QUEDA DE ALMA
Que aconteceu comigo? Eu era feliz, dono da luz e
da força do espírito; dominava um panorama imenso, era livre
e soberano — e daquela luminosa altura fui
precipitado a um mar de trevas.
Volto a mim cansado, aturdido, nauseado de mim e da
vida.
Que torpor nos membros! O dinamismo do espírito
desvaneceu-se, não ficou em mim senão a matéria preguiçosa
e inerte. já não sei arrastá-la. Sou pedra entre
pedras, abandonada na estrada.
Há um frio de morte nas minhas vísceras. Nos ossos
sinto sensação de vazio. Coleio pela terra viscosa, envolto em lodo. Em meu
coração há o sentido da minha inutilidade.
Senhor, enxota-me. Eu o mereço.
Eu estava na glória de tua luz quando uma lisonja
vã, tenaz, traidora, cheia de atrativos, como um polvo, avizinhou-se de mim
lentamente, me estreitou com uma carícia; depois, estreitou-me mais fortemente,
paralisou-me cada movimento de defesa e me venceu. Quando eu quis reagir era
tarde. Levou-me arrastado, cego, mudo, aturdido, amarrado, para as profundezas.
O cansaço me venceu, diminuiu a tensão da subida; a
matéria, pronta para a vingança, se apossou de mim.
Deus meu! Como estou triste sem ti!
Porque, afinal, o veneno doce e traidor exauriu a
sua virulência, o espírito começou a se reerguer e só agora vi meu depauperamento.
Não tenho mais coragem de orar, já não tenho força
para ascender, não tenho mais esperança para agir. Aqui em baixo, o meu belo
sonho é uma zombaria. Cristo é um absurdo, porque aqui reina uma verdade feita
de estridor de luta e de egoísmo. Aqui não existe a paz de alma. Aqui tudo
insulta meu passado. O ideal pelo qual vivi e tudo dei é considerado um ideal
de loucura. Reabre os olhos em uma luz tão turva que é quase apagada, obstruída
por zonas e nesgas imensas de opacidade. Uma confusão de forças caóticas
contorce em mim, numa dissonância penosa, a divina harmonia da vida. Vejo essas
forças se entrelaçarem em deformações horrendas que me ferem com seus ângulos
pungentes, saltos ásperos e desordenados, impulsos de luta e rebelião. Elas
dançam em torno de mim em vértices vertiginosos que me envolvem numa sensação
de espasmo, com emissão feroz de gritos desesperados, lá onde havia cantos
harmoniosos e paz cheia de alegria. Essas forças deslizam ao longo de um
declive sempre mais íngreme, projetadas para medonhas profundidades abismais e
lá em baixo as trevas se tornam sólidas a tal ponto que nenhuma espada
flamejante de luz as poderá despedaçar.
E o vértice é aberto e ativo; uma vez presas as
almas em suas espirais, a sua atração as atira para o abismo tenebroso. É um
vértice de forças no qual se precipita um fluxo palpitante de almas a urrarem
desesperadas, agarradas ao seu desespero.
No terror dessa visão, o meu espírito desperta e,
pelo terror, recupero a força para tornar a subir, tenso, à atmosfera rarefeita
de que tombei.
Desperta e, enquanto luta, para retomar a subida,
ainda o eco dos motejos o segue: "Tolo, tolo! Não vês que enquanto dás,
todos os outros só pretendem tomar? E quando tiveres dado tudo, estarás só e
ludibriado.
Sim, escarnecido ante a terra e ante o céu que,
quando quer, fecha suas portas também para aquele que muito lutou e
sofreu".
Mas a ascensão está iniciada e recebe forças de seu
próprio impulso e o eco dos gritos selvagens de insultos perde-se sempre mais
longe, encoberto pelo canto das harmonias dominantes.
Minha alma retomou sua ascensão, reencontrou a
tensa o, atingiu a sua atmosfera, onde brilha a mais alta verdade do Evangelho
e o eco já não repete o rugido selvagem do egoísmo que insulta — mas repete o
canto que diz: “Dá e receberás, ama e serás amado, perdoa e serás perdoado”.
Cheguei. Estou numa aurora iridescente de luzes. Em
Deus tudo resplandece numa alegria infinita, repousa numa harmonia suprema. A
minha alma reencontrou a sua paz.
Estes não são sonhos, nem fantasias de poeta. São
forças vivas em ação entre as quais me movimentei, e que me abateram e me
reergueram; são realidades, imponderáveis embora, mas nem por isso menos
verdadeiras e atuais.
É verdadeiro este drama que minha alma viveu, que a
destruiu e a regenerou, que sempre a frustrou, para que ela conhecesse o terror
da treva sem esperanças.
Fonte:
Instituto Pietro Ubaldi
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