A MOEDA DE CÉSAR
Mat. 22:15-22
Indo, então, os
fariseus, tomaram conselho como o embaraçariam numa doutrina. E enviaram os
discípulos deles com os herodianos, dizendo: Mestre, sabemos que és verdadeiro
e ensinas o caminho de Deus em verdade, e não te importas de ninguém, pois não
olhas os rostos dos homens. Dize-nos, então, que te parece: é lícito dar o
tributo a César ou não? Conhecendo, porém, Jesus, a malícia deles, disse:
"Por que me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo". Eles
trouxeram-lhe um denário. E disse-lhes: "De quem é a imagem e a
inscrição"? Disseram-lhe: "De César"; Então disse-lhes:
"Devolvei, pois, o de César, a César, e o de Deus, a Deus". E
ouvindo, admiraram-se e, deixando-o, retiraram-se.
(Marc. 12:13-17
–“enviaram-lhe, então, alguns dos fariseus e dos herodianos para enredá-lo com
alguma palavra. Vindo eles, disseram-lhe: “Mestre sabemos que é verdadeiro e
não dás preferência a ninguém pois não consideras o homem pelas aparências, mas
ensina, de fato, o caminho de Deus. É licito pagar o imposto a Cesar ou não?
Pagamos ou não pagamos? ele porém conhecendo sua hipocrisia disse:” porque me
pondes a prova? Trazei-me um denario para que o veja”. Eles trouxeram. E ele
disse: de quem é esta imagem e a inscrição? Responderam-lhe: de Cesar! Então
jesus disse-lhes. O que é de Cesar daí a Cesar; o que é de Deus a Deus. E
ficaram muito admirados a respeito dele.)
E observando,
enviaram (pessoas) desleais, que fingiam ser justos, para embaraçá-lo em
doutrina dele, de forma que pudessem entregá-lo ao governo e ao poder do
procurador. E interrogaram-no, dizendo: "Mestre, sabemos que falas certo e
ensinas, e não observas o rosto, mas ensinas em verdade o caminho de Deus: é-nos lícitos dar o tributo a César, ou
não? Subentendendo, porém a astúcia
deles, disse-lhes: "Mostrai-me um denário. De quem tem a imagem e a
inscrição"? Eles disseram: De César.
Ele disse-lhes: "Então devolvei o de César a César, e o de Deus a
Deus". E não puderam apanhar na
palavra dele diante do povo; e admirados pela resposta dele, calaram-se.
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Tal como já lemos acima
em Mateus (12:14), o Sinédrio reuniu-se em Conselho (symbólyon élabon), para
estudar o melhor modo de embaraçar Jesus, obrigando-O a pronunciar-Se de tal
forma, que pudesse ser apanhado em armadilha, para ser condenado. A embaixada
oficial do Sinédrio (fariseus, escribas e anciãos) fora posta fora de combate,
com a resposta a respeito do poder de Jesus e, logo a seguir, com a alusão
clara à perda do cetro religioso por parte dos judeus. Reúnem-se, então, e
resolvem pegá-Lo numa emboscada que lhes pareça infalível. Mas eles mesmos não
podiam voltar, porque já eram conhecidos de Jesus e do povo. Que fazer?
Resolveram mandar pessoas desconhecidas. Escolheram discípulos seus (talmidê hakhâmim),
que seriam acompanhados por herodianos, que poderiam acusar logo que fosse
proferida qualquer palavra ofensiva aos dominadores romanos. Eram chamados
"discípulos dos fariseus" os que cursavam a Escola Rabínica, antes de
obter o título final de "Rabino" (ou Rabbi). Os herodianos eram
judeus fiéis a Herodes, que muita questão faziam de unir-se aos romanos,
aplaudindo-os, embora os não suportassem, só para não perderem as posições
conquistadas. Os fariseus eram inimigos dos herodianos, que eles desprezavam,
mas decidiram unir-se a eles, para terem testemunhas insuspeitas perante as
autoridades romanas.
Com efeito, a
reunião chegara a esse resultado: era necessário preparar-Lhe uma armadilha
tal, que O apanhassem de qualquer forma. Os verbos empregados pagideúsôsin
(Mateus e Lucas) e agreúsôsin (Marcos) pertencem ao vocabulário de caça:
"apanhar em armadilha ou laço" (pagís). Para isso, era mister que
Jesus firmasse uma doutrina (lógos) que O comprometesse perante o procurador
romano (hêgemôn, como em (Mat. 27:2 – “assim, amarrando-o, levaram-no e
entregaram-no a Pilatos o governador”) e (At. 23:24, 26-“E também montarias
para que Paulo pudesse viajar e ser conduzido são e salvo ao governador Felix.
