EXISTÊNCIA
DE DEUS
Falar
da figura de Deus constitui sempre uma tarefa muito difícil, embora agradável,
tendo em vista a distância que, em todos os aspectos, separa os homens,
criaturas finitas e imperfeitas, da incomensurável grandeza e perfeição do
Criador. Assim, Deus melhor se sente do que se entende. “Há coisas que de tão
profundas só se sentem, não se descrevem”.
o
professor Rubens Romanelli, da seguinte forma:
“Viviam
num edifício de sete andares, moradores cujos olhos jamais tinham contemplado a
luz do sol, a não ser através das vidraças diversamente coloridas de cada
pavimento. Encerrados nos limites de seu pequeno mundo, cada qual fazia uma ideia
diferente quanto à cor da luz solar. Os moradores do primeiro pavimento diziam
que era vermelha, porque vermelhos eram os vidros através dos quais se
habituaram a vê-la. Os do segundo pavimento diziam, por sua vez, que era
alaranjada, porque alaranjados eram os vidros pelos quais ela diariamente se
filtrava. Os do terceiro diziam, pela mesma razão, que era amarela. Os do
quarto diziam que era verde. Os do quinto, azul. Os do sexto, anil e os do
sétimo diziam que a luz solar era violeta.
Certo
dia, porém, um morador mais inteligente e indagador resolveu sair do edifício,
e surpreendido com a luz do sol, que lá no alto se decompunha na policromia do
arco-íris, compreendeu logo que cada morador havia apreendido somente uma
parcela da verdade. Tudo se passava exatamente como se cada um deles, em seu
próprio pavimento, tivesse a visão limitada a uma faixa apenas, dentre as sete
faixas luminosas do espectro solar. A luz do sol era realmente da cor sob que
cada qual a tinha visto, mas era também muito mais do que isso: era a síntese
das sete cores. Assim como cada morador via o sol, assim também cada criatura
humana vê Deus. Situado em diferentes faixas de evolução, cada um o verá sob um
aspecto diferente, segundo a coloração do seu entendimento. Chegará, no
entanto, um dia em que a criatura transcenderá os limites do seu mundo e
compreenderá Deus em sua essência, na síntese de seus atributos”.
RRJ – Quer
dizer, então, que os homens sempre se abstiveram de estudar a figura de Deus
por não poderem entendê-lo?
Voltaire
teve um Seu raciocínio prático, ao afirmar: “O Universo me espanta e
não posso imaginar que este relógio exista e não tenha relojoeiro”. Assim,
diante da realidade do Universo, é forçoso reconhecer que ele foi feito por
alguém.
Se
esse alguém não foi o homem, só pode ter sido Deus, mas este nos concede sempre
o benefício da dúvida, não é mesmo?
S.
Tomaz de Aquino, autor da famosa Summa Theológica, trouxe a prova da existência
de Deus mais convincente, baseada nos argumentos metafísicos.
Metafísica
quer dizer: estudo das ciências não físicas, e faz parte da Filosofia, cujo
objeto é o estudo das causas primeiras ou primárias, das causas supremas.
Dessas causas uma é a maior, Deus.
Argumentos
metafísicos são assim sutis, transcendentes.
a
existência de Deus pelos argumentos metafísicos. Quais são eles?
Tomaz
de Aquino nos diz que a existência de Deus pode ser provada por cinco vias, que
são a do movimento, da causalidade, dos seres contingentes, dos graus de
perfeição dos seres e da ordem do mundo. Esses argumentos são assim sintetizam:
1.
Se no mundo existe movimento ou mudança, que caracteriza o
vir-a-ser, deve existir um motor primeiro que não seja movido por nenhum outro,
pois se tudo fosse movido, teríamos o efeito sem causa;
2.
Há uma causa absolutamente
primeira, transcendente às causas em geral; assim, se existem as causas
segundas, deve existir a causa primeira, porque as causas segundas são efeitos.
RRJ
– Lembramos aqui que os Espíritos definiram Deus como a Causa primária de todas
as coisas.
