O INDECIFRÁVEL
PROBLEMA DA MORTE 
“Para
desassombrar a impenetrabilidade da morte, não há nada como a bondade. (Ruy
Barbosa, discurso pronunciado na Academia Brasileira de Letras, em 10 de
outubro de 1908.) ” 
Num enfoque
panorâmico apenas, diremos algo, tangenciando o problema da morte – tema da
mais alta magnitude, pelo que representa para todas as criaturas humanas.
Problema, aliás, que se constitui um tabu para muitos e um doloroso enigma para
outros; problema, para a maioria, sombrio e angustioso, diante do qual até
muitos espiritualistas não ousam olhar vis-à-vis, tal a educação manipuladora
do medo irracional, abrigado nos desvãos do subconsciente. 
Nós, os
espiritualistas – queremos nos referir a todos os que adotam uma religião ou,
simplesmente, intitulados como livres-pensadores, aceitam a sobrevivência do
Espírito –, não podemos, às portas do Terceiro Milênio, em face das conquistas
do pensamento contemporâneo, alimentar vacilações quanto à continuidade da
vida, após nossa jornada pelos caminhos, por vezes, acidentados, da existência
terrena. 
Quem se diz cristão
espiritualista ou se rotula como tal, e vacila quanto à realidade da
sobrevivência do Espírito, é um incrédulo disfarçado com a roupagem cinzenta da
dúvida. Esta é uma forma sofrível de espiritualidade vazia, que não enxerga na
morte mais que um silêncio indecifrável, uma interrogação angustiante. 
A morte, para nós
espiritualistas de todos os matizes, cristãos ou não“ domiciliados na esfera
física”, deve significar uma lei que se cumpre; um marco, entre duas fases, na
eternidade de nossas vidas; uma simples mudança de estado; um eclipse
momentâneo; uma transição da vida física para a vida espiritual; um
indispensável episódio; o abandono necessário de um veículo em decadência – o
nosso corpo; veste por vezes imprestável, que cumpriu o seu papel, nos labores
evolutivo do nosso Espírito; fardo por demais pesado, sob os anos, para ser
carregado, e que não mais corresponde às exigências da vida física, que deve
ser devolvido ao laboratório da Natureza. Para a maioria dos homens, voltamos a
repetir, a morte continua a ser um pesadelo, uma indecifrável, enigmática e
sombria interrogação, que não ousam olhar com olhos de ver, quando a maior
parte das religiões literalistas da Crosta, que deveriam instruir seus adeptos,
ficam apenas na periferia do problema, sem quase nada a oferecer aos seus
profitentes. Todavia, ao invés de repelirmos a ideia da morte dos nossos
pensamentos, encaremo-la com tranquilidade, lembrando, com o grande vulto do
pensamento científico da França, Charles Robert Richet, que “a morte é a porta
da vida”, como escreveu em carta a Cairbar Schutel. Esforcemo-nos, sim, por desmistificá-la,
por desembaraçá-la dos preconceitos que a envolvem, da roupagem angustiosa com
que, em geral, é cercada por nossa incapacidade de entendê-la. O medo da morte,
a tanatofobia, gera verdadeira crise, verdadeiro tormento, chegando a tal
demasia, a tal desespero para certas pessoas, “que morrem do medo de morrer”.
São criaturas,
como afirmam nossos Benfeitores espirituais, que fazem da morte uma deusa
sinistra, vendo no fenômeno natural da renovação as mais negras cores,
transformando-o numa terrível noite de amarguroso e definitivo adeus. As
solenidades fúnebres, ritos ou cerimônias, engendrados por certos costumes ou
por cultos religiosos, concorrem para dar à morte esse aspecto lúgubre,
sombrio, chorado, sofrido, num verdadeiro culto a cadáveres, com esquecimento
do culto devido ao Espírito. É costume de mau gosto, que vem desde a nossa
infância, apresentar-nos a morte, ainda que com fundo alegórico para o bom
compreendedor, de forma esquelética, com a destra empunhando a foice
inclemente, fatídica, inexorável. E de tal modo, que essa ideia excêntrica e
esdrúxula provoca verdadeira afecção mental, desde a inexperiência de nossa
infância. Cria tal psicose, vendo nela um asqueroso vampiro, buscando vítimas a
imolar, sequiosa de lágrimas e desesperos; a todos ceifando sem hesitação e sem
clemência; vulto hirto e frio como um “cipreste, que, ainda, mesmo florido,
sombra da morte no ramal encerra”, no dizer de Castro Alves, poeta genial de
“Espumas Flutuantes”. É preciso despir a morte desse aspecto mórbido, nascido
de condicionamento milenar.
