BODAS DE CANÁ
Este “milagre”
(colocamos entre aspas, já que milagre não existe pois seria derrogar as leis
de Deus), referido unicamente no Evangelho de João, é apresentado como o
primeiro que Jesus operou (apesar de não ser, mas o foi na sua fase adulta) e,
nessas condições, deveria ter sido um dos mais notados. Entretanto, bem fraca
impressão parece haver produzido, pois que nenhum outro evangelista dele trata.
Fato não extraordinário era para deixar espantados, no mais alto grau, os
convivas e, sobretudo, o dono da casa, os quais, todavia, parece que não o
perceberam. Considerado em si mesmo, pouca importância tem o fato, em
comparação com os que, verdadeiramente, atestam as qualidades espirituais de
Jesus.
Admite Kardec que
as coisas hajam ocorrido, conforme foram narradas, é de notar-se seja esse, de
tal gênero, o único fenômeno que se tenha produzido.
Jesus era de
natureza extremamente elevada, para se ater a efeitos puramente materiais,
próprios apenas a aguçar a curiosidade da multidão que, então, o teria nivelado
a um mágico. Ele sabia que as coisas úteis lhe conquistariam mais simpatias e
lhe granjeariam mais adeptos, do que as que facilmente passariam por fruto de
grande habilidade e destreza.
Se bem que, a
rigor, o fato se possa explicar, até certo ponto, por uma ação fluídica que
houvesse, como o magnetismo oferece muitos exemplos, mudado as propriedades da
água, dando-lhe o sabor do vinho, pouco provável é se tenha verificado
semelhante hipótese, dado que, em tal caso, a água, tendo do vinho unicamente o
sabor, houvera conservado a sua coloração, o que não deixaria de ser notado.
Mais racional é se reconheça aí uma daquelas parábolas tão frequentes nos
ensinos de Jesus, como a do filho pródigo, a do festim de bodas, do mau rico,
da figueira que secou e tantas outras que, todavia, se apresentam com caráter
de fatos ocorridos. Provavelmente, durante o repasto, terá ele aludido ao vinho
e à água, tirando de ambos um ensinamento.
Justificam esta
opinião as palavras que a respeito lhe dirige o mordomo: “Toda gente serve em
primeiro lugar o vinho bom e, depois que todos o têm bebido muito, serve o
menos fino; tu, porém, guardas até agora o bom vinho. ” Entre duas hipóteses,
deve-se preferir a mais racional e os espíritas não são tão crédulos que por
toda parte vejam manifestações, nem tão absolutos em suas opiniões, que
pretendam explicar tudo por meio dos fluidos.
Texto evangélico
·
E, ao terceiro dia, fizeram-se umas bodas em Caná
da Galileia; e estava ali a mãe de Jesus. E foram também convidados Jesus e os
seus discípulos para as bodas. E, faltando o vinho, a mãe de Jesus lhe disse:
Não têm vinho. Disse-lhe Jesus: Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é
chegada a minha hora. Sua mãe disse aos empregados: Fazei tudo quanto ele vos
disser.
E estavam ali
postas seis talhas de pedra, para as purificações dos judeus, e em cada uma
cabiam duas ou três metretas (antiga medida para líquidos, de origem grega,
equivalente a cerca de 30 a 40 litros).
Disse-lhes Jesus:
Enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima. E disse-lhes: Tirai
agora e levai ao mestre-sala. E levaram. E, logo que o mestre-sala provou a
água feita vinho (não sabendo de onde viera, se bem que o sabiam os empregados
que tinham tirado a água), chamou o mestre-sala ao esposo. E disse-lhe: Todo
homem põe primeiro o vinho bom e, quando já têm bebido bem, então, o inferior,
mas tu guardaste até agora o bom vinho. Jesus principiou assim os seus sinais
em Caná da Galileia e manifestou a sua glória, e os seus discípulos creram
nele. João, 2.1-11.
As bodas de
Caná, ocorridas numa cidade da Galileia, apresentam características especiais.
Uma delas é a transformação da água em vinho, realizada por Jesus, outra foi o
início da pregação evangélica
do Mestre nessa festa.
Kardec
destaca também que, a despeito de Jesus ter modificado a estrutura química da
água, ser tal fato considerado milagroso, não foi citado pelos demais
evangelistas, mas apenas por João.
