Mulheres do Evangelho
As páginas do Evangelho, que relatam a sublime caminhada de Jesus pelas
terras da Palestina, há dois mil anos,
é marcante a presença da figura feminina,
ensejando formosos ensinos do Mestre,
exemplos de fé e perseverança das mulheres citadas e esclarecimentos oportunos
para todos os cristãos.
Não obstante a estrutura social
israelita não favorecesse à mulher maior presença e atividade em público, cita
o evangelista Lucas que algumas mulheres seguiam Jesus e os apóstolos em suas
andanças, prestando-lhe, certamente, apoio logístico e assistência com os seus
bens (Lc 8:1/3). Demonstravam-lhe, assim, a mais vívida gratidão, porque as
havia curado de espíritos malignos e enfermidades, como, entre
outras, Maria Madalena, Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes,
e Suzana (a mulher Hemorroíssa que teria enxugado o rosto de Jesus com lenço).
Listamos algumas passagens em que é
evidente a compreensão e compaixão de Jesus para com a mulher sofredora. Uma
adúltera perseguida pela turba justiceira encontrou em Jesus a defesa,
aparentemente silenciosa a princípio, que se fez eloquente e decisiva ao
sentenciar: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro
que lhe atire pedra”. E, ao vê-la isentada, pelo afastamento de todos,
disse-lhe compreensivo: “Nem eu tampouco te condeno; vai, e não peques
mais” (Jo 8: 1/11).
Da pecadora que, arrependida, lhe
regava os pés com suas lágrimas, os enxugava com os seus cabelos e os ungia com
o unguento que levara, assegurou o Mestre a Simão, o fariseu hospedeiro, que
seus muitos pecados lhe eram perdoados,” porque muito amou”. (Lc 7:
36/50). Seu amor, seu arrependimento e desejo de recuperação, era veementemente
demonstrado naquele ato singelo.
Mas aquele a quem pouco se perdoa, é
que pouco ama, disse ainda Jesus. Pouco ama quem ainda não percebeu
o quanto tem recebido da bondade divina; não reconhece estar em erro, nem
manifesta qualquer vontade de recuperação, nada faz para compensar o mal
que tenha causado. Como poderá alcançar o perdão, redimir-se perante a lei
divina?
A mulher hemorrágica, movida pela fé
ardente, aproximando-se de Jesus, pensava intimamente: Se eu apenas “lhe
tocar as vestes”, ficarei curada. E, quando o fez, agiu como uma bomba
aspirante, captando a virtude curadora de Jesus, mesmo em estando ele em meio à
multidão, que o envolvia e pressionava (Ver Cap. XV, item 11, de A
gênese, de Allan Kardec). E logo se lhe estancou a hemorragia e
sentiu no corpo estar curada de seu flagelo. Jesus percebeu o
acontecido: “Quem me tocou?”
“Alguém me tocou eu senti sair de mim
uma força”. E, quando a mulher se revelou, lhe disse: “Filha, a tua fé te
salvou; vai-te em paz, e fica livre do teu mal” (Mc 5: 25/34, Lc
8:43/48).
Mas, na sinagoga, compadecido da mulher
que, há dezoito anos andava encurvada, sem se poder endireitar, Jesus agiu como
uma bomba calcante: impondo as mãos sobre ela e, com seus fluidos salutares,
vontade firme e autoridade moral, libertou-a do assédio de um “espírito de
enfermidade” (Lc 13:10/13). Conhecemos hoje como um caso grave de cifose,
uma condição de saúde documentada. Um problema médico e espiritual.
Estando Jesus pela região de Tiro e
Sidon, uma mulher cananeia lhe pediu ajuda para sua filha que estava
terrivelmente endemoniada. Apesar da oposição dos discípulos, ela, com rogos
insistentes, seguia Jesus pelo caminho, demonstrando a grande confiança que
tinha de que ele lhe poderia curar a filha. Quando o Mestre informou que só
fora até ali em busca das “ovelhas perdidas da casa de Israel”, com
humildade ela reconheceu não ter maior merecimento, mas perseverou no pedido,
argumentando com inteligência: “Sim, senhor, porém os cachorrinhos
comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos”, conseguindo,
enfim, o atendimento pleiteado (Mt 15:21/28).