E escreveu uma carta do seguinte e teor: Claudio Lisias ao excelentíssimo
governador Felix, saudações...”), ou perante seus seguidores. A pergunta foi
escolhida com cuidado e os emissários bem treinados. Apresentaram-se
respeitosos e dirigiram-se a Jesus dando-Lhe o título de Mestre, no sentido de
"professor" (didáskale), fazendo um preâmbulo bem preparado, em que
elogiavam exatamente Sua franqueza e honestidade doutrinária, Sua coragem e
desassombro diante de todos, não "olhando os rostos", isto é, não
tendo "respeitos humanos", sem ligar à posição social, aos cargos, à
riqueza, etc.; de tudo isso sobejas provas havia. Embora todos os judeus
pagassem os impostos e tributos aos romanos, faziam-no a contragosto. Judas o
Gaulanita já pregara abertamente contra os tributos exigidos por Quirinius
(cfr. Flávio Josefo, Ant. Jud. 18, 1, 1 e Bell. Jud. 2, 8, 1 e 17, 8) dizendo
que isso constituía crime de lesa-majestade contra a soberania única de Deus.
Não deviam os judeus pagar tributos aos homens, mas apenas o Templo tinha direito
de cobrá-los, porque era a representação de Deus. A questão, portanto, foi
sobre a laicidade do pagamento do tributo. Que eram obrigados a pagar, não
havia dúvida. Mas diante da consciência, era lícito? Dizer SIM,
incompatibilizaria Jesus com todos os judeus, que o desacreditariam como o
messias. Dizer NÃO era a condenação certa como revoltoso contra Roma, e lá
estavam os herodianos para testemunhar contra Ele. A pergunta foi feita de
forma a só poder ter duas respostas: sim ou não. Impossível escapar: "é-nos lícito dar o
tributo a César, ou não? Damos ou não damos"? Jesus percebe a malícia e o
declara: "por que me tentais, hipócritas"? Começa, então, a preparar
a resposta, numa dialética perfeita. Pede uma prova concreta: quer ver a moeda
do tributo (e aqui se percebe a ironia). As "regras do jogo" exigiam
que, mesmo se Ele a tivesse consigo, devia pedir que a prova fosse trazida
pelos adversários. Trouxeram-na. Vem a segunda investida. Jesus estava farto de
saber que a imagem ou efígie (eikôn) era de César, assim como a inscrição
(epigraphê). Mas ainda aqui era preciso que eles o dissessem. E disseram:
"é de César". Jesus os tinha na mão: o adversário confessava que a
moeda do tributo (o denário) era romana. Tudo estava pronto para a resposta. E
Jesus calmamente conclui: - Então devolvei o que é de César a César, e o que é
de Deus, a Deus! Traduzimos apódote por "devolver", sentido real, sem
dúvida muito melhor que o daí das traduções correntes. Com essa resposta, que
nenhum deles esperava, Jesus estabeleceu irrecusavelmente a doutrina do
respeito à autoridade civil legitimamente constituída, tema que seria
desenvolvido mais tarde por Paulo, na carta aos romanos (13:1-8 – “cada um se
submeta as autoridades constituídas, pois não há autoridade que não venha de
Deus e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aquele que se
revolta contra a autoridade, opõe-se à ordem estabelecida ´por Deus. E o que se
opõem atrairão sob si a condenação. Os que governam incutem medo quando se
pratica o mal, quando não se faz o bem. Queres então não ter medo da
autoridade? Pratica o bem e dela receberás elogios.; se propõem praticares o
mal, teme, porque não é à toa que ela traz a espada; ela é instrumento de Deus
para fazer justiça e punir quem pratica o mal. Por isso é necessário não se
submeter não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência.
É também por isso que pagais impostos, pois os que governam são servidores de
Deus que se desincumbe do zelo de seu oficio. Daí a cada um o que lhe é devido;
o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida; a reverencia a quem é
devida; a honra a quem é devida. Não devais nada a ninguém, a não ser o amor
mutuo, pois quem ama o outro cumpriu a lei”.). Anotemos que a palavra alêthês
("verdade") é empregada, nos sinópticos, apenas neste trecho, embora
João a use com larga frequência. Também o termo de Marcos (agreúsôsin) é hápax
neotestamentário. Diante dessa resposta, os emissários "murcharam" e
não mais puderam abrir a boca. Mas intimamente admiraram Sua sabedoria. E
retiraram-se, olhando uns para os outros ... Só tinham mais um recurso: era
confiar a missão aos saduceus, que tentariam ver se O confundiam.
