exaltado o nome acima de toda criação" (cfr. Filip. 2:5-11). Quando isto tiver sido conseguido, a criatura "tomará sua cruz cada dia" (cada vez que ela se apresentar) e a sustentará galhardamente - quase diríamos triunfalmente - pois não mais será ela fonte de abatimentos e desânimos, mas constituirá o sofrimento-por-amor, a dor-alegria, já que é a "porta estreita" (Mat. 7:14) que conduzirá à felicidade total e infindável (cfr. Pietro Ubaldi, "Grande Síntese, cap. 81). No entanto, dado o estágio atual da humanidade, a cruz que temos que carregar ainda é uma preparação para o "negar-se". São as dores físicas, as incompreensões morais, as torturas do resgate de carmas negativos mais ou menos pesados, em vista do emaranhado de situações aflitivas, das "montanhas" de dificuldades que se erguem, atravancando nossos caminhos, do sem-número de moléstias e percalços, do cortejo de calúnias e martírios inomináveis e inenarráveis. Tudo terá que ser suportado - em qualquer plano - sem malsinar a sorte, sem desesperos, sem angústias, sem desfalecimentos nem revoltas, mas com aceitação plena e resignação ativa, e até com alegria no coração, com a mais sólida, viva e inabalável confiança no Cristo-que-é-nosso-Eu, no Deus Imanente, na Força-Universal-Inteligente e Boa, que nos vivifica e prepara, de dentro de nosso âmago mais profundo, a nossa ascensão real, até atingirmos TODOS, a "plena evolução cristica" (Ef. 4:13). A quarta condição do discipulado é também clara, não permitindo ambiguidade: SEGUI-LO. Observe-se a palavra escolhida com precisão. Poderia ter sido dito “imitá-Lo". Seria muito mais fraco. A imitação pode ser apenas parcial ou, pior ainda, ser simples macaqueação externa (usar cabelos compridos, barbas respeitáveis, vestes talares, gestos estudados), sem nenhuma ressonância interna. Não. Não é imitá-Lo apenas, é SEGUI-LO. Segui-Lo passo a passo pela estrada evolutiva até atingir a meta final, o ápice, tal como Ele o FEZ: sem recuos, sem paradas, sem demoras pelo caminho, sem descanso, sem distrações, sem concessões, mas marchando direto ao alvo. SEGUI-LO no AMOR, na DEDICAÇÃO, no SERVIÇO, no AUTO-SACRIFÍCIO, na HUMILDADE, na RENÚNCIA, para que de nós se possa afirmar como dele foi feito: "fez bem todas as coisas" (Marc.  –“pois que daria o homem em troca de sua vida?”) E: "passou pela Terra fazendo o bem e curando" (At. 10:38). Como Mestre de boa didática, não apresenta exigências sem dar as razões. Os versículos seguintes satisfazem a essa condição. Aqui, como sempre, são empregados os termos filosóficos com absoluta precisão vocabular (elegantia), não deixando margem a qualquer dúvida. A palavra usada é psychê, e não pneuma; é alma e não "espírito" (em adendo a este capítulo daremos a "constituição do homem" segundo o Novo Testamento). A alma (psychê) é a personagem humana em seu conjunto de intelecto-emoções, excluído o corpo denso e as sensações do duplo eterico. Daí a definição da resposta 134 do "Livro dos Espíritos": "alma é o espírito encarnado", isto é, a personagem humana que habita no corpo denso. Aí está, pois, a chave para a interpretação do "negue-se a si mesmo": esse eu, a alma, é a personagem que precisa ser negada, porque, quem não quiser fazê-lo, quem pretender preservar esse eu, essa alma, vai acabar perdendo-a, já que, ao desencarnar, estará com "as mãos vazias". Mas aquele que Por causa do Cristo Interno - renunciar e perder essa personagem transitória, esse a encontrará melhorada (Mateus), esse a preservará da ruína (Marcos e Lucas). E prossegue: que adiantará acumular todas as riquezas materiais do mundo, se a personalidade vai cair no vazio? Nada de material pode ser-lhe comparado. No entanto, se for negada, será exaltada sobre todas as coisas (cfr. O texto acima citado, Filip. 2:5-11-“quando estávamos mortos, em nossos delitos, nos vivificou juntamente com isto -  pela graça foste salvos! E com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus em Cristo Jesus. Pela graça sois salvos por meio da fé e isso não vem de vós é o dom de Deus; não vem das obras para que ninguém se encha de orgulho. Pois somos criaturas dele criados em Cristo jesus para as boas obras que Deus já antes preparara para  nelas andássemos).

