domingo, 4 de outubro de 2020

OS DOIS CRUCIFICADOS

 

OS DOIS CRUCIFICADOS

 

"Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali o crucificaram a ele, e também aos malfeitores, um à direita, outro à esquerda." (Lucas, XIII, 33.)

"Um dos malfeitores suspensos à cruz o insultava dizendo: Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós! Mas o outro, tomando a palavra o repreendia: Nem ao menos temes a Deus, estando debaixo da mesma condenação? Nem sequer temes a Deus estrando da mesma condenação? Quanto a nós é de justiça; pagamos por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres com teu reino. Ele respondeu: Em verdade eu te digo hoje estarás comigo no Paraíso." (Lucas, XXIII, 39-43.)

"Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita, e outro à esquerda. Os transeuntes injuriavam-no meneando a cabeça e dizendo: ”Ah! Tu que destrói o templo e em três dias o reedifica, salva-te a ti mesmo descendo da cruz! Do mesmo modo também os chefes dos sacerdotes, caçoando dele entre si e com os escribas diziam: “a outros salvou, a si mesmo não pode salvar! ” O Messias o rei de Israel... que desça agora da cruz para que vejamos e creiamos e até os que haviam sido crucificados com ele o ultrajavam." (Marcos, XV, 27-32.)

" com ele foram crucificados dois ladrões, um à direita, outro à esquerda. Os transeuntes injuriavam-no meneando a cabeça e dizendo: tu que destrói o templo e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo; se és Filho de Deus e desce da cruz; do mesmo modo também os chefes dos sacerdotes juntamente com os escribas e anciãos, caçoavam dele: a outros salvou, a si mesmo não pode salvar; Rei de Israel que é que desça agora da cruz e creremos nele. Confiou em Deus? Pois que o livre agora, se é que se interessa por ele! Já que ele disse: eu Sou Filho de Deus; e até os ladrões que foram crucificados com ele, o insultavam (Mateus, XXVII, 38-44.)

"... onde o crucificaram e com ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio." (João, XIX, 18.)

"... como era a preparação, os judeus, para que os corpos não ficassem na cruz durante o sábado – porque esse sábado era grande dia pediram a Pilatos que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as pernas, e que fossem retirados.

Vieram então os soldados e quebraram as pernas ao primeiro e depois do outro que foram crucificados com ele; chegando, a jesus, e vendo-o já morto não lhe quebraram as pernas como o vissem morto; não lhe quebraram as pernas...". (João, XIX, 31-32.)

 

 

A crucificação é o mais antigo de todos os suplícios, inventado para dar a morte com dores atrozes e demorados sofrimentos. Essa tortura veio do Oriente.

O suplício da cruz não apareceu completo, como geralmente se julga, mas foi sendo aperfeiçoado aos poucos.

No princípio consistia num simples poste de madeira enterrado, no qual o condenado era preso com cravas e cordas. Às vezes o poste era substituído por qualquer arvore: o criminoso era ligado ao tronco com cravos, tendo os braços estendidos sobre os ramos. Mais tarde apareceu a cruz em forma de T, depois de X (Cruz de S. André), de Y, e, por fim, aquela que serviu para crucificar a Jesus, havendo outros tipos.

Os romanos puniam com o suplício da cruz os escravos, os ladrões, os assassinos. Os condenados eram primeiramente açoitados com correias e arrastados pelas ruas.

Este suplício bárbaro não tardou a ser imitado pelos judeus, sofrendo, entretanto, algumas modificações. Os romanos mantinham os corpos três dias na cruz, ao passo que os judeus crucificavam e de tal modo torturavam a vítima, que a morte não se fazia demorar. Tiravam-na depois da cruz, quebravam-lhe as pernas e a enterravam.

A transcrição dos trechos evangélicos dá bem uma ideia do suplício da crucificação.

Vê-se que os dois condenados que foram crucificados com Jesus tiveram as pernas quebradas; contudo, não aplicaram o mesmo processo a Jesus, por haverem constatado a sua morte, cumprindo-se a profecia: "Nenhum dos seus ossos será quebrado."

Quebrar as pernas era o método que impedia o crucificado de se apoiar onde os pés eram cravados e encher os pulmões demorando a morrer.