GM – Exatamente. Causa primária ou primeira. Mas vamos aos outros argumentos:
3 – Existem seres contingentes, que não possuem em si mesmos a razão de sua existência, que são mas poderiam não ser; se existem seres contingentes, deve existir um ser necessário;
4 – Nas coisas existem vários graus de perfeição, referentes à beleza, à bondade, à inteligência, à verdade; então deve haver um ser infinitamente perfeito, porque o relativo exige o absoluto;
5 – Prova pela
ordem do mundo, pela organização complexa do Universo, pelo governo das coisas,
tudo devido a uma inteligência ordenadora, superior, absoluta, necessária.
RRJ –
Estamos vendo que somente com sofismas e manifesta incredulidade se poderá
negar a existência de Deus. Do outro lado, estamos vendo que o Espiritismo se
estrutura em conceitos filosóficos dos mais elevados. Com relação a Deus, que
prova nos oferece o Espiritismo quanto à sua existência?
GM – Você
viu que as provas citadas não repugnam à inteligência mais lúcida e mais lógica
e o Espiritismo nada lhes tem a opor. Quanto à existência de Deus, se não
houvesse motivos outros para admiti-la, este seria bastante, conforme está na
Questão 4 de “O Livro dos Espíritos”: “Onde se pode encontrar a prova da
existência de Deus?”
Resposta:
“Num axioma que aplicais às vossas ciências. Não há efeito se causa. Procurai a
Causa de tudo que não é obra do homem e a vossa razão responderá”. E Kardec
acrescenta: “O universo existe, logo tem uma causa”. Por isso, repetimos: Deus
é a causa primária de todas as coisas.
RRJ –
Parece que Meimei tem uma página que bem ilustra esse assunto…
GM– É verdade.
Há uma página simples, mas interessante, de Meimei, na obra “Ideias e
Ilustrações”, psicografada por Chico Xavier, capítulo 47, que vem a calhar. Ela
conta que um velho árabe analfabeto orava com tanto fervor e com tanto carinho
cada noite, que, certa vez, o rico chefe da grande caravana chamou-o à sua
presença e lhe perguntou:
–
Por que oras com tanta fé? Como sabes que Deus existe, quando se nem ao menos
sabes ler?
O
crente fiel respondeu:
–
Grande senhor, conheço a existência de nosso Pai Celeste pelos sinais DELE.
–
Como assim? Indagou o chefe, admirado. O servo humilde explicou-se:
–
Quando o senhor recebe uma carta de pessoa ausente, como reconhece quem a
escreveu?
–
Pela letra.
–
Quando o senhor recebe uma joia, como é que se informa quanto ao autor dela?
–
Pela marca do ourives. O empregado sorriu e acrescentou:
–
Quando ouve passos de animais, ao redor da tenda, como sabe, depois, se foi um
carneiro, um cavalo ou um boi?
–
Pelos rastros, respondeu o chefe, surpreendido.
Então,
o velho crente convidou-o para fora da barraca e, mostrando-lhe o céu onde a
Lua brilhava, cercada por multidões de estrelas, exclamou, respeitoso:
–
Senhor, aqueles sinais, lá em cima, não podem ser dos homens! Nesse momento, o
orgulhoso caravaneiro, de olhos lacrimosos, ajoelhou-se na areia e começou a
orar também.
Não
há dúvida, caros ouvintes, de que só o orgulho tolo do homem pode negar a
existência de Deus. Isso, entretanto, constitui atitude passageira, pois todos
um dia o encontrarão, de vez que cada um de nós tem D’ELE a intuição de sua
existência, como está na Questão 5 de “O Livro dos Espíritos”.
RRJ – Não
havendo para o crente nenhuma dúvida quanto à existência de Deus, podemos
defini-lo? Podemos conhecer sua natureza?
GM –
Comecemos por esclarecer que definir é limitar, o que é impossível com a figura
de Deus: Infinito, Absoluto, Eterno. Por isso já dissemos que Deus se sente,
não se define, não se pode conhecer em sua estrutura íntima. Isso não impede,
entretanto, que especulemos, no bom sentido, pois o homem é um ser eminentemente
metafísico. Já o Livro dos Espíritos nos informa que Deus é a “inteligência
suprema, a causa primária de todas as coisas”, o que nos leva a examinar o que
seja inteligência, o que seja causa. Sabemos que o espírito constitui o
princípio inteligente do Universo, mas que sua natureza íntima ainda nos é
desconhecida (Questão 23 de “O Livro dos Espíritos”).
