O
BOM PASTOR
(João,
10:10,21- "O ladrão não vem só para
roubar, matar e destruir; eu vim para que tenham vida e a tenham abundância. Eu
sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a sua vida pelas suas ovelhas. O mercenário, que
não é pastor, a quem não pertencem vê o lobo aproximar-se abandona as ovelhas e
foge e o lobo as arrebata e dispersa porque ele é mercenário e não se importa
com as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor, conheço as minhas ovelhas e as minhas
ovelhas me conhecem, como o Pai me conhece e eu conheço o Pai; eu dou minha
vida pelas minhas ovelhas; tenho outras ovelhas que não são deste redil; devo
conduzi-las também; elas ouvirão minha voz então haverá um só rebanho, um só pastor.
Por isso o Pai me ama, porque dou minha vida para retoma-la. Ninguém a tira de
mim, mas eu a dou livremente. Tenho o poder de entrega-la e o poder de
retoma-la: esse é o mandamento recebi de meu Pai". Houve novamente uma
cisão entre os judeus; muitos diziam: "Ele tem um demônio! Está delirando!
Porque o escutais? Outros diziam: não são de endemoninhado essas palavras:
porventura o demônio pode abrir os olhos de um cego?
No
resumo de João, passa-se à segunda aplicação da parábola, em que Jesus se diz
"O Bom Pastor". A figura de pastor, com aplicação ao guia espiritual,
já era comum no Antigo Testamento. É atribuída a YHWH "a rocha de
Israel" por Moisés e o próprio YHWH verbera os pastores de Israel porque
relapsos e diz que ele mesmo será o pastor de seu rebanho, salientando que
"suscitará sobre eles um só pastor, que as apascentará, meu servo amado.
Ele as apascentará e servirá de pastor. Eu YHWH serei seu Elohim, e meu servo amado
será príncipe entre eles”.
As
traduções trazem "meu Servo David". ]
Ora,
David reinou em Israel de 1055 a 1015 A.C., ao passo que Ezequiel escreveu essa
profecia no cativeiro da Babilônia, com Oconias, em 592 A.C., isto é, mais de
quatrocentos anos depois de David. A não ser que se queira aceitar que Jesus seria
a reencarnação de David, o que parece contradizer os fatos, pois, temos que
admitir, não se possa falar no futuro de uma personagem passado. Evidente,
então, que nesse passo David é um substantivo comum, e como tal temos de
traduzi-lo: "o amado".
Outros
passos do A.T. em que "pastor" tem esse sentido de "guia'
espiritual: Núm; Crôn; Judit; Ecl;.
Cânt; Isaías; Jeremias, Ezeq; Amós; Nah; Novo Testamento. Mat, Marc..1.º Cor.
Ef, Pe. E em João, 21:15-17, Jesus
encarrega Pedro de cuidar de Seu "rebanho".
Nesta
segunda interpretação da parábola é dado um passo adiante. Salienta Jesus, de
início, que o “ladrão" só vai ao rebanho para "roubar, matar e
destruir", ao passo que Ele veio para vitalizá-las mais abundantemente
(perissóm). E afirma: "eu sou o bom pastor": caracterizando-o pelo
que faz: "aplica sua vida sobre as ovelhas”. Aqui afastamo-nos das
traduções correntes que trazem: "dá a vida pelas ovelhas". Vejamos o
original: ho poimên ho kalos tên psychén autoú títhêsin hypèr tõn probátôn;
ora, títhêmi só tem contra si dídômi (dar) no papiro 45, numa emenda posterior
do Sinaítico (O
Código Sinaítico é
um dos maiores tesouros escritos no mundo), em D e na versão latina e siríaca sinaítica; e títhêmi
significa “depositar, colocar e aplicar" (como prefere o Prof. José
Oiticica, "Os 7 Eu Sou”): tên psychên é a “alma”, o princípio espiritual
vivificador; e hypér pode ser “em favor de", sem dúvida, mas o sentido
principal é "sobre", e há razões para mantê-lo. Não devemos
modificar, na tradução, o significado das palavras, sob pena de escapar-nos o
sentido profundo que elas exprimem. Enquanto o mercenário foge e abandona as
ovelhas ao ver o lobo, o pastor a elas se dedica, porque as ovelhas são de sua
propriedade e ele as ama e as conhece uma a uma pelo nome. Mas outras há que
não são deste aprisco e mister será reuni-las para que haja um só rebanho, um
só pastor. Notemos que no original não há a cópula "e". Essa
universalidade de “salvação" é assinalada por Paulo: "todos vós sois
UM em Cristo" (Gál. 3:28): “há um só Espírito ... até que TODOS
cheguemos" à perfeição (Ef. 4:4, 13). O vers. 8, ao invés das traduções
vulgares que trazem: "tenho direito de dar minha vida e de reassumi-la"
(coisa sem sentido) diz no original: “tenho o poder de aplicar minha alma e
tenho o poder de recolhê-la”, também aqui concordando com a opinião do Prof.
