quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

ENTRE DOIS MUNDOS

 

AUSCULTANDO MARCIANOS E VENUSIANOS

– Que é que os Telúricos celebram no fim do ano? – Perguntou um Marciano a um visitante de Vênus.

– Você quer dizer, no dia 25 de dezembro?

– Isto mesmo.

– Acho que os Telúricos celebram o aniversário de um velhote da cara rubicunda, de barbas brancas. Tem cara de palhaço pateta, mas traz muitos presentes à gente.

– Como se chama esse velhote?

– Pelo que consegui captar no meu receptor, chama-se Papai Noel; em algumas partes da Terra, lhe chamam Santa Claus. Mas parece que é um só.

– Esse Papai Noel ou Santa Claus deve ter sido um grande benfeitor dos habitantes do planeta Terra, para ter tantos adoradores. Você sabe algo da vida dele?

– Nada! Nunca cheguei a saber quando viveu nem o que fez, para ser tão lembrado.

Neste momento apareceu um pequeno Mercuriano, rubro como um salamandra ígneo e exclamou, deitando chispas e chamas:

– Vocês estão muito enganados! Os Telúricos, no dia 25 de dezembro, não relembram nenhum Papai Noel nem Santa Claus; eu só ouço referências a uma tal Cesta, uma Cesta de Natal;

– Mas o que fez por eles esta Cesta de Natal? – Perguntaram os dois a uma voz.

– O que fez, não sei. Sei que os Telúricos são uns grandes comilões e beberrões, e quase todos eles só vivem comendo e bebendo, e a Cesta de Natal está cheia de coisas boas. Vivem comendo e bebendo – e depois morrem – acabou-se.

Enquanto os três assim conversavam entre si, estava eu, o Telúrico, escondido atrás de um rochedo, sem ser percebido por eles. De repente, saí do meu esconderijo e exclamei: Nada disto! Os Telúricos não comemoram nada disto na noite de Natal.

– Mas – disse o Marciano – o que aqui se ouve é só isto. Que é, afinal de contas, o que vocês comemoram nessa data?

De tão envergonhado me sentia eu o único telúrico presente, que não pude falar. Sentia-me humilhado em face das ideias que os nossos vizinhos planetários tinham de nós, os planetários terrestres. Finalmente, cobrei ânimo e tentei falar do verdadeiro objetivo da nossa festa de Natal; mas foi difícil convencer Marcianos, Venusianos e Mercurianos de que nós os Telúricos, no dia 25 de dezembro, celebrávamos o aniversário do nascimento do maior homem do nosso planeta. Falei-lhes dos vaticínios dos profetas, dois mil anos antes da nossa era; falei-lhes do nascimento desse homem num estábulo, da sua vida misteriosa em Nazaré, da sua doutrina e dos seus grandes feitos; da sua morte e ressurreição. Mas nenhum dos meus ouvintes parecia dar fé às minhas palavras. O Mercuriano disse que, alguns séculos atrás os habitantes da Terra haviam falado nesse homem, mas que hoje em dia ninguém mais o conhecia.

Lembrei o nome desse homem, que se chamava Jesus, o Cristo, mas o Marciano interveio perguntando:

– Se vocês celebram Jesus, o Cristo porque não o dizem quando mandam mensagens eletrônicas ao espaço?

Eu não sabia o que responder a esta pergunta, quando o venusiano exclamou:

– Espere um momento! Lembro-me de ter captado anos atrás uma mensagem sobre o tal Jesus: um cântico vinha da Terra e dizia assim “Noite Feliz”, uma canção muito bonita, que falava de Jesus. Infelizmente, de repente interrompeu a linda canção religiosa, e uma voz rouca berrou no meio “compra sabão marca X”, depois continuou o cântico “ó Jesus Deus da luz, quão amável é teu coração”. E quando eu estava me deliciando em espírito, outra voz rouquenha berrou “o melhor calçado do mundo é a marca Y” e deu o nome do tal calçado insuperável. Irritado com essa falta de educação quis desligar o meu aparelho de rádio, quando uma voz de menina vinda da Terra cantou uma linda canção em homenagem à mãe de Jesus, que começava assim “Ave Maria gratia plena” – mas de repente, quando eu me estava deliciando com essa maravilha espiritual levei uma pancada nos ouvidos porque alguém gritou lá da Terra “beba a melhor cachaça da Terra” e deu o nome da droga. Dessa vez perdi a paciência, desliguei o aparelho e fui dormir.

Assim conversavam o Venusiano, que me olhava com uns olhos cheios de amor e de dor, de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Parece que gostava de mim, por seu eu habitante da Terra, e ao mesmo tempo tinha pena de mim, por pertencer a uma raça tão atrasada, incapaz de saborear as coisas boas e belas que havia entre nós.

Mais tarde, a sós, conversei longamente com o Venusiano, que se me revelou um ser de elevados sentimentos espirituais; invejava a Terra por uma razão: porque nela se havia revelado visivelmente a maior Entidade do cosmos. Chegou a dizer-me, que, visto lá de Vênus, o nosso planeta era o mais belo de todos, envolto numa atmosfera azulada, que parecia protegê-la num como alo de suave espiritualidade. O Venusiano lamentava que nós, os Telúricos, num ambiente tão maravilhoso, fôssemos uma raça tão atrasada.

– O grosso da humanidade – acrescentei – é verdade, degenerou em materialismo repugnante, incapaz de saborear as delícias de uma vida superior; mas sempre existiram entre nós alguns seres humanos de elevada experiência. Passei a falar-lhe de alguns Telúricos que haviam antecipado, por milhares de anos, e compreendido a alma da mensagem do Cristo.

O Venusiano manifestou desejo de se encontrar com algum desses seres terrestres mais avançados.

Fiz-lhe ver que podia captar mensagens espirituais sem intermédio de seres terrestres e mesmo sem um aparelho de rádio. Bastava sintonizar devidamente a sua alma pela onda exata, e captaria a mensagem desejada. O Venusiano mergulhou num profundo silêncio, e, mesmo sem dizer nada, percebi, ou adivinhei que ele já tinha alguma experiência dessa sintonização cósmica e sabia de coisas que não se podem dizer nem pensar.

Deixei-o mergulhado em meditação, e, despedir-me dele, disse-lhe: o planeta Vênus, que nosso povo chama estrela D’Alva, visto da nossa Terra, tem um fulgor tão intenso que até parece um pequeno sol.

O Venusiano não disse nada, mas mandou-me uma mensagem silenciosa com os olhos que lembravam a luminosidade da estrela.

(A conversa completa está no livro “Entre dois mundos” de Huberto Rohden)

FONTE:

Huberto Rodhen

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