A
inteligência, atributo essencial do espírito, é, segundo Claparede, a
capacidade de resolver problemas novos por meio do pensamento, é a capacidade
de adaptação a situações novas. Outro autor nos diz que é a faculdade pela qual
a alma conhece as coisas de maneira imaterial, o que vem a dar no mesmo. Isso
quer dizer que, diante da dificuldade, o homem pensa, reflexiona e procura
resolvê-la, superá-la da melhor maneira para ele próprio.
Entretanto,
a inteligência no homem é limitada, só em Deus é suprema, nenhuma outra se lhe
pode igualar. A prova dessa inteligência superior está na obra de Deus, o
Universo infinito (Questão 9 de “O Livro dos Espíritos”).
A
noção de causa também é importante para conceituar o Criador, na medida em que
isso é possível. Causa é um conceito filosófico importante e se define com tudo
quanto concorre para que uma coisa exista. Como a existência de todas as coisas
e seres se deve a Deus, diz-se que Ele é a causa primária, principal,
eficiente, de que dependem todas as outras causas.
RRJ – Pelo
que estamos vendo, têm razão aqueles que afirmam ser o espiritismo uma doutrina
profunda, embora seja também muito clara e convincente. Assim, satisfaz tanto
ao homem simples como ao intelectualizado. Não é mesmo?
GM –
Estamos de pleno acordo com você. Mas continuemos. Da natureza de Deus sabemos
apenas que é espiritual. Para melhor entendê-lo, porém, costumamos adjetivá-lo,
pois o adjetivo, limitando-o, torna-o mais acessível à nossa compreensão
limitada. Por isso citamos os chamados atributos de Deus, como está na Questão
13 de “O Livro dos Espíritos”: “Deus é eterno, não teve princípio, nem terá
fim, por isso é chamado o INCRIADO; é infinito, isto é, nada o limita; é
imutável, pois não está sujeito a mudanças de qualquer espécie; é imaterial,
portanto é puro Espírito; é único, pois se houvesse mais de um, teríamos
deuses, não Deus; é onipotente, porquanto nada lhe é impossível; único e soberano,
nada se lhe opõe; é soberanamente justo e bom, pois a todos concede suas
graças, sem parcialidade e com amor. Poderíamos acrescentar a esses os chamados
atributos entitativos ou metafísicos, assim enunciados pelos filósofos:
simplicidade, infinitude, unicidade, imensidade, eternidade. Como disse o
filósofo Garcia Morente, não podemos saber o que é Deus, sua essência ou
natureza, apenas quem é Deus, ou seja, atestar sua existência. Nós, espíritas,
reconhecemos nossa inferioridade moral e procuramos sentir DEUS, como Criador e
Senhor dos nossos destinos, o Pai amantíssimo que nos destina um futuro
glorioso, que estamos longe de poder prover, apenas imaginamos.
RRJ – Como
disse Emmanuel no livro “Fonte Viva”: “Não perguntes se Deus é um foco gerador
de mundos ou se é uma força irradiando vidas. Não possuímos ainda a
inteligência suscetível de refletir-lhe a grandeza, mas trazemos o coração
capaz de sentir-lhe o amor. Procuremos, assim, Nosso Pai acima de tudo e Deus,
Nosso Pai, nos escutará”. Sabemos que Deus é distinto de sua Criação, como está
esclarecido na Q. 77 de “O Livro dos Espíritos”. Por esse motivo o Espiritismo
repele o panteísmo. Por outro lado, imanência e transcendência são noções
inseparáveis, segundo o exige a própria razão. Gerson, você pode nos explicar
melhor esse aspecto da apreciação que estamos fazendo, com o devido respeito à
figura divina?
GM – Para
começar, dizemos que o Espiritismo é dualista, de vez que admite a separação,
em essência, substancial de Deus, o Criador, de sua criação. Imanência de Deus
significa sua presença espiritual em tudo, como causa final e universal, de vez
que Ele é o Criador de todas as coisas e seres. Por isso disse o apóstolo
Paulo: “em Deus temos a Vida, o movimento, o Ser”. Entretanto, a imanência de
Deus não impede sua absoluta independência em relação ao Universo, que Ele
criou, e é isso que denominamos de transcendência.
