terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

“O CRISTIANISMO DO CRISTO E O DOS SEUS VIGÁRIOS...”

 

“O CRISTIANISMO DO CRISTO E O DOS SEUS VIGÁRIOS...”

 

"A Igreja romana não relegou para segundo plano o pai, fazendo do filho o objeto exclusivo de seu culto de adoração? E o culto prestado a Maria já não ameaça substituir o que ela, a Igreja, presta ao filho? "Mas virá o tempo, e já veio, em que os verdadeiros adoradores adorarão o pai em ESPÍRITO E VERDADE; esses são os adoradores que o pai quer. " "Os Quatro Evangelhos" de J.-B. Roustaing, à pág. 221 - Vol 4 - 7ª Ed. (FEB) 1990.

 

A curiosidade levou a maiores conhecimentos mesmo que superficiais do Padre Alta, que mesmo doutor da Sorbonne abraçou a Doutrina Espírita. Como o livro é extenso transcrevemos apenas dois trechos da sua lógica inconformista com o clero.

CONCLUSÃO

A progressão maravilhosa do número dos cristãos, quando o Cristianismo ainda se encontrava na sua simplicidade nativa, e as necessidades de organização disciplinar que daí resultaram desde o começo do segundo século, rapidamente fizeram surgir a atribuição de uma autoridade predominante a um bispo único em cada "igreja", isto é, em cada "fraternidade de eleitos", por pouco importante que fosse.

Mais tarde, logo após a conversão (!!! há quem afirme que morreu pagão apesar de seu decreto) de Constantino, a adaptação às condições geográficas e administrativas do organismo romano criou logicamente uma hierarquia entre os bispos de uma mesma provinda e, os fez dependentes todos do titular episcopal do principal centro da província. Depois, o orgulho de dominação e as pretensões de inteligência que, entre os Gregos, ainda mais sutis do que os rabinos judeus, imediatamente suscitaram insensatas disputas teológicas, forçaram os imperadores a convocar os bispos para se reunirem em concílios e, até, com o intento de fazer que cessassem as disputas, e declarar obrigatórias, para todos os seus súditos, as definições metafisicas adotadas por maioria de votos. 

Mais tarde, no Ocidente, para resistir aos ataques dos bárbaros e reorganizar o que aquelas disputas incessantemente desagregavam, a necessidade que se fez sentir progressivamente de centralizar o episcopado reduzido a frangalhos e Roma estava logicamente indicada para centro natural dessa unificação reparadora.

Desde então, os papas romanos, admiravelmente servidos pelas ordens monásticas, organizaram uma hierarquia e uma dependência administrativas, depois um ensino histórico e uma ortodoxia teológica que, finalmente, por um último concilio reunido em Roma no ano de 1870, deferiram a Pio IX e aos seus sucessores a infalibilidade doutrinária e a autoridade total (o que Roma dita é verdade absoluta, por mais absurda que possa parecer, e os adeptos “católicos” estão impedidos de contestar sob pena de cometerem pecado mortal.

Pareceria haver nisso uma simples restauração da "lei de escravidão religiosa" que S. Paulo declarara abolida pela "lei de liberdade", que é o Novo Testamento notificado aos Gentios pelo Cristo, em oposição ao Judaísmo, e para, com efeito, dar corpo a essa ideia de contramarcha, todos os bispos, no dia da sagração, além da promessa de submissão absoluta ao Soberano Pontífice Romano, juram manter o Antigo Testamento, a par do novo.

Tal, à primeira vista, a ideia, algum tanto opressiva, que fatalmente sugere o decreto de autocracia papal imposto ao Catolicismo Romano pelos fins do século XIX.

Mas, em se refletindo, desde que se creia na inteligência divina e se leve em conta os obstáculos que lhe opõe a ininteligência humana, é de perguntar se esse recuo da liberdade cristã não seria análogo – em terreno muito outro - à retirada militar ordenada pelo general Joffre, para ir ter à primeira vitória do Marne,( 12 de setembro de 1914 que os franceses obtiveram uma importante vitória contra o exército alemão) e se essa abdicação voluntária do episcopado católico nas mãos do Sumo Pontífice, Vigário putativo de Jesus Cristo, não poderia, dar, sob uma impulsão celeste, no estabelecimento do verdadeiro Cristianismo.