José Oiticica. Novas discussões (cfr. João, 7:43 e 9:16) causaram esse ensino,
uns apontando Jesus como obsedado, outros não acreditando que um obsessor
pudesse ter aberto os olhos a um cego de nascença (absurdos da filosofia
vulgar).
Examinemos,
agora, a parte muito mais importante do ensino, que tem que entender-se
penetrando em profundidade as palavras do rápido resumo que João nos legou.
Analisemos segundo a interpretação dada, no capítulo anterior, aos termos
utilizados. Estamos no plano a que denominamos "mais amplo". “O
ladrão vem apenas para roubar, matar e destruir". Trata-se da personagem
(a matéria, com seu peso; as sensações com seus gozos; as emoções com seus
descontroles apaixonados; o intelecto com sua rebeldia analista e discursiva),
também chamada "antagonista" (satanás) ou adversário (diabo) que pode
mesmo considerar-se um "ladrão" da espiritualidade. Realmente a
personagem "rouba, mata e destrói" tudo o que é espiritual, pois só
vê e percebe as coisas da matéria e dos sentidos. O Cristo Cósmico, entretanto,
penetra tudo e todos, dando-lhes Vida, e "age" para que essa Vida
seja mais abundante e plena, mais rica e vibrante, do que a simples
"vida" psíquica dos veículos inferiores. Então chega-nos a declaração
enfática: "eu sou o BOM PASTOR", o que governa o conjunto das
ovelhas, o que vive nelas e por elas, que delas cuida e as ama, que constitui a
"alma grupo" de todo o rebanho, "a cabeça de todo o corpo".
A esta segue-se a frase que foi modificada por não ter sido entendida: "'o
bom pastor aplica sua alma sobre suas ovelhas", ou seja, o Cristo utiliza
e aplica toda a Sua alma, a Sua força cristônica, sobre Suas criaturas, para
fazê-las evoluir a fim de alcançá-Lo. Isso foi representado ao vivo com o cuspo
misturado à terra, para ser colocado sobre os olhos do cego de nascença. O que
também exprime que só através da encarnação, do mergulho na matéria, é que o ser
pode trabalhar por sua evolução. Aqui entram mais dois elementos de comparação:
o mercenário e o lobo. O "mercenário" é o intelecto, que "faz as
vezes" de pastor, isto é, que em nome do pastor (Mente Cristica) toma
conta dos veículos inferiores. No entanto, sendo mercenário, não cuida como
deve do tesouro que lhe foi confiado; é quando aparecem os lobos (as paixões
desordenadas vorazes, insaciáveis, trazidas pelos instintos, pelos desejos,
pelas necessidades). O mercenário "se retira", deixando campo aberto
e livre às paixões, aos lobos. A frase é de sentido usual e corrente:
perturbação dos sentidos, obliteração intelectual, a ira cega, e tantas outras
expressões que demonstram que realmente nos grandes embates emocionais, os
lobos paralisam o intelecto, amordaçam a acuidade de racionar, e o corpo e o
psiquismo são estraçalhados pelos paroxismos passionais, agarrados e
desorientados pelos rapaces (Que rouba, rapinante. Que persegue a presa
afincadamente: o abutre é rapace. (Diz-se das aves de rapina.), devoradores, que roubam, matam e destroem. Assim age
o intelecto "mercenário", porque as células não lhe pertencem e não
lhe interessam, já que é simples coordenador, como governo central, substituto
eventual e temporário da Mente. Além disso, julga-se a autoridade máxima e
única que tem a capacidade de resolver seus problemas e os da personagem, pois
chega até a ignorar a existência da Mente abstrata: ele vem "de
baixo" (sobe), e a Mente é "de cima"; ele pertence ao Antissistema,
a Mente ao sistema; ele representa o polo negativo, a Mente o positivo: ele é o
chefe dos veículos inferiores, a Mente é espiritual. Daí, com frequência,
recusar o intelecto a espiritualização e confessar-se materialista e ateu, só
acreditando no que a ele chega através dos sentidos, e não da PORTA que é o
Cristo.
Já
com o Cristo o caso difere fundamentalmente. Ele conhece uma a uma cada célula
(cfr. Mat. 10:30; Luc. 12:7 e 21:18), porque de dentro de cada uma, embora
também de fora (imanente e transcendente) a impele à evolução, ajudando-lhe a
escalada ascensional. As células lhe pertencem, porque são condensação sua, quando
se sacrificou, baixando suas vibrações até o Antissistema, a fim de
provocar-lhes a individuação que lhes forneça a diferenciação do Todo, para o
aprendizado. O Cristo Interno, por isso, APLICA SUA ALMA sobre cada uma das
células, e por isso as conhece plenamente, tanto quanto conhece o Pai e é
conhecido pelo Pai; pois assim como Ele é UM com o Pai e o Pai UM com Ele,
assim Ele é UM com as células e as células são UM com Ele. Como agora estamos
considerando as células já evoluídas ao estágio hominal (na acepção do “plano
mais amplo"), neste sentido o Cristo afirma também que conhece cada ser
humano tanto quanto é conhecido pelo Pai e vice-versa, porque o Cristo é UM com
cada uma de Suas criaturas, embora cada criatura ainda não saiba que é UM com
Ele. E não o sabe porque se acha dissociada dele pelo intelecto da personagem
que, tendo vindo "de baixo", ainda é cega de nascença: o mercenário
ainda não conhece o pastor verdadeiro e chega até ao cúmulo de negar Sua
existência ... Acontece, porém, que na evolução do planeta Terra, onde foram
reunidas todas as antigas células, hoje seres humanos, houve várias trocas de
domicílio. A Terra recebeu, sabemos, pela generosidade de seus Mentores, grande
grupo de "espíritos" provenientes de Capela e outros planetas, que
não pertencem a evolução terrena, assim como também muitos dos nativos da Terra
estão estagiando em outros planetas ("Na casa de meu Pai há muitas
moradas", João, 14:2). A quais se refere o Cristo? Aos que estão em outros
planetas e que precisam ser trazidos para cá, a fim de formarem o conjunto com
seus antigos companheiros? Ou aos que estão aqui, mas "não são deste
aprisco”, aos quais, porém, é mister unir aos deste, para que formem um todo?
