A PORTA DAS
OVELHAS
João, 10:1.9
"Em verdade,
em verdade vos digo: quem não entra pela
porta do redil das ovelhas, mas sobe, por outro lugar, é ladrão e assaltante.
O que entra pela
porta, é o pastor das ovelhas.
A este o porteiro
abre; as ovelhas ouvem sua voz, e ele chama suas ovelhas uma por uma e as
conduz para fora.
Tendo feito sair
todas as que são, caminha afrente delas e as ovelhas o seguem porque não
conhecem a voz dos estranhos.
Jesus lhes
apresentou essa parábola. Eles, porém, não entenderam o sentido que lhes dizia.
Disse-lhes,
novamente, Jesus:
Em verdade, em
verdade, vos digo: eu sou a porta das ovelhas. Todos os que vieram antes de mim
são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os ouviram.
Eu sou a porta:
se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem ".
O trecho que
acabamos de ler, bem como o próximo, parecem ser a continuação da conversa de
Jesus com o e cego e com seus discípulos. Após a simbologia dos cegos e
videntes, vem o ensino que João resumiu, de como penetrar na Escola de Jesus, a
"Assembleia do Caminho", e conseguir o ambicionado objetivo. Inicia
com uma parábola, a que João chama um "provérbio" (paronímia- “tipo de
alteração semântica que ocorre quando há palavras parecidas em sua estrutura
fonológica, ou seja, em sua pronúncia e escrita, mas diferentes quanto à
significação) palavra que aparece aqui e mais duas vezes
(João, 16:25 –“Disse-vos essas coisas por figuras. Chega a hora em que não vos
falarei em figuras, mas claramente vos falarei do Pai”) e (29-“seus discípulos
lhe dizem: eis que agora falas claramente sem figuras”). O termo
"parábola" só é empregado nos três sinópticos (47 vezes) e na
epístola aos hebreus (2 vezes), e nunca em João nem em Paulo. Interessante
observar que essa parábola é iniciada com a fórmula solene das grandes
verdades: "amém, amém", o que levanta logo a suspeita de que se trata
de profundíssimo ensino que João esquematizou em forma de parábola. É uma
comparação pastoril que opõe a situação do pastor num redil à do ladrão que vem
roubar. Segundo o costume palestiniano da época, o rebanho era recolhido à
noitinha num aprisco, cercado de muro baixo de pedras, enquanto os pastores iam
dormir, só ficando de atalaia um porteiro. Pela manhãzinha vinham os pastores
buscar suas ovelhas, o que faziam emitindo cada um seu grito gutural próprio.
As ovelhas conheciam a voz de seu pastor e o seguiam para as pastagens frescas,
grudadas a seus calcanhares. Era comum dar nomes aos principais animais do
rebanho, as guias ou "madrinhas".
Já se qualquer
estranho quisesse penetrar no cercado, tinha que pulá-la porque o porteiro não
o deixaria entrar; e se o conseguisse, não adiantaria procurar imitar o grito
do pastor, porque as ovelhas, não lhe reconhecendo a voz, não o seguiam e até
fugiam, amedrontadas. A palavra empregada, que acompanhando a tradição
utilizamos na tradução como "ovelhas", é próbaton, que exprime
qualquer animal de quatro patas (ou melhor, que caminhe para a frente), mas
designa mais especialmente o gado lanígero (ovelhas, cordeiro, carneiros). Nada
impede que se utilize a palavra "ovelhas".
Os discípulos não
percebem a lição dessa parábola. Jesus a explica: "eu sou a porta das
ovelhas"; só quem entrar por mim será salvo. A expressão “entrar e
sair" é semítica, e manifesta a liberdade de Ir e vir (cfr. Núm. (27:17-“que
saia e entre a frente dela e que a faça sair e entrar para que a comunidade de
Iahweh não seja como um rebanho sem pastor”); (Deut. 31:2-“quem vai atravessar
a tua frente é o próprio Iahweh teu Deus”) e (I Sam. 17:15-“Davi ia e vinha a
serviço de Saul para cuidar do rebanho de seu pai em Belém”). O vers. 8 é
violento: pántes hósoi êlthon, "todos quantos vieram", prò emoú,
"em meu lugar", kléptai eisin kaì lêptaí, (observemos a assonância,
tanto mais que o kai era popularmente elidido na conversação) "são ladrões
e assaltantes". A locução prò emoú pode ser interpretada como adjunto
temporal, "antes de mim", ou como locativo, "em meu lugar",
isto é, fazendo-se passar pelo Cristo. Talvez houvesse uma alusão aos que,
havia pouco, se haviam dito "messias": JUDAS, o galileu (cfr. At.