Com o seu exército de bispos, padres, missionários, religiosos e religiosas, espalhados por toda parte e formados para lhe obedecerem como ao próprio Deus, o papa poderia, com efeito, produzir no mundo inteiro, com uma só palavra, o relâmpago e a eletricidade de obediência que acabariam num instante com todas as divisões, reconduzindo o Cristianismo à sua “primitiva simplicidade”: "Deus é o pai de todos os homens e todos os homens devem amar-se uns aos outros. Somente isto é religião, porque só isto religa os homens entre si. Tudo mais os divide; pois, não é, religião, mas política, arte ou ciência".

 

Foi certamente para lhe dar o poder de efetuar essa volta à revolução religiosa que Jesus Cristo pregou no primeiro século da nossa era, que a evolução de dezenove séculos fez do papa o senhor absoluto na Igreja Católica Romana. "Que ele, pois, ouça, ele que tem ouvido!" Qui habet aures audiendi audiat! clama-lhe o seu Mestre, Jesus Cristo. Se ele não escutar a voz do Espírito e se obstinar em querer manter a escravidão à Letra, a Letra matará o Sumo Pontífice de Roma, como matou o de Jerusalém, porquanto a letra mata, o Espírito é que vivifica: Littera enim occiditSpiritus autem vivificat. O Espírito, ao contrário, unificando sem tirania, nem monopólio todas as Igrejas, ainda hoje divididas por ortodoxias contraditórias, e reconduzindo-as à Didaquê primitiva, criaria enfim o verdadeiro Catolicismo: Catolicismo significa Universalismo. Uma Epístola católica é uma Epístola Universal.

 

Ah! sou "uma voz que clama no deserto", vox clamantis in deserto. Creio, porém, firmemente, que o nosso século é o da passagem decisiva do Cristianismo para o desabrochamento que de modo claro o Cristo lhe assinalou, porquanto, segundo diz a parábola evangélica, a unidade de uma árvore tem que desabrochar numa multidão de ramos dissemelhantes em suas formas e variados nas suas direções, se bem que vivendo todos da mesma seiva. Esse desenvolvimento livre é necessário, para que o Cristianismo Romano dê flores, depois frutos, que o tronco único, embora plantado em Roma, não poderia produzir, acrescentando a parábola: para convidar e receber "os pássaros do céu", isto é, os intelectuais, que o tronco inóspito, erguido para o ar qual cepo, mal atraia e isso mesmo para galhos artificiais e para ninhos administrativos, com proibição absoluta de deixar que suas ideias se evolem e batam livremente as asas pelo espaço.

O que digo com relação à Igreja Romana, digo-o das outras Igrejas: que cada uma, na vida que lhe é peculiar, facilite cada vez mais a livre expansão dos pensamentos e das obras e pense, em seguida, nas outras Igrejas que, juntas todas, compõem o jardim variegado do Catolicismo, isto é, do Universalismo. "Toda árvore que não dá bom fruto será cortada e lançada ao fogo", diz Jesus Cristo, e "o fruto do Espírito é a caridade, a alegria, a paz", diz S. Paulo aos Gálatas, não os anátemas recíprocos (5:3;22 - Mas o fruto do Espírito é:  amor, alegria, paz, longanimidade,  benignidade,  bondade,  fidelidade. Mansidão, autodomínio. Contra estas coisas não existe Lei.).

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Os antagonismos das ortodoxias rivais obstam, sem dúvida, a esse preceito divino de paz e união fraterna; mas, um meio haveria, parece-me, de fazer que cessassem as competições e que desaparecessem as divisões entre as Igrejas. O Catolicismo Romano é reconhecido como sendo o que maior número de súditos conta, entre os que se dizem ao serviço do Cristo: que, pois, o papa de Roma convide fraternalmente, em nome do Cristo, os chefes supremos das outras Igrejas para uma conferência fraterna numa cidade qualquer; que, depois de uma apresentação recíproca e de uma conversação afetuosa, leiam juntos a Didaquê, catecismo cristão anterior a Constantino; que todos solenemente se comprometam a não impor jamais aos seus fiéis nenhum outro dogma posterior a essa primitiva dogmática; que todos, em seguida, abdiquem das suas pretensões rivais de superioridade recíproca; que cada um coloque seu nome numa urna e um menino, com os olhos vendados, tire à sorte o nome do predestinado que o Espírito de Deus escolher para reconstituir, com a livre cooperação dos outros, o Catolicismo verdadeiro, na simplicidade dogmática de S. Paulo, e a sua liberdade disciplinar ou científica, absolutamente alheio às disputas das escolas e dos concílios.