Assim,
imanência e transcendência se completam na natureza divina, pois sem a
primeira, Deus se faria estranho ao Universo e não seria, por isso, infinito
nem perfeito. Sem a transcendência, Deus seria idêntico ao Universo e também
imperfeito, como o próprio Universo em evolução. Assim, em resumo: Deus, por
suas leis, eternas como Ele, está presente na Criação, por efeito de sua imanência,
sem se confundir com o
Universo
criado por Ele (Questão 77 de “O Livro dos Espíritos”), isto
porque
as leis de Deus permitem a ligação de todas as coisas ao Seu poder e à Sua
perfeição; entretanto, por Sua transcendência, Deus continua distante do Universo,
independente de tudo quanto cria.
RRJ – Como
você já fez em relação ao entendimento da figura divina e de sua existência,
poderia ilustrar com uma historieta a questão da presença de Deus em todas as
coisas? Assim, o assunto ficará bem mais interessante, não é mesmo?
GM – Sem
dúvida, Marcos. Há o episódio de um sábio hindu que, inspirado, dizia ao
discípulo:
–
Meu filho, em tudo podemos notar a existência, a presença de Deus,
sustentando-nos a felicidade e a segurança. Na beleza da flor, no verde da
mata, no azul do céu, na majestade do oceano, no animal que passa, no brilho
das estrelas, no sorriso da criança… Em toda a Criação, há sinais da Sublime
Presença, convidando-nos à confiança e oferecendo-nos conforto e alegria.
Impressionado com tais raciocínios, o discípulo deixou a casa do mestre, e,
retornando ao lar, divagava:
“Sim,
Deus está presente em tudo: nesta flor que desabrocha deslumbrante, naquela
cascata que canta a sublimidade da Criação, no Sol que ilumina o Mundo…”.
Despertando do seu deslumbramento íntimo, avistou um elefante furioso que
corria pela estrada em sua direção. Montado no animal, um homem advertia,
desesperado, aos gritos:
–
Sai da frente! Sai da frente!
“Ah!”
– suspirou, tranquilo, o crente. “Deus está em tudo. Nada há a temer, porquanto
a Majestade Divina está presente também naquele elefante furioso que se
aproxima. O nobre animal também faz parte da
Criação…”.
Mal teve tempo de formular semelhante raciocínio, foi violentamente colhido
pelo paquiderme, que o atropelou como um trem expresso, jogando-o à distância.
Com contusões generalizadas, sentindo mil dores, foi socorrido por seu mestre,
que ouvira o barulho. Medicado, ainda gemendo de dor, o discípulo comentou
queixoso:
–
Mestre, o senhor disse que Deus está em todas as manifestações da Natureza, até
nos animais. Veja como fiquei por confiar em que o Senhor Supremo estava
naquele elefante furioso!…
O
sábio sorriu e respondeu:
–
Meu filho, realmente Deus está presente em tudo. Até mesmo naquele elefante
furioso. Entretanto, você se esqueceu de que o Todo Poderoso estava presente
também naquele homem que gritava a plenos pulmões: “Sai da frente! Sai da
frente!…”.
RRJ – Uma história
bem sugestiva essa, que você nos transmitiu. Deus, de fato, está presente em
tudo. Gostaríamos que você, agora, nos dissesse alguma coisa a respeito de
outro problema intimamente ligado a Deus, ou seja, a compreensão que devemos
ter da existência do Bem e do Mal. Eu pergunto: existe o mal? Deus é o seu
autor? Se não é, porque permite a existência do mal?
GM – Nós,
espíritas, sabemos que Deus é puro amor e jamais nos criaria para o sofrimento.
Deus, portanto, não é o autor do mal, fruto apenas de nossa imperfeição.
Começamos por dar alguns conceitos emitidos por estudiosos desse assunto, que
tanto tem preocupado filósofos e religiosos em todos os tempos:
“O
Bem é essência do Criador, o mal, essência da criatura” – S. Paulo.