Perfeitas todas
essas deduções. Procuremos meditar. A "moeda do tributo", cunhada no
metal, representa o corpo humano, moldado em células de matéria orgânica. Tem,
pois, a efígie de seu possuidor, e seu nome em epígrafe. Ora, se o corpo possui
gravado a imagem da personalidade, é porque pertence a ela, e a esse corpo
devem ser prestados os serviços de que ele carece. Nada do que lhe pertence
deve ser-lhe negado. No entanto, o Espírito, "partícula" divina, tem
sua parte. E não será lícito prejudicar um em benefício do outro. Nem tirar de
César (do corpo) para dar ao Espírito, nem tirar de Deus (o Espírito) para dar
ao corpo. A divisão é nítida: devolver ao corpo tudo o que este nos tiver dado
de experiências e lições, e tratá-lo com o cuidado de que necessitar. Mas sem
lesar a parte devida ao Espírito. Daí o equilíbrio indispensável em nosso
comportamento, sem exageros nem para um lado nem para o outro. Porque, no final
das contas, o Espírito é que se condensou no corpo: a autoridade divina é que
se manifesta em César.
Outra lição que
podemos aprender, refere-se aos grupos. Muito comum que se misturem negócios de
César nos setores divinos. Em outros termos, que as instituições
espiritualistas se fundamentem no reinado de César. Lógico que, estando num
planeta material, cujo valor de troca é a moeda de César, as organizações
espiritualistas necessitem dessa parte para atuar no mundo. Mas pensamos- SMJ -
que essa parte deva ser conquistada "com o suor do rosto", e não
constituída apenas pelo resultado de apelos e doações. Daí acharmos que todas
as agremiações que tratam do Espírito deveriam possuir a látere uma indústria
puramente comercial que sustentasse a obra, onde trabalhariam dando seu tempo e
seu esforço os dirigentes da obra, mas sem que houvesse mistura de uma em outra.
Pondo em prática
esse pensamento, dirigimos, para sustentar nossas publicações, a revista, etc.,
uma Agência de Publicidade, cujo lucro reverte para cobrir o déficit das
edições. O mesmo ocorre, por exemplo, com o "Lar Fabiano de Cristo",
que sustenta milhares de crianças através da CAPEMI (Caixa de Pecúlio dos
Militares-Beneficente), onde os diretores de ambas trabalham sem perceber
nenhum salário.
A ideia de
"fazer caridade" na dependência da "caridade" dos outros,
pode ser cômoda e até pode estar certa. Mas não "sentimos" assim, por
acharmos que, da mesma forma que, com nosso trabalho provemos a alimentação
física de nossos filhos, também com nosso trabalho devemos prover a alimentação
espiritual de nossos irmãos.
Mas cremos que a
lição principal é puramente simbólica e mística, não literal nem alegórica.
Vimos que a moeda, que tem duas faces, traz o cunho de uma personalidade: a
efígie que retrata a criatura que foi plasmada pelo Espírito. Além da efígie
aparece a inscrição (epígrafe), com o nome atribuído a essa personagem no curso
da evolução no planeta Terra. Ora, a personagem é a condensação do Espírito, e
o representa na Terra, tal como a moeda é a condensação de um valor
convencional, garantido pela autoridade e poder da pessoa cuja imagem nela se
encontra gravada. E tal como a moeda passa de mão em mão, sempre adquirindo
benefícios para quem a possua, assim a personagem vai de contato em contato, comprando
experiências para o Espírito, que a criou e possui. O valor da moeda,
convencional, está inscrito nela. Assim o valor do Espírito também se encontra
manifesto na personagem: ora elevado, ora baixo. De acordo com a evolução do
Espírito, assim será o valor gravado na personagem. Daí podermos avaliar mais
ou menos um, pela expressão do outro. Lógico que a moeda não é César, mas o
representa. Assim, embora sendo a condensação do Espírito, a personagem não é
ele, mas apenas o representa, materializado no mundo. Temos, então, três graus,
sobre os quais fala o Mestre: a moeda, César e Deus. Assim também temos três
graus nessa simbologia: a personagem, a individualidade e o
Deus-Imanente-Transcendente.
A moeda, em si
mesma, nada vale, pois, seu valor é somente convencional e transitório, tal
como as personagens humanas, que como meteoros passam sobre a Terra, muitas
vezes atribuindo-se um valor que não possuem absolutamente ... A
individualidade (César) tem valor bem maior pois constitui a garantia subjacente
do valor da moeda (personagem). À individualidade devemos restituir aquilo que
lhe pertence: as experiências adquiridas, o aprendizado conquistado. Mas o
Supremo Bem, a Verdade total, e a Beleza Perfeita, Deus, jamais pode ser
omitido. Vale a moeda (personagem) só enquanto tem, entre os homens, o curso
garantido pela individualidade eterna. Mas o que valoriza esta é a Centelha
Divina, que a sustenta, constituindo-lhe a essência profunda.
Compreendemos,
portanto, a lição nesse sentido muito mais amplo, nesse nível muito mais
elevado. É mister que jamais deixemos de devolver, por meio da personagem
(moeda) o tributo devido à individualidade (César) e o tributo devido a Deus:
vida espiritual absoluta, na qual a personagem terrena (moeda) simboliza apenas
o "meio-de-troca" ou a expressão-do-tributo.
FONTE
Carlos R. Pastorino
Bíblia de Jerusalém
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