CASA SOBRE AREIA
(Mt 7, 24-28)
Parábola do
edifício. Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe por obra
assemelha-se a um homem sensato que edificou sua casa sobre rocha. Desabaram
aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais e deram de rijo contra
essa casa; mas ela não caiu porque estava construída sobre rocha.
E todo aquele que
ouve estas minhas palavras e não as põe por obra, parece-se com um homem
insensato que edificou sua casa sobre areia. Desabaram aguaceiros, transbordaram
os rios, sopraram os vendavais, dando de rijo contra essa casa, e ela caiu, e
foi grande a sua queda.
Quando Jesus
terminou este sermão, estava todo o povo arrebatado da sua doutrina; porque
ensinava como quem tem autoridade, e não como seus escribas.
A suprema
sapiência do homem não está em ouvir apenas a Verdade, mas em realizá-la na sua
vida. Depois de proferir o grandioso manifesto espiritual chamado Sermão do Monte,
concluiu o Mestre com a seguinte parábola: “Todo aquele que ouve estas minhas
palavras e as realiza, assemelha-se a um homem sábio que edificou sua casa
sobre rocha. Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais
e deram de rijo contra esta casa – o, mas ela não caiu, porque estava
construída sobre rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as
realiza, parece-se com um homem insensato que edificou sua casa sobre areia.
Desabaram
aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais, dando de rijo contra
esta casa – e ela caiu, e foi grande a sua queda”.
Em resumo: a alma
e quintessência de toda sabedoria e felicidade da vida consiste em “realizar”
as grandes verdades, e não somente em “ouvi-las”.
Quem apenas ouve,
mas não realiza o que ouviu, é um “homem insensato”; quem ouve e realiza é um
“homem sábio”.
Quer dizer, a
diferença fundamental entre insensatez e sabedoria está em ouvir sem realizar
e, por outro lado, em realizar o que se ouviu.
Pergunta-se o que
quer dizer “realizar”. Filologicamente falando, realizar quer dizer tornar real
o que não era real. A palavra grega que está no Evangelho para indicar esse
realizar é o verbo poié o, que significa “crear”, é também o radical de poesia,
poeta, poema. E ainda a mesma palavra que o livro do Gênesis usa quando
descreve a creação do mundo (em hebraico: barah), que traduzimos por fazer ou
crear (não criar)! O substantivo derivado do verbo poié o é poiema, e o
processo de crear é poiesis; o fator ou realizador desse poiema é o poietés (poeta).
Não se trata,
portanto, de transformar algo já existente, dando-lhe apenas uma nova forma;
não é pôr “remendo novo em roupa velha”; mas trata-se de um poder creador que
realiza algo que antes não era real, senão apenas realizável.
O livre-arbítrio
é uma força creadora; graças a essa creatividade, pode o homem realizar em si o
que antes não existia. A ilustração clássica para esta reatividade, para esta
poiesis, ou para esta poiema, é a parábola dos talentos, onde os dois primeiros
servos – os “servos bons e fiéis” – realizaram o dobro do que haviam recebido
do seu Senhor; atualizaram a sua potencialidade; realizaram o “pouco” da sua
creaturidade no “muito” da sua creatividade – porque foram fiéis no “pouco” da
potencialidade foram constituídos sobre o “muito” da atualidade e entraram no
gozo de seu Senhor.
Esses servos bons
e fiéis, poetas creadores, realizaram o poema cósmico da sua auto-realização
pelo poder da creatividade do seu livre-arbítrio.
Voltando ao nosso
ponto de partida: Jesus faz consistir a suprema sabedoria do homem no fato de
ele realizar, pela creatividade do seu livre-arbítrio, aquilo que ouviu e
compreendeu como sendo a Verdade. O homem auto realizado é, pois, um poeta, um
creador, e sua realização é um poema, uma “fatura” ou um feito creador.
Como se vê, Jesus
não entende por fazer ou realizar, em primeiro lugar, a produção de algo fora
do homem, no mundo externo e visível dos objetos circunjacentes; ele se refere,
em primeiro lugar, à creação do alguém interno, do eu espiritual, invisível, à
realização do sujeito pela conscientização: “Eu e o Pai somos um; as obras que
eu faço, é o Pai em mim que as faz”.
O homem que deste
modo se realiza é um místico dinâmico, um gênio. Um escritor moderno diz que a
tarefa principal que o homem tem de realizar aqui na terra é “dar à luz a si
mesmo”. A auto-realização é o que a palavra diz: uma auto creação, e o homem auto
realizado é um poema. Assim como Deus creou o poema do cosmos sideral, assim
pode o homem crear o poema do seu cosmos hominal. O fiat lux é creador, não
somente no mundo objetivo, mas também no mundo subjetivo: não somente
transforma o caos em cosmos, mas também o ego em Eu, o homem egocêntrico no
homem teocêntrico.
Isto é o poié o
creador do homem que sabe e saboreia intimamente a sapiência do Sermão do
Monte, realizando-a creativamente em sua Cristo-vivência: “Já não sou eu que
vivo, é o Cristo que vive em mim”.
Esse homem
edificou a casa da sua vida sobre a rocha viva da Verdade; a Verdade plenamente
vivida gera a Liberdade, e da Liberdade nasce a Felicidade.
De maneira que
essas palavras com que o Mestre encerra a sua proclamação do Reino de Deus no
homem representam uma síntese de todo o Evangelho.
O homem profano,
o homem externo, dá a máxima importância ao seu agir periférico, aos seus atos
intermitentes, descuidando-se do seu Ser central, da sua atitude permanente.
Edifica a casa da sua vida sobre a movediça areia de ruidosas atividades
materiais, sociais e intelectuais; a sua vida se parece em tudo com uma enorme
quantidade de grãozinhos de areia, justapostos, desconexos, sem nenhuma coesão
interna; toda a sua vida é uma vasta heterogeneidade quantitativa sem nenhuma
homogeneidade qualitativa.
A vida do homem
cristificado, porém, é como rocha viva, como um bloco monolítico de solidez e
coesão homogênea; há nele uma logicidade unitária e retilínea; há um ideal
supremo em sua vida para o qual convergem todas as linhas da sua atividade.
O profano panteão
dos ídolos do seu velho ego humano foi transformado no santuário sacral do seu novo
eu divino. A sua consciência mística transbordou em vivência ética. A profunda
vertical do seu Ser se espraiou na vasta horizontalde um Agir, e todos os atos
vários do seu ego obedecem à atitude única do seu Eu.
O homem que não
somente ouviu, mas saboreou e realizou creativamente as palavras da verdade entrou
numa nova dimensão de consciência e de vivência– ou melhor, saiu de todas as
dimensões e durações de tempo e espaço e entrou na zero-dimensão e na
zero-duração do Infinito e do Eterno. Não pôs “remendo novo em roupa velha” mas
fez-se nova creatura em Cristo.
E, graças à nova
consciência do seu Eu crístico, também se transfiguraram todas as suas
vivências no setor do seu ego humano, individual, doméstico, social. Tal é o
poema, a epopeia cósmica do homem que não só ouviu as palavras de Jesus, mas
realizou em si o espírito do Cristo.
Remendo novo em
roupa velha ...
FONTE:
Huberto Rodhen
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