 

Somente a esse preço o Cristianismo se tornará Catolicismo, isto é, Universalismo e cada árvore, diferente do jardim do Cristo será a árvore prometida pelo Evangelho, onde os pássaros do céu farão seus ninhos, como diz S. Mateus (- o grão de mostarda-embora seja a menor de todas as sementes, quando cresce é a maior das hortaliças e tornar-se árvore, a tal po0nto que as aves do céu se abrigam nos seus ramos), pássaros e árvores de espécies diversas.

“Ouça quem tiver ouvidos de ouvir o que o Espírito diz às Igrejas, pois que o tempo se aproxima!" declara o Apocalipse.

 

Evidentemente, a todos os funcionários eclesiásticos possuidores de um título elevado na organização atual do Catolicismo Romano sobram motivos para manterem as conquistas penosamente realizadas no curso dos séculos, do mesmo modo que a aristocracia e a realeza, em França, nas vésperas da Revolução, tinham desculpa para se obstinarem em manter o regime do "bel prazer real", formulado por Francisco I e constituído sob Luís XIV.

Como é, com efeito, que um papa gloriosamente reinante, quando celebra a missa pontifical em S. Pedro de Roma, trazendo à cabeça a tiara, naquela pompa mais que real aos adornos pontifícios, com a grandiosa corte de cardeais e prelados cobertos de ouro e púrpura, com um cortejo imenso de padres recamados e serviçais magníficos, numa atmosfera de adorações de toda a assistência, concentradas na sua augusta pessoa, poderia admitir que aquele Cristianismo deslumbrante, tão glorioso para ele papa, não seja o verdadeiro Cristianismo?

Como é que um arcebispo, um bispo, ao celebrar suas funções eclesiásticas com a magnificência oficial; como é que um cura das ricas e nobres paróquias de Paris, recebendo de trinta a quarenta mil francos por um grande enterro ou um grande casamento, poderiam

imaginar que uma organização eclesiástica que lhes confere tais honras e honorários não seja a perfeição absoluta da organização eclesiástica? Considero-os, em realidade, desculpáveis em afastarem, com um sorriso de desdém, o livro, se porventura o encontrem, ainda que fosse o Evangelho de S. João, dedicado "ao papa de gênio que elevar a Igreja Católica, do Cristianismo.

Entretanto, Monsenhores, a Constituição romana da Igreja é uma criação humana in totum diferente da instituição divina. Demonstrei-o historicamente “neste volume” e vou demonstrar logicamente, em poucas palavras, que a fé que consiste em crer-vos ou crer nos vossos catecismos, não é de modo algum a fé. Ela mesma, ao demais, o prova, porquanto não produz em absoluto os milagres que Jesus Cristo promete à fé.

Devo render-vos a homenagem de reconhecer que, nos vossos catecismos impressos, ainda ensinais que a fé, a esperança e o amor de Deus são "virtudes que se reportam diretamente a Deus".

Mas, praticamente, segundo a formação ativa, por vós, dos vossos fiéis

passivos, o amor de Deus, sobretudo nas religiosas enclausuradas, se reporta diretamente à pessoa de Jesus Cristo, ou, ainda mais piedosamente, ao seu coração de carne. A esperança se reporta às indulgências que vos digneis de permitir ganhemos durante a nossa vida e se reporta igualmente ao número de missas que vos paguem por nós, depois da nossa morte. Quanto à fé, a que impondes sem nenhum respeito humano, consiste em crer sem exame no que denominais "os dogmas da fé"; pelo único motivo de que assim o ordenais. Contudo, o nosso ensino, objetar-me-eis, não é ensino nosso, é "o ensino da Igreja".

 Admirável abstração, sem dúvida, essa dama, "a Igreja", como esse senhor "o Estado", que nunca ninguém teve a honra de ver, senão nos seus representantes, de maneira nenhuma infalíveis.

"- O Estado não é infalível, não! mas a Igreja é infalível, sim!"

E seus representantes também o são! Ninguém o suspeitaria, garanto-vos. Mas, afinal, Monsenhores, devo crer no ensino da Igreja, não é? porque a Igreja é infalível! Evidentemente, toda a questão se resume nisso e não noutra coisa. Entretanto, porque, peço me digais, devo crer na infalibilidade da Igreja?

 "- Porque...

 - Está a questão embaraçosa, não é, Monsenhores?

 - Absolutamente! Deveis crer na infalibilidade da Igreja, porque a Igreja vo-lo ordena."