Cenas instrutivas encontramos no
Evangelho, com Marta e Maria, irmãs de Lázaro. Jesus amava essa família e
várias vezes esteve com eles em Betânia, onde moravam. Ali, certa vez, se
encontrava hospedado e Maria, assentada aos seus pés, ouvia-lhe os
ensinamentos. Marta, que se agitava de um lado para outro, ocupada
em muitos serviços, pediu a Jesus que ordenasse a Maria fosse
ajudá-la, mas ele respondeu: “Marta! Marta! Andas inquieta e te
preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário, ou mesmo uma só coisa;
Maria escolheu a boa parte e esta não lhe será tirada.” (Lc 10:
33/42). Serve o episódio para nos alertar quanto ao equilíbrio que devemos
manter entre os afazeres necessários à vida corpórea e os interesses do
espírito, atendendo a uns sem descurarmos dos outros. Em outra oportunidade,
Maria teve, novamente, o destaque e a aprovação de Jesus por seu agir. Foi após
a ressurreição de Lázaro e pouco antes da última páscoa do Senhor. Lázaro e
suas irmãs recepcionavam Jesus com uma ceia e Maria ungiu com bálsamo de nardo
puro, mui precioso, os pés de Jesus e os enxugou com os seus cabelos. A casa
toda se encheu do perfume.
Judas Iscariotes, um dos discípulos,
comentou que teria sido melhor vender o caro perfume e doar seu valor aos
pobres, ao que lembrou Jesus: “os pobres sempre os tendes convosco, mas
a mim nem sempre me tendes” (Jo 12-1/8).
Jesus afastara de um homem o espírito
que o deixava mudo e deu explicações sobre como exercem os invisíveis a ação
perturbadora. Admirando-lhe a capacidade e o valor de seu ensino, uma mulher,
que estava entre a multidão, exclamou: “Bem-aventurada aquela que te
concebeu e os seios que te amamentaram!” Esse jeito popular de
aplaudir e exaltar a quem se admira, ainda é encontrado em alguns povos (Lc
11:27/28). Jesus respondeu:
“Antes bem-aventurados são os que ouvem
a palavra de Deus e a guardam”, porque o que nos confere mérito
espiritual não são os feitos de outros, mas os nossos próprios atos. A
cada um é dado segundo as suas obras.
No gazofilácio, onde se recolhiam as
ofertas destinadas aos serviços do templo e as oferendas, pobre viúva
depositara duas pequenas moedas. Sua doação foi imediatamente destacada por
Jesus aos olhos dos discípulos, esclarecendo que os outros haviam ofertado do
que lhes sobrava, enquanto ela, “da sua pobreza deu tudo quanto
possuía,” todo o seu sustento. Da sábia observação de Jesus,
aprendemos que o valor de uma dádiva é tanto maior quanto a mais se renuncia
para poder doar (Mc 12:42, Lc 21:2/4).
Caminhando para o Gólgota, sob o peso
da cruz, seguido por grande multidão de povo e de mulheres, as quais batiam no
peito, e o lamentavam, Jesus ainda encontrou forças para alertá-las e
aconselhar:
“Filhas de Jerusalém, não choreis por
mim; chorai antes por vós mesmas e por vossos filhos”. E visualizando o
futuro, quando a cidade de Jerusalém seria sitiada e invadida pelos romanos,
continuou: “Porque dias virão em que se dirá: bem-aventuradas as
estéreis, que não geraram nem amamentaram.”
“Nesses dias dirão aos montes: Caí
sobre nós, e aos outeiros: Cobri-nos. Porque, se ao madeiro verde fazem isto,
que será no lenho seco “(Lc 23: 27/32)? Jesus era madeiro
verde, a “videira verdadeira”, estava pleno de vitalidade espiritual.
Se sofria, era para o cumprimento de
sua santa Missão. E o fazia exemplificando
serenidade, não violência. Quando
ressurgisse glorioso, testemunharia a imortalidade.
Os que o observavam e ainda não tinham
aderido à sua mensagem vivificadora, eram lenho seco, sem
maior vivência espiritual. Prosseguiriam errando no seu agir comum, acarretando
para si mesmos merecidas dores e sofrimentos.
Examinando as mulheres do Evangelho, é
preciso destacar, ainda, a admirável figura da samaritana, que mereceu de João
quase todo o capítulo 4 do seu relato e à qual dediquei o capítulo 2 de meu
livro Na luz do Evangelho. Já ao início do seu diálogo com Jesus,
notamos que, apesar de estranhar que ele, sendo judeu, dirija a palavra a ela,
uma samaritana, pois usualmente não eram amigáveis as relações entre judeus e
samaritanos, essa mulher de mente ampla não se nega à conversação.