De qualquer forma - ou trazendo os de fora para cá, quando o planeta tiver
evoluído para recebê-los, ou conquistando os estranhos que aqui estão - o fato
é que deverá formar-se um só rebanho, uma só humanidade, um só pastor; da mesma
forma que cada corpo possui um só Espírito, assim a humanidade possui uma só
“alma grupo". Para reunir a todos, será utilizado o processo científico da
sintonização de vibrações (“ouvir a voz", isto é, igualar a frequência
vibratória do SOM). A ação do Cristo, embora constante ("Meu Pai age até
agora, eu também ajo") João, 5:17) é sentida por nós intermitentemente,
porque Ele tem "o poder de aplicar e o poder de recolher” Sua força
cristônica, segundo Sua vontade, sem que por ninguém seja coagido. Realmente,
em muitos momentos sentimos o "apelo" que nos ativa o desejo de
encontrá-Lo. Daí a teoria da "graça", que não chega quando nós
queremos, mas quando a vontade divina o determina, por ser o melhor momento
para cada um de nós. Então, podemos interpretar a "graça" como uma
atuação mais forte do Cristo Interno dentro de cada um, aplicando a vibração do
SOM, "Sua alma", e buscando dar-nos a tônica, para que, de nossa
parte, busquemos sintonizar com essa nota básica.
A
tônica é o AMOR, por isso o Pai vibra como Amante e o Cristo age como Amado (David),
constituindo o “príncipe” entre todos. Essa é a ordem do Pai. O Cristo,
portanto, é o bom pastor, o chefe de todo o rebanho que atualmente constitui a
humanidade terrestre; conhece todas e cada uma de Suas ovelhas, e aplica Sua
força a cada uma delas no momento mais oportuno; e quando elas começam a agir
por si, recolhe essa força, a fim de permitir que elas trabalhem pessoalmente
por sua própria evolução. Indispensável que aprendam a trabalhar sozinhas, assumindo
a responsabilidade plena seus atos. No campo iniciático, o Cristo é o Bom
Pastor, ou seja, o verdadeiro Hierofante e Rei, dentro de nós ("Um só é
vosso Mestre, o Cristo", Mat., 23:10). As criaturas que agem em Seu nome,
os intelectos personalísticos que se fazem passar por Mestre, são simples
agentes que vêm "de baixo", mercenários e ladrões de almas, que
roubam, matam e destroem tudo o que é verdadeiramente espiritual, para seu
próprio proveito vaidoso, de terem sequazes que os endeusem. São numerosos e
enganam a muitos só não chegando conquistar as ovelhas escolhidas, porque estas
conhecem a "voz" do verdadeiro pastor, e não seguem estranhos. Os
SONS que produzem são diferentes, fora da tônica do AMOR do Cristo. Os que são
realmente emissários seus, esses jamais falam em seus próprios nomes, não
aceitam sequer o nome de mestres, sabem que nada sabem, e que tudo o que lhes
vem, é proveniente do Cristo Interno que neles age. Não fazem seguidores,
porque convidam apenas os homens e acompanhá-los no cortejo do Cristo, para
onde todos caminham, uns mais à frente, outros mais à retaguarda, uns como
"guias" do rebanho, com a campainha ao pescoço, outros colaborando,
mas todas simples ovelhas do único rebanho do único pastor. O evangelista
assinala, ainda uma vez, a divergência entre os religiosos
("judeus"): uns julgando obsedado aquele que transmite os ensinos do
Cristo, outros, porém, "sentindo" em sua voz a doce tônica do AMOR,
que faz os cegos verem, isto é, que ilumina os intelectos, e comove os corações,
atraindo-os ao Cristo. Que a voz do Bom Pastor seja sempre o guia de nossos
Espíritos, para que jamais percamos o rumo certo, para que não erremos pelas
estradas invias (intransitável; inacessível),
para que nos libertemos dos lobos vorazes, e só vivamos pelo AMOR e para o
AMOR.
FONTE:
C.
Torres Pastorino
Bíblia
de jerusalem
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