quarta-feira, 12 de agosto de 2020

A BIOLOGIA DA DOR

 

 

 

A BIOLOGIA DA DOR

“A dor e o prazer desempenham do indivíduo e na reprodução biológica do ser”

Todo ser vivo, ao menos no presente estágio, se acha sujeito ao sofrimento. É lei da natureza. Reencarnou para resgatar débitos; embora este seja um planeta de provas e expiações, não quer dizer que a vida não terá alegrias e prazeres, sempre de acordo com o merecimento de cada ser.

A função biológica da dor é da mais alta relevância, porque está a serviço da conservação e evolução do indivíduo e da espécie. Sendo o ser vivo um conjunto de elementos (um edifício biológico não independente) de cuja harmonia funcional depende a vida e atividade vital, deve o indivíduo zelar solicitamente pela existência e integridade de cada um desses fatores. Para conseguir que o ser vivo cuide eficazmente da existência e integridade dos seus elementos constitutivos é que a Natureza, sempre admirável em suas leis, o dotou da faculdade de sentir dor e prazer, sendo aquela uma advertência de perigo iminente, e este um atestado de funcionamento normal.

Entretanto, nem a dor nem o prazer limitam a sua missão à simples conservação do indivíduo. Vão além, e, uma vez que a conservação do indivíduo por maior lapso de tempo não é possível sem a perpetuação da espécie, desempenham a dor e o prazer importantíssimo papel na reprodução biológica do ser. Se assim não fosse, não tardaria a vida da espécie a extinguir-se sobre a face da terra com a extinção do indivíduo.

Toda a lesão orgânica, toda a afecção mórbida, a sede, a fome, a fadiga, provocam no indivíduo uma espécie de dor, impelindo-o a libertar-se do desagradável dessa sensação e contribuindo assim para a existência, saúde e integridade do ser.

Assim é que, em todo o âmbito da natureza viva, a dor não é um fim, mas tão somente um meio para atingir um fim superior — como também o prazer tem por fim a consecução dum determinado objetivo considerado pelas leis naturais como necessário ou conveniente.

Nenhum organismo repararia prontamente as lesões sofridas se com o ferimento não experimentasse tal ou qual sensação de dor. Pode esta sensação ser nitidamente consciente nos seres superiores, ao passo que nos organismos inferiores étalvez, semiconsciente ou subconsciente, segundo o grau que cada ser ocupa na escala hierárquica da vida. Pode percorrer toda a escala das dores, desde a mais intensa até a mais fraca e diluída; mas, de algum modo, ela existe e impele o indivíduo a cuidar de si mesmo.

Por onde se vê que, mesmo no plano mais primitivo, o sofrimento tem uma função essencialmente positiva, benéfica, salvífica, construtora. Não existe em todo o universo dos seres vivos uma dor de caráter e finalidade negativos, destruidores ou simplesmente passivos.

Toda dor é uma afirmação — e não uma negação.

Toda dor está a serviço da vida — e não da morte. Avida eterna é a consequência da morte física e a dor é o pagamento do resgate.

Toda dor é inimiga da estagnação e do regresso — e amiga da evolução e do aperfeiçoamento.

Toda dor é construtora — e não demolidora.

O escopo de toda dor é, em última análise, o prazer, porque este é índice de saúde e integridade vital.

Dor e prazer são irmãos, e, por mais diversos que pareçam, têm a mesma natureza e a mesma missão a cumprir, missão nobre, positiva, sublime: a defesa da vida em todas as suas formas e manifestações.

A dor é a poderosa vanguarda da vida, a vigilante atalaia do mais grandioso fenômeno que sobre este planeta apareceu.

Impossível seria, não somente a conservação da vida, senão também a evolução da mesma, nos vastos domínios da flora e fauna, se lhe faltassem esses dois fatores: a dor e o prazer. São os dois polos sobre os quais gira toda essa deslumbrante epopeia evolutiva que abrange milhares de séculos e de milênios. A paleontologia descobriu fósseis nas estratificações geológicas dos períodos siluriano e cambriano, que remontam a uns setecentos milhões de anos antes da nossa era. Já nesses tempos pré-históricos existiam, portanto, seres orgânicos: moluscos, trilobitas, corais; e já nessas épocas obscuras imperavam sobre a face da terra esses soberanos da evolução: a dor e o prazer.

Convém lembrar a respeito do descobrimento desses fosseis de setecentos milhões de anos aproximadamente as palavras de Emmanuel:

E quando serenaram os elementos do mundo nascente, quando a luz do Sol beijava, em silêncio, a beleza melancólica dos continentes e dos mares primitivos, Jesus reuniu nas Alturas os intérpretes divinos do seu pensamento. Viu-se, então, descer sobre a Terra, das amplidões dos espaços ilimitados, uma nuvem de forças cósmicas, que envolveu o imenso laboratório planetário em repouso. Daí a algum tempo, na crosta solidificada do planeta, como no fundo dos oceanos, podia-se observar a existência de um elemento viscoso que cobria toda a Terra. Estavam dados os primeiros passos no caminho da vida organizada. Com essa massa gelatinosa, nascia no orbe o protoplasma e, com ele, lançara Jesus à superfície do mundo o germe sagrado dos primeiros homens. ”

Nunca teriam os tempos subsequentes da Trias, Jura e Creta — uns trezentos milhões de anos antes da nossa era — visto os gigantescos sáurios de 25 metros de comprimento e 40 toneladas de peso; nunca teria o período Terciário — cerca de duzentos milhões de anos antes do nosso tempo — produzido essa imensa variedade de peixes, répteis, aves e mamíferos, se não imperassem sobre a terra a dor e o seu sorridente irmão, o prazer.

Nunca teria o microscópico protozoário unicelular saído do nível primitivo da sua extrema simplicidade, se não fora capaz de sentir algo de agradável e desagradável dentro da gotinha incolor de protoplasma que lhe constitui o corpo gelatinoso.

Nem jamais teria ao mundo dos peixes e répteis sucedido o das voláteis e dos quadrúpedes, se na criação de órgãos locomotores mais perfeitos não houvesse alguma sensação de prazer suplantando o desprazer.

Sobre as asas noturnas da dor e as asas diurnas do prazer se processa toda a evolução do mundo orgânico.

Fonte:

Huberto Rodhen

A Caminho da Luz – Francisco Cândido Xavier

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