“O
Mal é a medida da inferioridade dos mundos e dos seres” – Gustave Geley.
“O
que é o Mal? É Deus que adormece na consciência humana” – Victor Hugo.
“Fundamentalmente
considerada, a dor é uma lei de equilíbrio e educação” – Leon Denis.
“O
Mal é a ausência do Bem” – Allan Kardec.
Ainda
é de Léon Denis esta definição, que consideramos muito boa:
“O
Mal é o Menos evoluído para o Mais, o Inferior para o Superior, a Alma para
Deus”.
Emmanuel
afirma, em “O Consolador”, pergunta 135, que “o mal essencialmente considerado,
não pode existir para Deus, em virtude de representar um desvio do homem, sendo
zero na sabedoria e na
previdência
Divina”.
RRJ – São
conceitos muito interessantes esses que você citou, do mal. Entretanto,
gostaríamos de conhecer alguma explicação que fosse aceitável a respeito da
existência do mal e sua utilidade.
GM
– Vejamos a opinião, por exemplo, do prof. Carlos Toledo Rizzini, em seu ótimo
livro “Evolução para o Terceiro Milênio”: “Para progredir foi permitido ao
Espírito humano violar a Lei, promover a desordem ao redor de seus próprios
passos, de modo a conhecer as consequências do erro e afastar-se dele. Deus dispôs,
portanto, que durante certo tempo lhe fosse possível abusar e errar para
aprender, pagando o preço do sofrimento. É a dor o fator que traz o homem de
volta ao regaço divino, depois que se desviou do rumo traçado pela Lei”. D.
Ludegero Jaspers, em seu Manual de Filosofia, afirma que “Deus recusaria ao
homem a liberdade, nobre prerrogativa, se não lhe desse possibilidade de agir
e, portanto, de errar. Por isso Ele dá mérito ao homem que resiste ao mal”.
Outro
professor de Filosofia, R. Jolivet, em seu livro “Cursos de Filosofia”, assim
se exprime: “O mal resulta da criatura finita, que peca criando-o, embora ele
não seja absolutamente necessário: o homem tem livre-arbítrio, que Deus
respeita, garantindo sua liberdade. Ele peca voluntariamente. Essa liberdade,
mesmo falível, é um bem: o poder determinar-se, ser o fruto de seus erros e
acertos. A criatura assume, sozinha, a responsabilidade do mal. Assim, o mal
serve ao bem, é útil. Seria absurdo se existisse sem nenhuma utilidade. É meio
de reparação, fonte de mérito: o homem corrige-se e segue o bem. Que é o bem? É
o que nos faz realizar a perfeição de nossa natureza. Esse fim último está na
conquista da felicidade”.
Como
vemos, esses conceitos se enquadram nos da filosofia espírita, segundo a qual o
Espírito, criado simples e ignorante, é dotado de liberdade ou livre-arbítrio,
que lhe permite escolher, optar entre o que é certo, segundo a Lei de Deus, e o
que a contraria, ou seja, o mal. Pelo resgate das culpas, através do
arrependimento, da expiação e da reparação, o Espírito se redime e alcança a
felicidade.
RRJ –
Sabemos que o mal pode ser físico, moral e metafísico. Gerson, o que você pode
nos dizer do mal físico? Como conceituá-lo na problemática espírita?
GM – O mal
físico consiste na dor fisiológica e tem função de regeneração e reparação.
André Luiz nos esclarece, em sua obra “Ação e Reação”, Capítulo XIX, que há
três formas de dor, dor essa a respeito da qual afirmou Vítor Hugo: “Dor! Chave
dos Céus!”:
DOR-EVOLUÇÃO – mola
do progresso, atuando de fora para dentro, aprimorando o ser, por isso atinge
os próprios animais irracionais;
DOR-EXPIAÇÃO – que
vem de dentro para fora, marcando a criatura no caminho dos séculos, detendo-a
em complicados labirintos da aflição, por regenerá-la perante a Justiça.