5:37), natural de Gamala, que é chamado por Flávio Josefo ora Gaulonita (Ant.
Jud. 18, 1, 1) ora o galileu (Ant. Jud. 18, 1, 6; 20, 5, 2; Bell. Jud. 2, 8, 1;
17, 8, 9; 7, 8, 1). Segundo esse historiador, foi ele o fundador da seita dos
zelotes (designativo de Simão, um dos doze discípulos de Jesus, Luc. 6:15 e At.
1:13). Morreu em 6 A.D. em combate com os romanos; e TEUDAS (cfr. At. 5:36) só
conhecido por essa citação, e que talvez seja o Simão citado por Flávio Josefo
(Bell. Jud. 2, 4, 2; Ant. Jud. 17, 10, 6), assassinado pelas autoridades. Ambos
combatiam o domínio romano, atribuindo-se as qualidades do messias. Mas se a
interpretação aceitar o "antes de mim", essa frase englobaria todos
os profetas e avatares anteriores a Jesus o que não seria fácil de explicar.
Donde talvez o melhor sentido seja "em meu lugar", o que seria
confirmado por Mateus (24:24) e Marcos (13:22), quando falam que outros
pseudo-cristos aparecerão na Terra, os quais "enganariam até os
escolhidos, se fosse possível".
Aqui se nos
depara mais um ensinamento simbólico e iniciático. Vejamos, primeiro, o
simbolismo. Observemos que os elementos citados são: a porta, o aprisco, o
pastor, o ladrão, as ovelhas, o porteiro, a voz e a pastagem. Se é a mesma
geração a culpada da morte de Abel e de todos os profetas; se é a mesma geração
que estava ali com Jesus; e se é a mesma geração que estará na terra (não
passará) quando vierem esses cataclismos finais, o que poderemos concluir com
segurança absoluta? Que essa geração está permanentemente na Terra, por meio
das reencarnações sucessivas e solidárias umas às outras em que seus
componentes se vêm aperfeiçoando e resgatando suas culpas até poderem ser
aceitos no “ reino”.
Não cremos
possível outra interpretação do texto, se o consideramos referente às
personalidades terrenas; esta geração, esta mesma geração incrédula que estava
ali presente com Jesus, e que era a mesma desde os tempos de Abel, ela não
terminará de passar sobre o planeta Terra – findando o ciclo das reencarnações
– sem que advenham as coisas preditas no passo que estudamos. Claro e evidente.!
Vejamos, agora
outras opiniões, João Crisóstomo, Gregório Magno e Tomás de Aquino acham que
essa "geração" se refere aos fiéis. Jerônimo, que se trata da
humanidade ou, então, especificadamente dos judeus. L. Marchal (Evangile de S.
Luc.) escreve, refutando essas opiniões: "é inútil julgar que são
designados pelo termo geneá quer os judeus, cuja raça não desapareceria antes
do fim do mundo, quer os crentes, quer a humanidade em geral, sentidos que não
se justificam absolutamente no Novo Testamento". Entre os católicos, a ideia
de atribuir geneá aos contemporâneos de Jesus foi, pela primeira vez, aventada
por Tostat. Maldonado acusa-a de "Herética".
Lagrange e Dom
Calmet aceitam-na, mas a atribuem à destruição de Jerusalém. Orígenes não
admite que se refira aos contemporâneos. Prat e Knabenbauer acham que se refere
à nação judia.