 - Sabeis, Monsenhores, que esse raciocínio é exatamente o que em lógica se chama "um círculo vicioso", isto é, uma burla, o oposto de uma razão. Se tratais com um espírito dotado de razão, comigo, por exemplo, ver-vos-eis compelidos a me demonstrar por meio da razão, do Evangelho, da História, que a Igreja, tal como sempre existiu, ainda existe sob os meus olhos, é verdadeiramente divina e divinamente infalível. Eis-vos, portanto, forçados a recorrer à razão e à ciência, para me demonstrar que devo crer-vos; e eis-vos, pois, sob a base oficial que pretendeis impor à minha fé: "a autoridade da Igreja", obrigados a chegar à base única: a razão, isto é, a visão, por mim mesmo, do que motiva a minha fé, ou, seja, a luz. É por a, com efeito, que a minha fé se reportará a Deus, porque "Deus é luz" e a luz intelectual é a única manifestação de Deus à razão do homem.

Em Direito, crer sem ver não é uma fé que se possa qualificar de divina; crer sobre a palavra dos homens, quaisquer que eles sejam, não é também uma fé a que caiba aquele qualificativo, mas confiança humana. Em matéria de fato, no tocante ao ensino religioso, essa confiança dos fiéis na palavra da sua respectiva Igreja - porquanto elas são muitas e se

excomungam umas às outras - gera, não a unidade nem a fraternidade, mas divisões, hostilidades e fanatismos, que dê certo a autoridade da Razão não geraria. Nas ciências humanas, respeito às quais o aluno pode verificar materialmente as afirmações de seus mestres, o ensino destes não poderia ser uma exploração; na ciência espiritual, porém, a fé por procuração, segundo declaração mesma da Igreja, não é, de modo nenhum, uma certeza. Porque, afinal, segundo vós outros, católicos romanos, a fé dos ortodoxos gregos ou russos nas suas Igrejas grega ou russa é um erro; entretanto, para eles, o motivo de fé é exatamente idêntico ao dos vossos fiéis: crer no que lhes ensina a Igreja deles.

Círculo vicioso, manifestamente, e, portanto, o contrário de uma virtude; petição de princípio e, portanto, fonte de erros, não infalibilidade.

Não há mister, em verdade, discutir todos os textos do Evangelho e todos os fatos da História, para demonstrar que nenhuma Igreja é infalível, nem a Igreja romana, nem as outras. Basta comprovar que todas são acordes em atribuir a Deus está abominável crueldade: a condenação eterna.

Renunciem, pois, todas à pretendida infalibilidade, que é uma tirania intelectual; voltem ao Cristianismo do Cristo, que unicamente pede a fraternidade entre todos, no amor do Deus único, Pai de todas as criaturas. Pelo que toca ao conhecimento de Deus, não peçais a cada um, senão "segundo a medida de fé que Deus mediu para cada um", escreveu formalmente São Paulo, "somente essa fé constitui uma adoração racional"(exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de Deus: esse é o vosso culto espiritual E esse não vos conformeis com esse mundo, mas transformai-vos, renovando a vossa mente a fim de poderdes discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom,, agradável e perfeito.Rm 12:1,3). E Deus mede a cada um, diz Jesus, segundo a capacidade de cada um: unicuique secundum propriam virtutem (Mt 25;15- a um deu cinco talentos, a outro dois, a outro um. A cada um de acordo com a sua capacidade. E partiu imediatamente).

A missão do Clero não é impor a sua autoridade: Nolite vocari magistri, magister vester unus est Christus.  A missão do Clero é instruir-se cada vez melhor e devotar-se cada vez mais: Qui primus est inter vos fiat vester minister . Ele desceu a encosta dos arrastamentos humanos, é-lhe preciso subir a encosta por onde desceu. Transformar-se ou perecer, tal o dilema que o progresso da liberdade e da ciência impõe, a todas as Igrejas, em primeiro lugar à Igreja romana que, sendo a mais poderosa, tem maiores responsabilidades.

FONTE:

Padre Alta (Doutor pela Sorbonne) sexta-feira santa de 1921 ( (nascido Calixte Mélinge em 1842 em Montlieu-la-Garde e falecido em 1933) é um escritor e clérigo francês, autor de vários livros relacionados ao gnosticismo . O pseudônimo vem de um livro de Joséphin Péladan , The Supreme Vice (1884).)

Tradução de Guillon Ribeiro

Editores Vigot Frères, Paris

https://aron-um-espirita.blogspot.com

NOTA:

“Evidentemente vocês não encontrarão absolutamente nada do Padre Alta na web pois a igreja católica já se preocupou em deletar todos os dados referentes a ele. Só existe algo em seus livros alguns ainda em sebo”.

 

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