Este “milagre” é
apresentado como o primeiro que Jesus operou na fase adulta e, nessas
condições, deveria ter sido um dos mais notados. Entretanto, bem fraca
impressão parece haver produzido, pois que nenhum outro evangelista dele trata.
Fato tão extraordinário era para deixar espantados, no mais alto grau, os
convivas e, sobretudo, o dono da casa, os quais, todavia, parece que não o
perceberam.
Considerado em si
mesmo, pouca importância tem o fato, em comparação com os que, verdadeiramente,
atestam as qualidades espirituais de Jesus.
Os fenômenos
psíquicos são, em geral, considerados milagrosos ou
sobrenaturais,
por não se conhecerem as causas que os produzem.
Incluem-se
nesse grupo os prodígios realizados por Jesus.
Efetivamente,
são fenômenos inusitados que despertam a atenção das
pessoas.
Entretanto, um estudo minucioso consegue explicá-los, subtraindo,
assim, o
aspecto de derrogação das leis naturais. O progresso científico vem
contribuindo
para elucidar muitos fatos que foram considerados milagres.
Ninguém nega que
fenômenos servem para acordar a mente, contudo, é imperioso reconhecer que as
criaturas humanas, na experiência diária, comunicam-se umas com as outras,
através de montanhas deles sem a mínima comoção. Eis os motivos pelos quais os
espíritos superiores, conscientes da responsabilidade que abraçam colocarão
sempre os fenômenos em última plana no esquema das manifestações com que nos
visitam. Assim procedem porque a curiosidade inerte ou deslumbrada não
substitui o serviço e o serviço é a única via que nos faculta crescimento e
elevação, compelindo-nos a estudar para progredir e a evoluir para sublimar.
A Doutrina
Espírita, aliada aos avanços da Ciência, apresenta explicações lógicas a
respeito dos prodígios operados por Jesus. Importa considerar que os fenômenos
podem ajudar na elaboração da fé, porque ensejam a observação da vida
espiritual, constatando a sua realidade, permitindo adquirir conhecimentos
sobre ela. ”
Retratando alguns
aspectos ocorridos nas bodas de Caná, vemos que o início da pregação do Senhor foi
marcada por um momento de expressiva alegria.
Acreditamos que
Jesus escolheu de forma proposital o momento. É como se o Mestre quisesse nos
dizer que o aprendizado evangélico deva ocorrer num clima de união, de júbilos
fraternos.
É digno de nota o
comparecimento do Mestre com sua família e seus discípulos numa festa de bodas.
Com esse ato de presença, quis Ele exemplificar aos seus discípulos o caráter
social da sua Doutrina, que deveria ser ensinada em toda a parte e não,
somente, em templos especializados para tal fim.
A presença de familiares e de amigos
próximos nas bodas, como assinalam as frases “estava ali a mãe de Jesus” e “foi
também convidado Jesus e os seus discípulos para as bodas”, indicam que os
acontecimentos e a mensagem que o Cristo trazia marcariam a reunião com um
sentido muito especial, capaz de tanger os meandros sutis do sentimento puro.
Vemos, de um lado, Jesus, o Mestre por
excelência, modelo e guia da Humanidade e, de outro, seus familiares e
discípulos; vinculados ao seu coração, mas prontos para recolher informações
que redundariam em experiências e testemunhos futuros.
Devemos considerar a maneira humilde de
Jesus, a despeito da excelsitude do seu Espírito.
Sim, o Cristo não
passou entre os homens como quem impõe. Nem como quem determina. Nem como quem
governa. Nem como quem manda. Caminhou na Terra à feição de servidor. Legou-nos
o Evangelho da vida, escrevendo-lhe a epopeia no coração das criaturas.
A frase de Maria: “E, faltando o vinho, a
mãe de Jesus lhe disse: não têm vinho”, revela os cuidados que as almas gentis
têm para com as pessoas. Maria simboliza também a abençoada representante do
sentimento reto, a mãe e inspiradora da mensagem do Cristo, no mundo.
Representa o berço geratriz das mais belas iniciativas, do sentimento
enobrecido, destituído de interesses pessoais, que age em sintonia com o
pensamento superior.