Sabemos que não é
fácil assistirmos impassíveis, quando o corpo de um ente querido baixa ao
silêncio, para muitos indecifrável, do sepulcro, deixando-nos mergulhados numa
saudade infinita, amargurada em lágrimas sofridas, como se nos amputasse,
dolorido, um pedaço de nossa alma. “Não permitamos, assim, que a saudade se
converta em motivo de angústia e opressão. ”
Não é
insensibilidade que as circunstâncias nos pedem, porém, uma compreensão
equilibrada, racional, ainda que banhada com pranto, certo que uma folha não se
move no Universo senão pela vontade de Deus, sempre para o nosso bem, como tudo
que nos vem do Criador; situação tão difícil de suportar e entender, em nossa
visão limitada da vida e da morte. Procuremos compreender, tanto quanto
possível, a sabedoria Divina, sem dimensioná-la, ou tentar dimensioná-la com a
bitola estreita da nossa visão limitadíssima das coisas e dos fatos, coerentes
com a posição de meros aprendizes, que todos nós somos, das lições de
imortalidade, que a escola da vida nos oferece, com vistas aos nossos esforços
evolutivos; certo que Deus não nos criou, simplesmente, para ali, mais adiante,
nos aniquilar, brincando com os nossos destinos. Deus não joga dados, como
afirmava Einstein. Para o materialista, que nada vê além da vida física; para o
agnóstico, que declara o absoluto, o espiritual inacessíveis ao espírito
humano; para o niilista, hóspede de profunda letargia espiritual – para todos
eles, aferrados à dimensão física, refocilados nas transitoriedades do mundo –,
a morte é o mergulho do ser no nada ou no mistério indecifrável, ainda que, no
íntimo, procurem disfarçar suas dúvidas, seus pesadelos irrevelados. 
O materialista,
principalmente, para efeito externo, para manifestação de fachada, se diz
suficientemente esclarecido e inteligente para não aceitar crendice, como essa
da sobrevivência do ser após a morte; colocando-se, assim, numa posição
impertinente, vendo-se dono intransigente e irreverente da sua pseudoverdade,
para si inquestionável; olhando de cima de um pedestal de soberba os que não
lhe comungam das ideias, gesto que, por vez, toca à arrogância, num “flagrante
delito de ignorância”.
Todavia, para
este ou para aquele, quer acreditem ou não acreditem na realidade da
sobrevivência do ser – todos nós, na linguagem popular, na sua maneira de dizer
e conceber –, chegado o momento decisivo, daremos de cara com nós mesmos. 
E, então,
transferidos todos, pela morte, aos pórticos impassíveis do território cósmico
da vida espiritual, que a nós todos espera, ali teremos, ante os olhos da alma,
a inarredável e irrecorrível realidade. E vê-se cumprida, assim, a sentença
inapelável, que nos diz que não há morte, senão para o corpo físico, certo que
a individualidade permanece eterna, incorruptível, perfectível pelos caminhos
inquestionáveis da sua destinação espiritual. Na vida espiritual é que, a cada
giro da Terra sobre si mesma, são despejadas multidões de criaturas; a grande
maioria totalmente despreparada para o culminante evento, que a todos espera,
porém, com perspectiva sombria para aqueles que acreditam apenas no império do
NADA depois desta vida: os piores cegos, a exemplo dos que dizem que mesmo que
vissem não acreditariam. A indispensável preparação, que devemos diligenciar,
enquanto por aqui nos encontrarmos, é tarefa de todos nós; o que não depende do
rótulo religioso, do rótulo filosófico, ou mesmo não depende de rótulo nenhum,
que daqui levarmos; depende, e muito, da compostura com que nos conduzirmos na
vida de relação; da observância de uma linha de conduta, não apenas para efeito
externo, porém da vivência de uma legítima dignidade moral, de uma nobreza de
sentimentos, de uma ética indiscutível, de uma solidariedade efetiva, que venha
espontânea de dentro dos nossos corações; certo que, na vida extrafísica,
perante a Consciência Cósmica do Bem Eterno, da Justiça Infinita,
responderemos, não apenas pelo mal que houvermos praticado, mas, também, pelo
bem que deixamos de fazer.