Regenera o Espírito, provocando-lhe o arrependimento, sujeitando-a a expiação e
o levando à reparação das faltas;
DOR-AUXÍLIO – que
evita o mal maior, a queda no crime ou concorre, frequentemente, “para o
serviço preparatório da desencarnação, a fim de que não sejamos colhidos por
surpresas arrasadoras, na transição da morte”. Sobre esta modalidade de dor,
temos uma sugestiva página de Humberto de Campos, intitulada “A Moléstia
Salvadora”, componente do livro “Reportagens do Além Túmulo”. É o caso de um
espírita, casado, com filhos, que se vê enredado por moça leviana, que o induz
a abandonar o lar, para viver com ela. Embora assistido por um Espírito amigo,
o confrade está prestes a fazer a vontade da moça, sentindo-se fraquejar. É
então que outro espírito, mais sábio e experiente, aconselha o protetor do moço
a provocar nele uma doença séria, que o joga numa cama de hospital. A moça,
quando o vê prostrado, mal dissimula o desapontamento e some para sempre…
RRJ – Na
verdade, de quantos tombos nos livra a Espiritualidade, com seus recursos
maravilhosos, não é mesmo? E o Mal Moral, existe?
GM – Tanto
o mal físico como o moral são obras do procedimento dos homens, começam e
terminam entre eles. Deus não cria o mal. Com referência ao MAL MORAL, diremos
que consiste na violação do dever, dos princípios éticos, das leis divinas,
estando ligado ao nosso direito de liberdade e vontade, expressa através do
livre-arbítrio, levando um grande filósofo, Leibniz, a afirmar que “o mal
moral, no homem, é consequência de um grande bem – o livre-arbítrio; é condição
para o mérito”. Ele argumenta que “o mal metafísico é o limite puro e simples,
que resulta da ausência de perfeição não exigida pela Natureza: a planta não
vê, o homem não voa. O mal metafísico é apenas um limite e Deus só poderia
evitá-lo deixando de criar. A criatura é limitada necessariamente e mais vale existir
assim a não existir”.
Luciano
dos Anjos, no seu livro “DEUS É O ABSURDO”, afirma: “O mal metafísico não
existe; não tem realidade, nem objetivo e nem abstração; ele não pode ser
dentro da criação perfeitíssima de Deus. É preciso demonstrar pelo raciocínio a
sua necessidade de NÃO SER”.
RRJ – Na
verdade, ficamos confusos com o problema, procurando solução para ele em nossa
inteligência finita. É claro que há uma explicação aceitável, mas não atinamos
com ela, não é mesmo?
GM – É
claro que sim, pois não podemos duvidar da perfeição do Criador. O assunto,
entretanto, estará no rol daqueles que não nos é dado conhecer ainda, como está
nas Questões 10 e 17 de “O Livro dos Espíritos”.
Isso
não impede, porém, que nosso pensamento procure o porquê das coisas, na ânsia
de aumentar, sempre e sempre, o nosso conhecimento. O filósofo Battista Mondim,
em seu livro “Introdução à Filosofia”, afirma: “O termo criação quer evidenciar
a inexistência total do Mundo antes de sua produção por parte do Ser
subsistente. Por meio do ato criador, o Ser subsistente comunica seu ser ao
Mundo. Trata-se, porém, é óbvio, de uma comunicação limitada. O Ser subsistente
não cria um outro ser subsistente, mas um ser contingente. Por esse motivo o
Mundo não iguala a perfeição de Deus e muito menos se identifica com sua
realidade. O mundo simplesmente participa da perfeição do Ser subsistente, ou
seja, possui, de modo particular, limitado, imperfeito, aquela perfeição que no
ser subsistente se realiza do modo total, ilimitado e perfeito. Há, entretanto,
uma tensão permanente no Mundo para voltar à sua fonte primitiva, ao Ser
subsistente. Isso explica o profundo dinamismo que o permeia, a transformação
constante e a evolução maravilhosa que o anima: o Mundo está a caminho, na
direção de Deus”.
RRJ –
Muitos assuntos de grande interesse para a melhor compreensão da figura de
Deus, Nosso Pai e Criador, foram comentados nesta entrevista. Agora perguntamos
a você: de que recursos dispõe, então, o homem e, em particular, o espírita,
para progredir moral e intelectualmente, até que se possa defrontar com o
Criador, tornando-se, como Jesus, “um com o Pai”, como está no Evangelho de
João?