Maria de Nazaré,
uma mulher simples e da mais humílima condição social, foi uma das figuras mais
salientes no processo de revelação do Cristianismo. (É inegável que a sua
missão teve um cunho relevante, alcançando a magnitude que, ainda agora), a sua
figura excelsa se impõe à veneração de toda a Humanidade, motivo pelo qual
muitas religiões da Terra passaram denominá-la “Rainha do Céu”, “Mãe
Santíssima”, “Virgem Maria”, “Nossa Senhora”, além de toda uma gama de
qualificativos. Servindo de dócil instrumento da vontade de Deus, ela
contribuiu, como Espírito, para o grandioso quadro de revelação do Cristianismo
à Humanidade sofredora, fato que representou uma das mais sublimes dádivas
vinda dos Céus.
O vinho era uma bebida que fazia parte da
cultura judaica e da maioria dos povos da Antiguidade, assim como nos tempos
contemporâneos. O que causa espanto na narrativa evangélica, porém, não foi o
anúncio de Maria de que o vinho acabara, mas a forma como Jesus lhe respondeu,
segundo os registros de João: “Mulher, que tenho eu contigo? Ainda não é
chegada a minha hora. ”
Analisada esta citação, exclusivamente na
letra, entendem muitos (inclusive alguns espíritas) que Jesus teria destratado
a sua mãe. Cairbar Schutel emite a seguinte opinião:
Entretanto, não
cremos que a troca de palavras entre Jesus e sua extremosa mãe fosse tal como
se acha registrada na versão evangélica.
(Por outro lado a expressão “mulher”, talvez pensássemos ser
mesmo um desprezo, entretanto, naquela época correspondia à palavra “senhora”,
com que, atualmente, tratamos com respeito as mulheres).
Sabemos
perfeitamente quanto as traduções deformam e desnaturam as narrativas. E,
quando pensamos que os Evangelhos passaram por várias traduções, a juízo dos
tradutores, inscientes às mais das vezes do pensamento íntimo dos seus autores,
mais nos convencemos de que as Escrituras não podem mesmo ser estudadas de
relance, nem tomadas ao pé da letra. Quantas vezes deixamos de encontrar, num
idioma, uma palavra que exprima exatamente o que outra exprime em outro idioma!
Jesus não usou de aspereza com sua mãe; pelo contrário, a troca de ideias entre
ambos não podia realizar-se sem a máxima cordialidade e respeito.
A segunda resposta de Jesus a Maria, “ainda
não é chegada a minha hora”, pode ser uma alusão que Jesus fez à hora de
transformação espiritual que iria ocorrer-lhe. Hora que seria marcada por
testemunhos sacrificiais, em razão do processo de total doação à Humanidade que
tutelava e tutela. Atestamos que no breve diálogo ocorrido entre Jesus e a sua
mãe, estabeleceu-se perfeita sintonia entre ambos: a mãe intercede junto do
filho que tem poder superior, o filho argumenta e esclarece, mas, ao influxo de
sentimentos elevados e sublimes, na esteira do amor legítimo, acontece perfeito
entendimento. Maria então, dirige-se aos empregados e diz: “Fazei tudo quanto
ele vos disser. ”
O Evangelho é
roteiro iluminado do qual Jesus é o centro divino. Nessa Carta da Redenção,
rodeando-lhe a figura celeste, existem palavras, lembranças, dádivas e
indicações muito amadas dos que lhe foram legítimos colaboradores no mundo.
Temos igualmente,
no Documento Sagrado, reminiscências de Maria. Examinemos suas preciosas
palavras em Caná, cheias de sabedoria e amor materno. Em verdade, o versículo
do apóstolo João não se refere a paisagens dolorosas. O episódio ocorre numa
festa de bodas, mas podemos aproveitar-lhe a sublime expressão simbólica.
Também nós estamos na festa de noivado do Evangelho com a Terra. Apesar dos
quase vinte séculos decorridos, o júbilo ainda é de noivado, porquanto não se
verificou até agora a perfeita união. Nesse grande concerto da ideia
renovadora, somos serventes humildes. Em muitas ocasiões, esgota-se o vinho da
esperança.
Sentimo-nos
extenuados, desiludidos. Imploramos ternura maternal e eis que Maria nos
responde: Fazei tudo quanto ele vos disser. O conselho é sábio e
profundo e foi colocado no princípio dos trabalhos de salvação. Escutando
semelhante advertência de Mãe, meditemos se realmente estaremos fazendo tudo
quanto o Mestre nos disse.