“O céu e a Terra
passarão” porque constituem coisas físicas materiais: o planeta Terra e a
atmosfera (céu = ouranós) que o circunda. E aqui fica solenemente afirmado,
pelo próprio Mestre, que ao falar Ele de “céu”, não exprime o famoso “céu"
eterno dos católicos, pois, segundo Ele, o céu também passará.
Só o Espírito é
real e eterno; tudo o que é material teve começo e por isso terá fim. E o “as
palavras que não passarão" prende-se à doutrina, pois no original está
lógoi, e não apenas rhêmata. Portanto, é mais a doutrina, o sentido interno dos
ensinamentos, e não apenas as palavras em seu rumor externo. Sua
"doutrina" não passará jamais. "Quanto ao dia e hora, ninguém
sabe", diz Jesus, "nem os mensageiros dos céus (anjos ou Espíritos
superiores) nem o Filho, só o Pai”.
O grande ponto de
controvérsia é a expressão "nem o Filho". O argumento favorece a
teoria dos arianos, que afirmavam - tal como o próprio Jesus o disse - que o
Filho era menor que o Pai (João, 14:28 –“vós ouviste o que vos disse: vou e
retorno a vós.se me amasseis ficaríeis alegres, por eu ir para o Pai, porque o
pai é maior do que eu”). Os opositores de Ario buscaram todos os argumentos
possíveis para contornar a frase clara e taxativa do Mestre: eles tinham uma
doutrina, e precisavam adaptar o ensino de Jesus à sua própria maneira de ver.
Irineu, Atanásio,
Gregório de Nissa, Cirilo de Alexandria, Teodoreto (a Escola Grega) afirmaram
que, embora sabendo como "Deus", Jesus ignorava como "homem”.
Ambrósio,
Jerônimo, Agostinho, Gregório Magno (a Escola Latina) e o grego João Crisóstomo
são de opinião que, mesmo em sua humanidade, Jesus sabia, mas não Lhe competia
revelar. Lagrange atribui ao Mestre uma "restrição mental" no melhor
estilo: "Jesus sabe, mas como não tem a missão de revelá-lo, nesse sentido
ignora"! Achamos indigno de um Mestre ensinar fazendo "restrições
mentais”, simples e “piedoso” eufemismo, para não dizer a realidade: dizendo
MENTIRAS! A restrição mental é típica da “fase da astúcia" (cfr. Pietro
Ubaldi, “Queda e Salvação”) e Jesus está na fase superior do Perdão e do Amor,
constituindo o “caminho da Verdade” (João, 14:6-“eu sou o caminho a verdade e
avida; ninguém vai ao Pai a não ser por mim”).
Vem então a
comparação com os “dias de Noé”, que chegaram de inopino, surpreendendo a
todos. As expressões “um é levado, o outro é deixado" (no presente do
indicativo), não deixam clara a ideia. Alguns autores interpretam que os bons
serão levados para a reunião dos escolhidos a exemplo do que ocorreu com as
cinco virgens prudentes, tendo sido “deixadas” as imprevidentes. Nada se opõe,
contudo, que os "deixados” na Terra sejam os bons, e os menos bons sejam
"levados" para outros planetas mais atrasados.
Depois desse
exemplo, vem o alerta: DESPERTAI! (Olha a Pandemia aí...), no sentido de
"acordar do sono”, pois os verbos empregados são agrypneíte e grêgoreíte
(observe-se que grêgoréô é um presente derivado do perfeito egrêgora, do verbo
original egeírô, “despertar", ou "levantar-se da cama”, também com
frequência traduzido como "ressuscitar" nas edições vulgares).
Não usamos o
verbo tradicionalmente empregado aqui: vigiai, porque - embora o latim vigilare
signifique “despertar", e apesar de “estado de vigília" se oponha a
"estado de sono" - o “vigiar" dá ideia, atualmente, de “olhar
com atenção para ver quem venha", muitas vezes até chegando a colocar-se a
mão em pala acima dos olhos, como natural mímica de "vigiar" ...
