sexta-feira, 13 de agosto de 2021

CASA SOBRE AREIA

 

CASA SOBRE AREIA

(Mt 7, 24-28)

Parábola do edifício. Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as põe por obra assemelha-se a um homem sensato que edificou sua casa sobre rocha. Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais e deram de rijo contra essa casa; mas ela não caiu porque estava construída sobre rocha.

E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as põe por obra, parece-se com um homem insensato que edificou sua casa sobre areia. Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais, dando de rijo contra essa casa, e ela caiu, e foi grande a sua queda.

Quando Jesus terminou este sermão, estava todo o povo arrebatado da sua doutrina; porque ensinava como quem tem autoridade, e não como seus escribas.

A suprema sapiência do homem não está em ouvir apenas a Verdade, mas em realizá-la na sua vida. Depois de proferir o grandioso manifesto espiritual chamado Sermão do Monte, concluiu o Mestre com a seguinte parábola: “Todo aquele que ouve estas minhas palavras e as realiza, assemelha-se a um homem sábio que edificou sua casa sobre rocha. Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais e deram de rijo contra esta casa – o, mas ela não caiu, porque estava construída sobre rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as realiza, parece-se com um homem insensato que edificou sua casa sobre areia.

Desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram os vendavais, dando de rijo contra esta casa – e ela caiu, e foi grande a sua queda”.

Em resumo: a alma e quintessência de toda sabedoria e felicidade da vida consiste em “realizar” as grandes verdades, e não somente em “ouvi-las”.

Quem apenas ouve, mas não realiza o que ouviu, é um “homem insensato”; quem ouve e realiza é um “homem sábio”.

Quer dizer, a diferença fundamental entre insensatez e sabedoria está em ouvir sem realizar e, por outro lado, em realizar o que se ouviu.

Pergunta-se o que quer dizer “realizar”. Filologicamente falando, realizar quer dizer tornar real o que não era real. A palavra grega que está no Evangelho para indicar esse realizar é o verbo poié o, que significa “crear”, é também o radical de poesia, poeta, poema. E ainda a mesma palavra que o livro do Gênesis usa quando descreve a creação do mundo (em hebraico: barah), que traduzimos por fazer ou crear (não criar)! O substantivo derivado do verbo poié o é poiema, e o processo de crear é poiesis; o fator ou realizador desse poiema é o poietés (poeta).

Não se trata, portanto, de transformar algo já existente, dando-lhe apenas uma nova forma; não é pôr “remendo novo em roupa velha”; mas trata-se de um poder creador que realiza algo que antes não era real, senão apenas realizável.

O livre-arbítrio é uma força creadora; graças a essa creatividade, pode o homem realizar em si o que antes não existia. A ilustração clássica para esta reatividade, para esta poiesis, ou para esta poiema, é a parábola dos talentos, onde os dois primeiros servos – os “servos bons e fiéis” – realizaram o dobro do que haviam recebido do seu Senhor; atualizaram a sua potencialidade; realizaram o “pouco” da sua creaturidade no “muito” da sua creatividade – porque foram fiéis no “pouco” da potencialidade foram constituídos sobre o “muito” da atualidade e entraram no gozo de seu Senhor.

Esses servos bons e fiéis, poetas creadores, realizaram o poema cósmico da sua auto-realização pelo poder da creatividade do seu livre-arbítrio.

Voltando ao nosso ponto de partida: Jesus faz consistir a suprema sabedoria do homem no fato de ele realizar, pela creatividade do seu livre-arbítrio, aquilo que ouviu e compreendeu como sendo a Verdade. O homem auto realizado é, pois, um poeta, um creador, e sua realização é um poema, uma “fatura” ou um feito creador.

Como se vê, Jesus não entende por fazer ou realizar, em primeiro lugar, a produção de algo fora do homem, no mundo externo e visível dos objetos circunjacentes; ele se refere, em primeiro lugar, à creação do alguém interno, do eu espiritual, invisível, à realização do sujeito pela conscientização: “Eu e o Pai somos um; as obras que eu faço, é o Pai em mim que as faz”.

O homem que deste modo se realiza é um místico dinâmico, um gênio. Um escritor moderno diz que a tarefa principal que o homem tem de realizar aqui na terra é “dar à luz a si mesmo”. A auto-realização é o que a palavra diz: uma auto creação, e o homem auto realizado é um poema. Assim como Deus creou o poema do cosmos sideral, assim pode o homem crear o poema do seu cosmos hominal. O fiat lux é creador, não somente no mundo objetivo, mas também no mundo subjetivo: não somente transforma o caos em cosmos, mas também o ego em Eu, o homem egocêntrico no homem teocêntrico.

Isto é o poié o creador do homem que sabe e saboreia intimamente a sapiência do Sermão do Monte, realizando-a creativamente em sua Cristo-vivência: “Já não sou eu que vivo, é o Cristo que vive em mim”.

Esse homem edificou a casa da sua vida sobre a rocha viva da Verdade; a Verdade plenamente vivida gera a Liberdade, e da Liberdade nasce a Felicidade.

De maneira que essas palavras com que o Mestre encerra a sua proclamação do Reino de Deus no homem representam uma síntese de todo o Evangelho.

O homem profano, o homem externo, dá a máxima importância ao seu agir periférico, aos seus atos intermitentes, descuidando-se do seu Ser central, da sua atitude permanente. Edifica a casa da sua vida sobre a movediça areia de ruidosas atividades materiais, sociais e intelectuais; a sua vida se parece em tudo com uma enorme quantidade de grãozinhos de areia, justapostos, desconexos, sem nenhuma coesão interna; toda a sua vida é uma vasta heterogeneidade quantitativa sem nenhuma homogeneidade qualitativa.

A vida do homem cristificado, porém, é como rocha viva, como um bloco monolítico de solidez e coesão homogênea; há nele uma logicidade unitária e retilínea; há um ideal supremo em sua vida para o qual convergem todas as linhas da sua atividade.

O profano panteão dos ídolos do seu velho ego humano foi transformado no santuário sacral do seu novo eu divino. A sua consciência mística transbordou em vivência ética. A profunda vertical do seu Ser se espraiou na vasta horizontalde um Agir, e todos os atos vários do seu ego obedecem à atitude única do seu Eu.

O homem que não somente ouviu, mas saboreou e realizou creativamente as palavras da verdade entrou numa nova dimensão de consciência e de vivência– ou melhor, saiu de todas as dimensões e durações de tempo e espaço e entrou na zero-dimensão e na zero-duração do Infinito e do Eterno. Não pôs “remendo novo em roupa velha” mas fez-se nova creatura em Cristo.

E, graças à nova consciência do seu Eu crístico, também se transfiguraram todas as suas vivências no setor do seu ego humano, individual, doméstico, social. Tal é o poema, a epopeia cósmica do homem que não só ouviu as palavras de Jesus, mas realizou em si o espírito do Cristo.

Remendo novo em roupa velha ...

FONTE:

Huberto Rodhen

 

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