O mundo de então era uma barbaridade. Punia-se um crime com um crime maior; não se educava o delinquente, não o corrigiam, mas o condenavam. E a pena era: tortura, suplício, morte!

A ideia que os donos do poder faziam da morte, pela legislação antiga, era a extinção da alma ou a sua deportação para o Inferno.

A teoria da "vida única", tal como a concebiam os doutores da Lei, os governadores e os sacerdotes, não podia mesmo estabelecer diferença entre um assassino e um ladrão. Os que acreditavam na imortalidade tinham desse princípio uma noção muito vaga, aliando-a à ideia do juízo final e à da ressurreição da carne, tal como a concebem atualmente os católicos romanos e os protestantes.

Jesus veio destruir todos esses dogmas e crenças hereditárias, demonstrando o que é, verdadeiramente, a morte, erguendo sobre o princípio da imortalidade a Religião do Perdão e do Amor.

As passagens dos Evangelhos aqui referidas nos apresentam um quadro bem contristador: dois condenados, por terem praticado delitos não especificados, pendurados também no madeiro infamante ao lado do meigo Nazareno - um à direita, outro à esquerda. Diz Lucas que eram dois malfeitores; Marcos e Mateus dizem que eram dois salteadores; João limitou-se a dizer que eram dois indivíduos.

Os Evangelhos, mesmo os chamados Sinóticos, não estão de acordo quanto à narração que fazem dos dois crucificados e da sua atitude para com Jesus, Marcos e Mateus afirmam que eles zombavam e blasfemavam contra o Senhor; Lucas diz que só um deles dirigiu uma frase a Jesus: "Não és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós também." João faz ligeira referência aos dois condenados, limitando-se a dizer que "onde crucificaram a Jesus, também crucificaram com ele outros dois".

Um trecho do capítulo de Lucas é muito aproveitado pelos pastores protestantes e padres romanos para fazerem prevalecer as suas doutrinas de conversão à hora da morte.

E a passagem chamada do bom ladrão, que dissera a Jesus: "lembra-te de mim quando entrares no teu reino" e obteve a resposta:

"Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso."

Esta promessa não significa mais que o conhecimento de situação que Jesus daria àquele infeliz, após a sua passagem para a outra vida.

O Paraíso não é num lugar determinado, numa estância escolhida, nem, tampouco, a sede da suprema bem-aventurança. O mundo espiritual é o Paraíso, e o espírito, para vê-lo tal como é, precisa ter conhecimento do seu Estado de desencarnação. Esse conhecimento, Jesus o prometeu ao "bom ladrão", respondendo à súplica que ele lhe fez.

E, pelos Evangelhos, vemos claramente que o próprio Jesus não foi para Paraíso algum.

Em seguida à sua morte Ele ressuscitou e ficou mesmo na Terra, por espaço de 40 dias, aparecendo a uns e outros, como dizem as Escrituras e como também o pregam o Catolicismo e o Protestantismo.

A expressão: "Hoje estarás comigo no Paraíso", não quer dizer outra coisa senão: hoje conhecerás a imortalidade, conhecerás a tua situação futura e verás o Mundo Espiritual, no qual te acharás.

Entretanto essa promessa não se estende à plenitude de felicidade que o "bom ladrão" iria fruir ao lado de Jesus. O conhecimento do estado e do meio em que nos achamos é muita coisa, mas não é felicidade completa, não é gozo. É uma condição preparatória para a obtenção da felicidade real, mas não é o alcance da mesma, que só se pode conquistar mediante a reparação das faltas e a aquisição de sabedoria e virtudes que testemunhem o nosso mérito.

Se o ingresso para o "Paraíso" se obtivesse com a conversão à hora da morte, após uma vida de desorientação e de desleixo em que só se realçam as paixões más, vamos concordar em que a virtude seria letra morta e a sabedoria não teria sanção nos conselhos eternos.

Não viemos a este mundo para pagar pecados de quem quer que seja, nem para arrepender-nos de coisa nenhuma, mas, sim, para progredir na prática do Bem e conquistar o Saber.

Os dois crucificados, tanto o "bom" como o "mau" ladrão, hão de chegar à perfeição por séries de virtudes, pelos esforços congregados em múltiplas existências, porque "ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo".

 

FONTE:

Carlos T. Pastorino

Bíblia de Jerusalém

 

 

 

 

 

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