Portanto, DESPERTAR é o que melhor exprime a ideias do texto original: é
indispensável acordar, deixar de dormir, a fim de não perder o momento solene e
precioso da chegada do Filho do Homem. Vem a seguir o exemplo do homem que, ao
viajar para o exterior (apódêmos) deixa a seus servos o poder (exousía), tendo
cada um seu trabalho (érgon), sendo que ao porteiro é dada ordem de ficar acordado
durante a noite, ainda que durma de dia, pois nas horas diurnas os outros
servos estarão acordados para recebê-lo.
Marcos deixa
claro isso, citando que o Senhor podia chegar a qualquer hora da noite. Os
romanos, e também na Palestina durante o domínio romano que já durava a essa
época mais de sessenta anos, dividiam o dia em 12 horas, sendo a primeira ao
nascer do sol e a 12.ª ao pôr do sol. Aí começavam as "vigílias", que
eram sempre quatro, logicamente mais curtas no verão e mais longas no inverno,
observando-se o contrário nas horas diurnas. Só na primavera e no outono é que
as noites se equilibravam com os dias. A primeira vigília era dita
“noitinha" (opsé), a segunda “noite fechada" ou meia noite
(mesonyktion), a terceira “o cantar do galo” (alektorophónías) e a quarta,
"madrugada" ou “alvorada" (prôí).
O verbo usado por
Lucas. "Estai atentos” (proséchete), é uma particularidade sua.
Nesse evangelista
lemos a recomendação de não beber demasiado, até atingir a embriagues (kraipáiê,
hápax neo testamentário); nem procurar excitantes, naturais ou artificiais, que
inebriem (méthê), pois se perderia o autocontrole; nem se deixar levar pelas
“preocupações da vida" (mérimna biôtikós), pois "aquele dia"
caíra sobre a criatura como "uma rede" (hôs pagís). Além disso, é
aconselhada a oração (deómenoi) para que possa “manter-se de pé"
(staúênai) diante do Filho do Homem, sem fraquejar. E Marcos, que dissera ter
sido a conversa mantida entre o Mestre e os quatro discípulos, não esqueceu a
recomendação final: "o que vos estou dizendo, digo a toda a humanidade:
DESPERTAI"!
Quando o Encontro
sublime está para realizar-se, o candidato percebe sinais precursores, que
foram enigmaticamente citados nos passos que acabamos de ver.
Equivalem a um
renascer de folhas, quando o inverno acaba e principia a primavera; é o surgir
inopinado do Homem Novo, que saíra das cinzas do Homem Velho. Ao assinalar os
tumultos íntimos, saberá o aspirante que "está próximo, às portas" o
momento solene e inolvidável. A seguir é-nos dada garantia de que neste mesmo
ciclo de nossa evolução humana se dará esse minuto definitivo. Não importa que
a Terra se esboroe e o céu se transmude totalmente, modificando-se os
hemisférios celestes pela verticalização do eixo terrestre, devido a seu
“movimento pendular" (precessão do equinócio), na expressão da geografia:
o ensino crístico não se perderá, não falhará jamais. Apesar de tudo, o momento
preciso é absolutamente, totalmente desconhecido de todos: dos mensageiros, dos
Mestres e até do Filho do Homem: só o Pai que habita no âmago de cada um SABE o
momento exato em que poderá manifestar-Se à criatura humana. Da mesma forma que
só o Pai - o Som ou Verbo Criador - é que SABE qual o momento exato em que deve
fazer eclodir a pequenina semente debaixo da terra; só Ele, o Pai, SABE o
instante preciso em que o óvulo deve ser fecundado pelo espermatozoide; só o
Pai SABE o minuto certo em que a pupa deve transformar-se em borboleta; só o
Pai SABE o segundo definitivo de impelir a avezita implume a romper a casca de
seu ovo. O Pai, que está em tudo, que é a essência ultérrima de tudo, com sua
mente onipresente dirige tudo o que ocorre, até "um cabelo que cai da
cabeça" (Luc. 21:18-“quando começarem a acontecer essas coisas, erguei-vos
e levantai a cabeça, pois está próxima a vossa libertação). Daí a verdade
irrefutável de que “só o Pai SABE a respeito daquele dia e daquela hora".