Temos atualmente muitas informações a respeito
da transmutação de elementos. Para a Física e a Química, transmutação é a
conversão de um elemento químico em outro. Entretanto, desde os tempos
imemoriais há relatos sobre o assunto. A alquimia acreditava ser possível a
transmutação através de reações químicas, principalmente, a partir do momento
que se percebeu que a densidade do ouro e do chumbo eram muito semelhantes. Os
alquimistas tentaram transmutar os metais inferiores em ouro.
A partir da descoberta do átomo -
considerado a menor porção que existe e que pode ser reduzida a um único
elemento químico, mantendo-se as suas propriedades físico-químicas elementares,
longo período de tempo foi necessário para que o homem tivesse domínio do
processo. A transmutação tem como princípio a fissão nuclear dos átomos que se
transformam em novos elementos de números atômicos inferiores, até que os seus
núcleos se tornem estáveis (geralmente adquirindo a estabilidade do chumbo). Há
produção de radioatividade durante a fissão atômica.
A transmutação pode também ser entendida no
sentido espiritual, ou seja, a mudança de um estado inferior para um estado
espiritualmente superior.
À luz do entendimento científico atual,
podemos afirmar que a transformação da água em vinho foi um processo de
transmutação. Percebemos que essa transformação ocorreu perante a circunstância
de existir a água usada nas purificações dos rituais judaicos. Deveria ser uma
água mais pura, livre de impurezas. O Mestre teria agido, atuando diretamente
nas moléculas de água.
O Espírito
Humberto de Campos (Irmão X) nos transmite preciosos
ensinamentos
a respeito do significado da transmutação realizada por
Jesus, a
qual teve um propósito maior, de natureza espiritual, tão natural
que, além
de ter sido captado apenas por João Evangelista
,
possivelmente não tenha causado impacto aos circunstantes.
Acompanhemos atentamente o diálogo que se
segue, ocorrido entre o
Mestre e o
apóstolo Pedro.
O manto da noite
caía de leve sobre a paisagem de Cafarnaum e Jesus, depois de uma das grandes
assembleias populares do lago, se recolhia à casa de Pedro em companhia do
apóstolo. Simão, no entanto, ia pensativo como se guardasse uma dúvida no
coração. Inquirido com bondade pelo Mestre, o apóstolo esclareceu: - Senhor, em
face dos vossos ensinamentos, como deveremos interpretar a vossa primeira
manifestação, transformando a água em vinho, nas bodas de Caná? Não se tratava
de uma festa mundana? O vinho não iria cooperar para o desenvolvimento da
embriaguez e da gula? Jesus compreendeu o alcance da interpelação e sorriu.
- Simão, disse ele,
conheces a alegria de servir a um amigo? Pedro não respondeu, pelo que o Mestre
continuou: - As bodas de Caná foram um símbolo da nossa união na Terra. O
vinho, ali, foi bem o da alegria com que desejo selar a existência do Reino de
Deus nos corações. Estou com os meus amigos e amo-os a todos. Os afetos d’alma,
Simão, são laços misteriosos que nos conduzem a Deus. Saibamos santificar a
nossa afeição, proporcionando aos nossos amigos o máximo da alegria; seja o
nosso coração uma sala iluminada onde eles se sintam tranquilos e ditosos.
Tenhamos sempre júbilos novos que os reconfortem, nunca contaminemos a fonte de
sua simpatia com a sombra dos pesares! As mais belas horas da vida são as que
empregamos em amá-los, enriquecendo-lhes as satisfações íntimas.
E com o olhar
absorto na paisagem crepuscular, onde vibravam sutis harmonias, Jesus ponderou,
profeticamente:
- O vinho de Caná
poderá, um dia, transformar-se no vinagre da amargura; contudo, sentirei, mesmo
assim, júbilo em sorvê-lo, por minha dedicação aos que vim buscar para o amor
do Todo-Poderoso. Simão Pedro, ante a argumentação consoladora e amiga do Mestre,
dissipou as suas derradeiras dúvidas, enquanto a noite se apoderava do
ambiente, ocultando o conjunto das coisas no seu leque imenso de sombras.
FONTE:
A Gênese
Huberto Rodhen
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