A BIOLOGIA DA DOR
“A dor e o prazer desempenham do indivíduo e
na reprodução biológica do ser”
Todo ser vivo, ao menos no presente estágio,
se acha sujeito ao sofrimento. É lei da natureza. Reencarnou para resgatar
débitos; embora este seja um planeta de provas e expiações, não quer dizer que
a vida não terá alegrias e prazeres, sempre de acordo com o merecimento de cada
ser.
A função biológica da dor é da mais alta
relevância, porque está a serviço da conservação e evolução do indivíduo e da
espécie. Sendo o ser vivo um conjunto de elementos (um edifício biológico não
independente) de cuja harmonia funcional depende a vida e atividade vital, deve
o indivíduo zelar solicitamente pela existência e integridade de cada um desses
fatores. Para conseguir que o ser vivo cuide eficazmente da existência e
integridade dos seus elementos constitutivos é que a Natureza, sempre admirável
em suas leis, o dotou da faculdade de sentir dor e prazer, sendo aquela uma
advertência de perigo iminente, e este um atestado de funcionamento normal.
Entretanto, nem a dor nem o prazer limitam a
sua missão à simples conservação do indivíduo. Vão além, e, uma vez que a
conservação do indivíduo por maior lapso de tempo não é possível sem a
perpetuação da espécie, desempenham a dor e o prazer importantíssimo papel na
reprodução biológica do ser. Se assim não fosse, não tardaria a vida da espécie
a extinguir-se sobre a face da terra com a extinção do indivíduo.
Toda a lesão orgânica, toda a afecção mórbida,
a sede, a fome, a fadiga, provocam no indivíduo uma espécie de dor, impelindo-o
a libertar-se do desagradável dessa sensação e contribuindo assim para a
existência, saúde e integridade do ser.
Assim é que, em todo o âmbito da natureza
viva, a dor não é um fim, mas tão somente um meio para atingir um fim superior
— como também o prazer tem por fim a consecução dum determinado objetivo
considerado pelas leis naturais como necessário ou conveniente.
Nenhum organismo repararia prontamente as
lesões sofridas se com o ferimento não experimentasse tal ou qual sensação de
dor. Pode esta sensação ser nitidamente consciente nos seres superiores, ao
passo que nos organismos inferiores é, talvez, semiconsciente ou
subconsciente, segundo o grau que cada ser ocupa na escala hierárquica da vida.
Pode percorrer toda a escala das dores, desde a mais intensa até a mais fraca e
diluída; mas, de algum modo, ela existe e impele o indivíduo a cuidar de si
mesmo.
Por onde se vê que, mesmo no plano mais
primitivo, o sofrimento tem uma função essencialmente positiva, benéfica,
salvífica, construtora. Não existe em todo o universo dos seres vivos uma dor
de caráter e finalidade negativos, destruidores ou simplesmente passivos.
Toda dor é uma afirmação — e não uma negação.
Toda dor está a serviço da vida — e não da morte.
Avida eterna é a consequência da morte física e a dor é o pagamento do resgate.
Toda dor é inimiga da estagnação e do regresso
— e amiga da evolução e do aperfeiçoamento.
Toda dor é construtora — e não demolidora.
O escopo de toda dor é, em última análise, o
prazer, porque este é índice de saúde e integridade vital.
Dor e prazer são irmãos, e, por mais diversos
que pareçam, têm a mesma natureza e a mesma missão a cumprir, missão nobre,
positiva, sublime: a defesa da vida em todas as suas formas e manifestações.
A dor é a poderosa vanguarda da vida, a
vigilante atalaia do mais grandioso fenômeno que sobre este planeta apareceu.
Impossível seria, não somente a conservação da
vida, senão também a evolução da mesma, nos vastos domínios da flora e fauna, se
lhe faltassem esses dois fatores: a dor e o prazer. São os dois polos sobre os
quais gira toda essa deslumbrante epopeia evolutiva que abrange milhares de
séculos e de milênios. A paleontologia descobriu fósseis nas estratificações
geológicas dos períodos siluriano e cambriano, que remontam a uns setecentos
milhões de anos antes da nossa era. Já nesses tempos pré-históricos existiam,
portanto, seres orgânicos: moluscos, trilobitas, corais; e já nessas épocas
obscuras imperavam sobre a face da terra esses soberanos da evolução: a dor e o
prazer.
Convém lembrar a respeito do descobrimento
desses fosseis de setecentos milhões de anos aproximadamente as palavras de
Emmanuel:
“E
quando serenaram os elementos do mundo nascente, quando a luz do Sol beijava,
em silêncio, a beleza melancólica dos continentes e dos mares primitivos, Jesus
reuniu nas Alturas os intérpretes divinos do seu pensamento. Viu-se, então,
descer sobre a Terra, das amplidões dos espaços ilimitados, uma nuvem de forças
cósmicas, que envolveu o imenso laboratório planetário em repouso. Daí a algum
tempo, na crosta solidificada do planeta, como no fundo dos oceanos, podia-se
observar a existência de um elemento viscoso que cobria toda a Terra. Estavam
dados os primeiros passos no caminho da vida organizada. Com essa massa
gelatinosa, nascia no orbe o protoplasma e, com ele, lançara Jesus à superfície
do mundo o germe sagrado dos primeiros homens. ”
Nunca teriam os tempos subsequentes da Trias,
Jura e Creta — uns trezentos milhões de anos antes da nossa era — visto os
gigantescos sáurios de 25 metros de comprimento e 40 toneladas de peso; nunca
teria o período Terciário — cerca de duzentos milhões de anos antes do nosso
tempo — produzido essa imensa variedade de peixes, répteis, aves e mamíferos, se
não imperassem sobre a terra a dor e o seu sorridente irmão, o prazer.
Nunca teria o microscópico protozoário
unicelular saído do nível primitivo da sua extrema simplicidade, se não fora
capaz de sentir algo de agradável e desagradável dentro da gotinha incolor de
protoplasma que lhe constitui o corpo gelatinoso.
Nem jamais teria ao mundo dos peixes e répteis
sucedido o das voláteis e dos quadrúpedes, se na criação de órgãos locomotores
mais perfeitos não houvesse alguma sensação de prazer suplantando o desprazer.
Sobre as asas noturnas da dor e as asas
diurnas do prazer se processa toda a evolução do mundo orgânico.
Fonte:
Huberto Rodhen
A Caminho da Luz – Francisco Cândido
Xavier
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