A comparação encontrada pelo Cristo é feita com a ocorrência que sucedeu a Noé.
Noé conseguiu passar da interpretação literal à alegórica (da “pedra" ou
terra, à "água"), mas só percebeu o momento em que devia penetrar em
seu íntimo ("entrar na arca") quando recebeu o "sinal"
(sêmeion) do Cristo Interno. Tanto assim que vemos prosseguir a lição do Gênesis,
que nos ensina que Noé expulsou de si toda a animalidade inferior, simbolizada
no corvo (Gên. 8:7-“e soltou o corvo que foi e voltou esperando que as águas
secassem sobre a terra”). Logo após, envia a paz à Terra, isto é, a pomba (Gên.
8:8-“soltou então a pomba que estava com ele, para ver se tinham diminuído as
águas na superfície do solo”) que regressou a ele, tendo sido recolhida com
suas mãos: a Terra não era ainda digna de receber a paz (Mat. 10:13-“e se for
digna desça a paz sobre ela. Se n~]ao for digna, volte a vós a vossa paz”).
Depois de SETE dias (ou períodos), novamente enviou a pomba, que regressou com
um ramo de oliveira no bico, significando a disposição de a Terra receber a
paz. Mais SETE dias ou períodos de espera, e novamente envia a paz à Terra
("minha paz vos deixo, minha paz vou dou", (João, 14:27-“deixo-vos a
paz, minha paz vos dou). Já fora por Noé penetrado o sentido alegórico das
palavras (lógoi) do livro da vida; já conseguira renunciar definitivamente à
animalidade inferior (corvo); já atingira o grau de pacificador (“Felizes os
pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus", Mat. 5:9-“felizes os
que promovem a paz, porquê serão chamados filhos de Deus). Faltavam ainda
alguns passos. Noé sai da arca, de seu íntimo profundo, e recebe a bênção de
Deus (Gên. 9:1-“=Deus abençoou Noé e seus filhos e lhes disse: Sede fecundos multiplicai-vos,
enchei a terra), que com ele estabelece uma aliança, simbolizada no arco-íris
(Gên.9:17-“Deus disse a Noé: este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim
e toda carne que existe sobre a terra”), a união do céu com a terra, do
Espírito com a matéria: Noé descera à Terra, o "Verbo se fez carne"
(João, 1:14-“e o verbo se fez carne e habitou entre nós e nós vimos sua gloria,
gloria que ele tem junto ao Pai como filho único). Chega então o momento de
penetrar mais fundo em si mesmo: Noé planta a vinha e colhe a uva,
representação iniciática das Escolas gregas. E segue adiante dentro do espírito
da Escola Israelita: transforma a uva em vinho, como vemos feito por Abraão e
por Jesus, e bebe desse vinho da sabedoria até inebriar-se, penetrando o estado
místico profundo (Gên. 9:20-“noé o cultivador, começou a plantar a vinha.
Bebendo vinho, embriagou-se e ficou nu dentro de sua tenda), ficando nu, ou
seja, despojado de tudo o que é material e vivendo apenas no espírito e para o
espírito. Houve, inegavelmente, falta de entendimento da lição sublime por
parte dos comentadores antigos, que acrescentaram uma série de pormenores
pitorescos nessa narrativa, e acabaram fazendo parte do próprio texto. Lições
maravilhosas colhemos no Antigo Testamento, desde que o leiamos com os olhos do
Espírito, e não nos prendamos à letra que atrofia todas as ideias elevadas,
reduzindo-as aos limites da carne e do sangue. Nesse exemplo está reafirmado,
com pormenores típicos: a chegada do Filho do Homem é inesperada para todos os
veículos, já que o único que SABE é o Pai (o Som ou Verbo Criador) que mantém
viva a criatura, habitando em seu âmago; mas o Espírito, o Eu interno - Cristo
individuado na criatura, o "Filho" - embora não saiba o momento
preciso, contudo sente a aproximação. Pode tentar avisar a seus veículos,
sobretudo ao intelecto, mas este não lhe dá a mínima atenção. Tudo continua no
mesmo teor de vida, até que chega de inopino o cataclismo máximo da existência,
e tudo "é levado", enquanto Noé entra na arca. Os veículos, dirigidos