Este ensino serve
a todos os matizes religiosos e a todas as filosofias positivas de vida. Entre
a alma, que conhece a Doutrina, mas não lhe vive a sua substancialidade no
coração, e aquela que, desconhecendo-a, vive, porém, o Evangelho,
espontaneamente, em sua vida de relação, é flagrante o contraste, transpostos
os umbrais da eternidade. Enquanto esta desperta tranquila ao abrigo de paz
indefectível, a primeira vê entorpecida, quando não frustrada a ascensão de
quem “conhecendo a verdade, almejava a realização divina sem esforço humano, o
trigo da verdade sem participar da semeadura, a tranquilidade sem dar-se ao trabalho
das obras, a ciência sem a consciência, as facilidades sem as
responsabilidades”, diremos inspirados na beleza estilística da linguagem “
luizínia”. Independentes dos fatores apontados, que dificultam o momento de
regresso, e a vivência no plano espiritual, outros existem que o próprio homem
cria, como duendes alucinados das confusões do seu mundo mental: são as
inibições interiores, isto é, as vacilações, as deficiências de fé, o apego
inútil e prejudicial às circunstâncias e aos circunstantes, o desespero sem
razão e o pânico de quem, segundo dizem alhures, “faz da morte uma deusa
sinistra, apresentando o fenômeno natural da renovação com as mais negras
cores, e transformando a separação provisória numa terrível noite de amarguroso
adeus”. 
No século XXI, já
dentro do Terceiro Milênio, é urgente que revisemos a nossa atitude mental
diante da morte; que rejeitemos essa visão arcaica, paranoica até, de desespero
em face do problema da morte, certo que morrer é tão importante quanto viver ou
mais, pelas perspectivas que abre à nossa frente. 
Aceitemos ou não
aceitemos a lei das vidas sucessivas, todos nós já morremos e renascemos
inúmeras vezes, na vivência desse projeto divino, impositivo cósmico da vida,
no interesse de nossa ascensão espiritual, até que não precisemos mais envergar
a libré da carne. Há livros que ensinam como nascer ou como viver, poucos
ensinam como morrer. A propósito escreve Emmanuel, ao prefaciar o livro
“Obreiros da Vida Eterna”: 
“O homem moderno
(...) esbarra, ante os pórticos do sepulcro, com a mesma aflição dos egípcios,
dos gregos e dos romanos de épocas recuadas. Os séculos que varreram
civilizações e refundiram povos, não transformaram a misteriosa fisionomia da
sepultura. Milenário ponto de interrogação, a morte continua ferindo
sentimentos e torturando inteligências. ” 
Afirma, ainda,
Emmanuel em outra oportunidade: 
“A morte já
liberta de sua clássica significação macabra, é, precisamente, o ponto de
partida do Espírito para a vida irradiante, infinita e luminosa, nos mundos
ultraterrestres, vibrantes de Luz e Fraternidade, de Verdade e Amor. ” 
Para quem fez por
merecer, podemos acrescentar. Quanto à duração de nossa vida na Terra, todos
nós temos o nosso momento de regresso ao lar espiritual, marcado no relógio da
eternidade, com certa flexibilidade; cada qual tem o seu relógio invisível, que
toca no momento certo, convocando-o para a viagem de volta, assinalada por um
Poder Maior, que supervisiona com sabedoria, justiça, misericórdia e amor os
nossos destinos; evidente que não vivemos ao sabor do acaso. Todavia, existem
aqueles que adulteram sua máquina física nos desatinos dos desregramentos de
toda ordem, antecipando, irresponsavelmente, esse evento, com graves e
dolorosas consequências. Escrevendo sobre o problema da morte, no seu magnífico
livro “Da Alma Humana”, o doutor Antônio Joaquim Freire, uma das culturas mais
brilhantes do Espiritismo português, refere-se à morte como “a polarização
máxima da ignorância da ciência contemporânea”. Entretanto, a Ciência caminha,
ainda que com passos lentos e vacilantes para comprovar, definitivamente, a
sobrevivência do ser. 