Toda e qualquer evolução do Espírito é feita exclusivamente durante seu mergulho na carne (veja atrás). Só através das personagens humanas haverá ascensão espiritual, por meio do "ajustamento sintônico". Então, necessidade absoluta de consegui-lo, não "se envergonhando", isto é, não desafinando da tônica do Pai (Som) que tudo cria, governa e mantém. Enfrentar o mundo sem receio, sem "respeitos humanos", e saber recusá-lo também, para poder obter o Encontro Místico com o Cristo Interno. Se a criatura "se envergonha" e se retrai, (não sintoniza) não é possível conseguir o Contato Divino, e o Filho do Homem também a evitará ("se envergonhará" dessa criatura). Só poderá haver a "descida da graça" ou a unificação com o Cristo, "na glória (tônica) do Pai (Som-Verbo), na glória (tônica) do próprio Cristo (Eu Interno), na glória de todos os santos mensageiros", se houver a coragem inquebrantável de romper com tudo o que é material e terreno, apagando as sensações, liquidando as emoções, calando o intelecto, suplantando o próprio "espírito" encarnado, isto é, PERDENDO SUA ALMA: só então “a achará”, unificada que estará com o Cristo, Nele mergulhada (batismo), “como a gota no oceano" (Bahá'u'lláh). Realmente, a gota se perde no oceano, mas, inegavelmente, ao deixar de ser gota microscópica, ela se infinitiva e se eterniza tornando-se oceano ... Em Mateus é-nos dado outro aviso: ao entrar em contato com a criatura, esta “receberá de acordo com seu comportamento" (pláxin). De modo geral lemos nas traduções correntes “de acordo com suas obras". Mas isso daria muito fortemente a ideia de que o importante seria o que o homem FAZ, quando, na realidade, o que importa é o que o homem é: e a palavra comportamento exprime-o melhor que obras; ora, a palavra do original práxis tem um e outro sentido. Evidentemente, cada ser só poderá receber de acordo com sua capacidade, embora todos devam ser cheios, replenos, com “medida sacudida e recalcada” (cfr. Lc. 5:38). Mas há diferença de capacidade entre o cálice, o copo, a garrafa, o litro, o barril, o tonel ... De acordo com a própria capacidade, com o nível evolutivo, com o comportamento de cada um, ser-lhe-á dado em abundância, além de toda medida. Figuremos uma corrente imensa, que jorra permanentemente luz e força, energia e calor. O convite nos é feito para aproximar-nos e recolher quanto quisermos. Acontece, porém, que cada um só recolherá conforme o tamanho do vasilhame que levar consigo. Assim o Cristo Imanente e o Verbo Criador e Conservador SE DERRAMAM infinitamente. Mas nós, criaturas finitas, só recolheremos segundo nosso comportamento, segundo a medida de nossa capacidade. Não há fórmulas mágicas, não há segredos iniciáticos, não peregrinações nem bênçãos de "mestres", não há sacramentos nem sacramentais, que adiantem neste terreno. Poderão, quando muito, servir como incentivo, como animação a progredir, mas por si, nada resolvem, já que não agem ex pere operantis nem ex opere operatus, mas sim ex opere recipientis: a quantidade de recebimento estará de acordo com a capacidade de quem recebe, não com a grandeza de quem dá, nem com o ato de doação. E pode obter-se o cálculo de capacidade de cada um, isto é, o degrau evolutivo em que se encontra no discipulado de Cristo, segundo as várias estimativas das condições exigidas: a) pela profundidade e sinceridade na renúncia ao eu personalistico, quando tudo é feito sem cogitar de firmar o próprio nome, sem atribuir qualquer êxito ao próprio merecimento (não com palavras, mas interiormente), colaborando com todos os "concorrentes", que estejam em idêntica senda evolutiva, embora nos contrariem as ideias pessoais, mas desde que sigam os ensinos de Cristo;

b) pela resignação sem queixas, numa aceitação ativa, de todas as cruzes, que exprimam atos e palavras contra nós, maledicências e calúnias, sem respostas nem defesas, nem claras nem veladas (já nem queremos acenar à contra-ataques e vinganças). c) pelo acompanhar silencioso dos passos espirituais no caminho do auto sacrifício por amor aos outros, pela dedicação integral e sem condições; no caminho da humildade real, sem convencimentos nem exterioridades; no caminho do serviço, sem exigências nem distinções; no caminho do amor, sem preferências nem limitações. O grau dessas qualidades, todas juntas, dará uma ideia do grau evolutivo da criatura. Assim entendemos essas condições: ou tudo, à perfeição; ou pouco a pouco, conquistando uma de cada vez. Mas parado, ninguém ficará. Se não quiser ir espontaneamente, a dor o aguilhoará, empurrando-o para a frente de qualquer forma. No entanto, uma promessa relativa à possibilidade desse caminho é feita claramente: "alguns dos que aqui estão presentes não experimentarão a morte até conseguirem isso". A promessa tanto vale para aquelas personagens de lá, naquela vida física, quanto para os Espíritos ali presentes, garantindo-se lhes que não sofreriam queda espiritual (morte), mas que ascenderiam em linha reta, até atingir a meta final: o Encontro Sublime, na União mística absoluta e total. Interessante a anotação de Marcos quando acrescenta: O "reino de Deus chegado em poder". Durante séculos se pensou no poder externo, a espetacularidade. Mas a palavra "en dynÁmei" expressa muito mais a força interna, o "dinamismo" do Espírito, a potencialidade cristica a dinamizar a criatura em todos os planos.

FONTE:

Estudo do evangelho

Carlos T Pastorino

Bíblia de Jerusalém

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