GM –
Marcos, dispomos, todos nós, graças ao Espiritismo, do conhecimento explicitado
da Lei de Deus, desdobrada em 10 partes. “Para abranger todas as circunstâncias
da vida, o que é essencial”, como diz a Questão 648 do Livro dos Espíritos. A
observância dessas leis é o caminho certo, seguro e único para essa finalidade.
Podemos dizer que Deus é a Lei e que essa Lei está escrita não em livros
perecíveis, mas em nossas consciências; entretanto, por acréscimo de
misericórdia, ela é revelada aos homens periodicamente. A última vez que isso
se deu foi com o advento do Espiritismo, que o ínclito Missionário Allan Kardec
codificou para todos nós. Lembramos que a primeira dessas leis – a de Adoração
– resume exatamente o mandamento maior de Jesus, que nos mandou amar a Deus
sobre todas as coisas, de todo nosso espírito. Essa lei nos mostra como ter
acesso, embora indireto, ao Pai Celestial, através da prece, do culto interno,
quando, ajoelhados, lhe entregamos nossos corações, sem vaidades, sem orgulho,
sem egoísmos, sem mágoas e nem ressentimentos.
RRJ – Vamos
terminando esta entrevista, mas antes pediríamos ao nosso Gerson que nos
oferecesse, como fecho de ouro, uma produção poética sobre Deus.
GM – Você
veio ao encontro de nosso desejo e aqui está uma bela poesia de Maria Dolores,
intitulada Deus é Caridade, obra prima da nossa irmã, que ela oferece como
lembrança aos companheiros da Doutrina Espírita e está publicada em Antologia
da Espiritualidade, edição FEB: DEUS É CARIDADE
Não guardes e nem
fales, coração,
Palavras de azedume
ou desesperação.
O verbo que
escarnece, esfogueia, envenena,
Traz em si mesmo a
dolorosa pena
De amarga
frustração!
Muitas vezes, nós
mesmos, trilha afora
No pensamento que
se desarvora,
Nas teias da ilusão
sem motivo ou sem base,
Para sair do mal e
regressar ao bem
Precisamos apenas
de uma frase
Do carinho de
alguém!
Na dor que nos
renova,
Quantas vezes na
vida a gente espera
Simplesmente um
sorriso,
Para fazer o
esforço que é preciso,
A fim de não perder
nas lágrimas da prova
A paz da fé
sincera!…
Pensa nisso e
abençoa
Aquela própria mão
que te espanca ou aguilhoa
Fel, tristeza,
amargura,
Transformam
desventura em maior desventura!
Se a mágoa te
domina,
Observa a lição da
Bondade Divina!
Se o homem tala o
campo nos horrores da guerra,
Deus recama de
verde as úlceras da Terra.
Cerre-se a noite
fria,
Deus recompõe sem
falta os fulgores do dia.
Atire-se um calhau
à frente na espessura,
Deus protege a
corrente
E a fonte lava a
pedra a beijos de água pura
E prossegue
indulgente.
Doce, clara,
bendita,
Fertilizando o
campo em que transita.
Isola-se a semente
pequenina
Na clausura do chão
E eis que Deus a
ilumina
E ela faz a alegria
e a fartura do pão!
Que a poda fira a
planta a golpes destruidores
E Deus reveste o
tronco em auréolas de flores!…
Conquanto seja em
tudo a Justiça Perfeita
Que nos premia,
ampara, aprimora e endireita
Pelo poder do amor
incontroverso,
Deus quer que a Lei
do amor seja cumprida
Para a glória da
vida,
Nas mais remotas
plagas do Universo!
Serve, pois,
coração,
À tolerância, à
paz, à bondade e à União;
Embora desprezado,
anônimo, sozinho,
Agradece em silêncio,
a injúria, o pranto, o espinho
E serve
alegremente…
Dor é nova ascensão
à Vida Superior!…
Rende-te a Deus e
segue para a frente,
Pois Deus é
Caridade e a Caridade ardente
Tudo cobre de
amor!…
NOTA:
RRJ
– Radio Rio de Janeiro
GM
– Gerson Simões Monteiro
FONTE:
Radio
Rio de Janeiro
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