Psiquiatras
começam a fazer regressões às vidas passadas, para cura de certas moléstias com
raízes nas vidas pretéritas, ainda que esse procedimento seja questionável para
alguns profissionais desinformados da área, que se negam a examinar os fatos.
Essas conquistas liberam, para a parcela refratária da comunidade científica,
uma nova e revolucionária visão da vida e da morte, queira ou não queira,
comprovando, mais uma vez, a tese milenária da existência e sobrevivência do
Espírito, após a morte do corpo somático. Esses acontecimentos representam uma clarinada
de alerta à ciência e às filosofias casuísticas e ortodoxas do nosso tempo,
empedernidas na negação sistemática, pura e simples, quando não fogem pela
evasiva estreita de não querer ver os fatos, temendo comprometer
pseudoverdades, cristalizadas em velhos tabus. Ignoram que estamos sujeitos a
uma lei de evolução, força cósmica, que se processa inquestionável e
coercitiva, desde o microcosmo ao macrocosmo, na execução do pensamento Divino.
Diligenciamos por derrubar as bastilhas milenares dos preconceitos que envolvem
o problema, oferecendo uma visão mais justa, mais consoladora, mais
enobrecedora e mais racional do fenômeno da morte, quando o sabemos um
determinismo irrevogável, sentença inapelável da sabedoria Divina; verdade
incontestável, pela qual seguiremos “um a um no caminho de todos”, como disse
Ruy Barbosa, sobre o túmulo, ainda aberto, de Joaquim Maria Machado de Assis.
Sócrates, uma das celebrações mais extraordinárias do pensamento filosófico da
Humanidade, dizia aos seus amigos, que se entristeciam com os seus últimos
momentos: “Mostrai-vos alegres, e dizei-vos que ides unicamente sepultar meu corpo.
” Goethe, uma das mais notáveis expressões da civilização ocidental, passeando
com seu amigo Eckermann pelo bosque de Weimar, disse: “Quando se tem setenta e
cinco anos, não há como fugir de pensar algumas vezes na morte. Esta ideia,
porém, me deixa numa calma perfeita, porque noutro a firme convicção de que o
nosso Espírito é uma essência de natureza absolutamente indestrutível, e
continua ativo, de eternidade em eternidade. ”
O eminente
brasileiro José Bento Monteiro Lobato, em carta a Godofredo Rangel, afirma: “Eu
não me desespero com mortes porque tenho a morte como um alvará de soltura. ”
Emmanuel, o eminente pensador do Cristianismo redivivo – o Espiritismo –
advertia alhures: “Ao invés de temeres a morte, faze da existência a lavoura
sublime de bondade e trabalho, auxílio e compreensão, em favor dos que te
rodeiam; e para o homem que, a cada dia, transforma a solidariedade em fartura
de bênçãos, o ocaso da vida chega sempre por sombra esmaltada de estrelas,
acalentando-lhe o sono e garantindo-lhe o despertar, em novo e glorioso dia,
dourado de sol.”
FONTE:
NEY DA SILVA
PINHEIRO
Revista Espírita,
1869
SIMONETTI. Quem
tem medo da morte
O que é o
Espiritismo
O Livro dos
Espíritos
Pedro de
Carvalho. Os Simples e os Sábios