Ao ouvir Jesus falar que lhe poderia
dar “água viva”, comenta, observadora, que ele não tem com que tirar água do
poço, que é fundo, mas demonstra estar aberta para novas possibilidades,
indagando, curiosa, onde teria ele a água que lhe oferece.
Anuncia-lhe o Mestre que a água que der
passará a jorrar na pessoa como fonte para a vida eterna. É que o conhecimento
espiritual, quando adquirido, faz-se base inicial de compreensão que abrirá,
para a pessoa, perspectivas admiráveis e cada vez mais amplas quanto à vida
imortal. A samaritana ainda não alcança o inteiro sentido da afirmativa de
Jesus, mas, raciocinando de modo prático, pede para receber daquela água e,
assim, não ter mais sede, nem precisar ir ao poço para buscar o líquido
precioso. Jesus, então, revela algo de suas possibilidades espirituais,
demonstrando conhecer-lhe a vida, mesmo nunca a tendo encontrado antes. Por
esse sinal, ela lhe percebe a qualidade de “profeta”, de ser um porta-voz do
Alto. E, ante alguém com poderes especiais, essa samaritana, revelando
admirável desprendimento, não solicita nada material, mas pede que lhe
esclareça quanto a algo espiritual: a adoração a Deus. E Jesus ensina não haver
um lugar físico especial para isso, pois “Deus é espírito e importa”
que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade, isto é, em ação
espiritual e sincera. Eu sei que há de vir o Messias, “chamado Cristo;
quando ele vier nos anunciará todas as coisas” ... A afirmativa que a
samaritana faz parecer soar como tímida e indireta pergunta: És o
Messias?
Deve ter sido por isso que Jesus, que
geralmente se ocultava, para se proteger de eventuais adversários, a ela se
revela confiante: “Sou eu”, o que fala contigo. Chegam os
apóstolos e o diálogo se interrompe, mas, fraterna, a samaritana pensa nos
outros de sua comunidade e vai até eles, procurando interessá-los para que
também conhecessem Jesus e ouvissem sua mensagem. E conseguiu bom êxito, pois,
atraídos pelo seu testemunho, muitos samaritanos saíram da cidade e foram ter
com Jesus, e muitos acreditaram nele.
Quando Jesus foi crucificado, com
exceção de João, os demais apóstolos lá não estavam, haviam se escondido,
receosos de perseguição. Mas seguiam-no, fiéis, as mulheres que, desde
a Galileia, o acompanhavam e serviam, e, além destas, muitas outras que haviam
subido com ele para Jerusalém (Mc 15:40/41 e 45, e Lc 23:49).
Elas viram quando Jesus foi colocado no
túmulo cedido por José de Arimateia e se retiraram para preparar aromas
e bálsamos necessários ao preparo do corpo para o sepultamento, o que
fariam no domingo de manhã (Lc 23:55/56). Foram elas as primeiras que deram com
o túmulo vazio, ali viram os mensageiros espirituais, deles ouvindo a notícia feliz:
“Ele não está aqui, mas ressuscitou,” e levaram aos apóstolos o
primeiro alerta sobre a ressurreição de Jesus, embora os apóstolos não lhes
dessem crédito, porque “tais palavras lhes pareciam um como delírio” (Lc
24:1/11). Madalena, que viu o Mestre ressurgido e com ele falou, conseguiu
atrair Pedro e João ao túmulo para que constatassem que não estava mais ali (Jo
20: 1/18) e, certamente, transmitiu a eles a orientação que Jesus lhes mandara
dizer. Depois, o próprio Mestre começou a aparecer e se materializar ante
apóstolos e discípulos, em várias ocasiões e locais, ao longo de quarenta dias,
até que se despediu, elevando-se à vista de todos e se desmaterializando,
deixando, porém, consolidada neles a certeza da sua imortalidade e de que
continuaria a assisti-los pessoalmente e pela presença do Paráclito, através
dos tempos.
Como vemos, do começo ao fim de sua
sublime missão, Jesus contou com a presença e cooperação de muitas mulheres,
que o entenderam e seguiram fiéis, ficando imortalizadas nas páginas dos
evangelistas e na lembrança e respeito de todos nós.
Therezinha
Oliveira
ICEB - Instituto de Cultura
Espírita do Brasil
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