pelo intelecto, prosseguem em sua vida normal, comendo, bebendo, mantendo
relações sexuais, até que são surpreendidos por total modificação,
desaparecendo diante da transformação fundamental - verdadeira
transubstanciação - por que passa o ser. Os exemplos dos "deixados" e
dos "levados" servem para demonstrar que, para suceder esse
nascimento, não é mister isolar-se no ermo, nem viver recluso em monastérios:
na vida normal de trabalho da terra e do lar pode ocorrer isso com uma pessoa,
enquanto a outra a seu lado nada percebe. O aviso essencial, entretanto, é dado
agora, com o imperativo "DESPERTAI, porque não sabeis em que dia vem vosso
vosso Senhor”, que surgirá com toda a Sua substância e imponência do âmago mais
profundo de cada um. E anotemos esse despertar, com toda a sua força e suas
nuanças possíveis. Temos que ficar espiritualmente despertos, em estado
"de vigília", fora do estado de sonolência inconsciente: e mais
ainda: psiquicamente despertos, e não em transe mediúnico, mas em plena
consciência atual vígil, a fim de perceber as minúcias de Seu nascimento em
nós. A recomendação é repisada, em Marcos: "que o Senhor, vindo de
inopino, não os encontre dormindo"; também Lucas sublinha: "para que
possais manter-vos de pé diante do Filho do Homem". Para isso, permanecer
despertos, bem acordados, e orando, a fim de escapar incólumes às inevitáveis
perturbações físicas, emocionais e psíquicas, prevalecendo sobre elas e dominando-as.
Nesse sentido,
Lucas entra em pormenores: não apenas evitar o sono, mas também o coração
pesado pelo muito beber; e mais ainda a excitação ansiosa de expectativa e as
comuns angústias pelas preocupações transitórias da vida material. Trata-se de
tranquilo estado de alerta, na serenidade expectante de quem confia e SABE o
que está para vir, pressentindo a aproximação da parusia (Segunda
vinda de Jesus Cristo à Terra.)Todos os que
SABEM o sentido dessa divina parusia do Filho do Homem, e a experimentaram, não
se iludiram quanto ao sentido literal que era atribuído à frase, nem se
decepcionaram com o "atraso" do regresso "físico” do Cristo ao
mundo, já que conheciam perfeitamente que CRISTO jamais se afastou da
humanidade, dirigindo-lhe os destinos e assistindo-a carinhosamente, e vivendo
no íntimo de cada criatura. Deixamos para o fim a frase: "Não passará esta
geração, até que tudo isso aconteça". Outro sentido, totalmente diverso,
surge dessa sentença: a individuação da Centelha provoca a criação de um ser
que terá sua evolução ininterrupta, embora lenta, até os mais altos cimos. Essa
"viagem evolutiva" constitui uma geração do ser, pois uma vez gerado,
só pode encontrar um caminho: o de subida. Compreendemos, então, que esta
geração do espírito não terminará, não chegará ao fim, não atingirá a meta, sem
que essas coisas anunciadas ocorram. Podem passar céus e terras, podem
transferir-se as criaturas de um planeta a outro ou a outros, mudando de céus e
de terras, mas sua geração só atingirá o alvo depois de haver experimentado
tudo o que aqui se acha predito. Verificamos que a interpretação espiritual se
coloca muito acima da literal. Que importa ao Espírito eterno uma convulsão de
seu planeta? Sim, poderá ela ocorrer, mas será sempre coisa de somenos
importância para o Espírito, tal como seria a destruição de uma casa em relação
do homem que nela habita: buscará outra. Daí não nos conformarmos em ver o
Cristo de Deus preocupado com simples fatos materiais secundários e passageiros
a predizer terremotos como qualquer geólogo diante de seu sismógrafo. Espírito
de tal envergadura só podia preocupar-se com as coisas do Espírito, não com a
matéria perecível.
FONTES:
Carlos T.
Pastorino
Wikipédia
Bíblia de Jerusalém
Pietro Ubaldi
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