AUSCULTANDO
MARCIANOS E VENUSIANOS
–
Que é que os Telúricos celebram no fim do ano? – Perguntou um Marciano a um
visitante de Vênus.
–
Você quer dizer, no dia 25 de dezembro?
–
Isto mesmo.
–
Acho que os Telúricos celebram o aniversário de um velhote da cara rubicunda,
de barbas brancas. Tem cara de palhaço pateta, mas traz muitos presentes à
gente.
–
Como se chama esse velhote?
–
Pelo que consegui captar no meu receptor, chama-se Papai Noel; em algumas
partes da Terra, lhe chamam Santa Claus. Mas parece que é um só.
–
Esse Papai Noel ou Santa Claus deve ter sido um grande benfeitor dos habitantes
do planeta Terra, para ter tantos adoradores. Você sabe algo da vida dele?
–
Nada! Nunca cheguei a saber quando viveu nem o que fez, para ser tão lembrado.
Neste
momento apareceu um pequeno Mercuriano, rubro como um salamandra ígneo e
exclamou, deitando chispas e chamas:
–
Vocês estão muito enganados! Os Telúricos, no dia 25 de dezembro, não relembram
nenhum Papai Noel nem Santa Claus; eu só ouço referências a uma tal Cesta, uma
Cesta de Natal;
–
Mas o que fez por eles esta Cesta de Natal? – Perguntaram os dois a uma voz.
–
O que fez, não sei. Sei que os Telúricos são uns grandes comilões e beberrões,
e quase todos eles só vivem comendo e bebendo, e a Cesta de Natal está cheia de
coisas boas. Vivem comendo e bebendo – e depois morrem – acabou-se.
Enquanto
os três assim conversavam entre si, estava eu, o Telúrico, escondido atrás de
um rochedo, sem ser percebido por eles. De repente, saí do meu esconderijo e
exclamei: Nada disto! Os Telúricos não comemoram nada disto na noite de Natal.
–
Mas – disse o Marciano – o que aqui se ouve é só isto. Que é, afinal de contas,
o que vocês comemoram nessa data?
De
tão envergonhado me sentia eu o único telúrico presente, que não pude falar.
Sentia-me humilhado em face das ideias que os nossos vizinhos planetários
tinham de nós, os planetários terrestres. Finalmente, cobrei ânimo e tentei
falar do verdadeiro objetivo da nossa festa de Natal; mas foi difícil convencer
Marcianos, Venusianos e Mercurianos de que nós os Telúricos, no dia 25 de
dezembro, celebrávamos o aniversário do nascimento do maior homem do nosso
planeta. Falei-lhes dos vaticínios dos profetas, dois mil anos antes da nossa
era; falei-lhes do nascimento desse homem num estábulo, da sua vida misteriosa
em Nazaré, da sua doutrina e dos seus grandes feitos; da sua morte e
ressurreição. Mas nenhum dos meus ouvintes parecia dar fé às minhas palavras. O
Mercuriano disse que, alguns séculos atrás os habitantes da Terra haviam falado
nesse homem, mas que hoje em dia ninguém mais o conhecia.
Lembrei
o nome desse homem, que se chamava Jesus, o Cristo, mas o Marciano interveio
perguntando:
–
Se vocês celebram Jesus, o Cristo porque não o dizem quando mandam mensagens
eletrônicas ao espaço?
Eu
não sabia o que responder a esta pergunta, quando o venusiano exclamou:
–
Espere um momento! Lembro-me de ter captado anos atrás uma mensagem sobre o tal
Jesus: um cântico vinha da Terra e dizia assim “Noite Feliz”, uma canção muito
bonita, que falava de Jesus. Infelizmente, de repente interrompeu a linda
canção religiosa, e uma voz rouca berrou no meio “compra sabão marca X”, depois
continuou o cântico “ó Jesus Deus da luz, quão amável é teu coração”. E quando
eu estava me deliciando em espírito, outra voz rouquenha berrou “o melhor
calçado do mundo é a marca Y” e deu o nome do tal calçado insuperável. Irritado
com essa falta de educação quis desligar o meu aparelho de rádio, quando uma
voz de menina vinda da Terra cantou uma linda canção em homenagem à mãe de
Jesus, que começava assim “Ave Maria gratia plena” – mas de repente, quando eu
me estava deliciando com essa maravilha espiritual levei uma pancada nos ouvidos
porque alguém gritou lá da Terra “beba a melhor cachaça da Terra” e deu o nome
da droga. Dessa vez perdi a paciência, desliguei o aparelho e fui dormir.
Assim
conversavam o Venusiano, que me olhava com uns olhos cheios de amor e de dor,
de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Parece que gostava de mim, por seu eu
habitante da Terra, e ao mesmo tempo tinha pena de mim, por pertencer a uma
raça tão atrasada, incapaz de saborear as coisas boas e belas que havia entre
nós.
Mais
tarde, a sós, conversei longamente com o Venusiano, que se me revelou um ser de
elevados sentimentos espirituais; invejava a Terra por uma razão: porque nela
se havia revelado visivelmente a maior Entidade do cosmos. Chegou a dizer-me,
que, visto lá de Vênus, o nosso planeta era o mais belo de todos, envolto numa
atmosfera azulada, que parecia protegê-la num como alo de suave
espiritualidade. O Venusiano lamentava que nós, os Telúricos, num ambiente tão
maravilhoso, fôssemos uma raça tão atrasada.
–
O grosso da humanidade – acrescentei – é verdade, degenerou em materialismo
repugnante, incapaz de saborear as delícias de uma vida superior; mas sempre
existiram entre nós alguns seres humanos de elevada experiência. Passei a
falar-lhe de alguns Telúricos que haviam antecipado, por milhares de anos, e
compreendido a alma da mensagem do Cristo.
O
Venusiano manifestou desejo de se encontrar com algum desses seres terrestres
mais avançados.
Fiz-lhe
ver que podia captar mensagens espirituais sem intermédio de seres terrestres e
mesmo sem um aparelho de rádio. Bastava sintonizar devidamente a sua alma pela
onda exata, e captaria a mensagem desejada. O Venusiano mergulhou num profundo
silêncio, e, mesmo sem dizer nada, percebi, ou adivinhei que ele já tinha
alguma experiência dessa sintonização cósmica e sabia de coisas que não se
podem dizer nem pensar.
Deixei-o
mergulhado em meditação, e, despedir-me dele, disse-lhe: o planeta Vênus, que
nosso povo chama estrela D’Alva, visto da nossa Terra, tem um fulgor tão
intenso que até parece um pequeno sol.
O Venusiano não disse nada, mas
mandou-me uma mensagem silenciosa com os olhos que lembravam a luminosidade da
estrela.
(A conversa completa está
no livro “Entre dois mundos” de Huberto Rohden)
FONTE:
Huberto Rodhen
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