OS DOIS CRUCIFICADOS
"Quando chegaram ao lugar chamado Calvário, ali o
crucificaram a ele, e também aos malfeitores, um à direita, outro à
esquerda." (Lucas, XIII, 33.)
"Um dos malfeitores suspensos à cruz o insultava dizendo: Não
és tu o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós! Mas o outro, tomando a palavra o
repreendia: Nem ao menos temes a Deus, estando debaixo da mesma condenação? Nem
sequer temes a Deus estrando da mesma condenação? Quanto a nós é de justiça;
pagamos por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal. E acrescentou: Jesus,
lembra-te de mim quando vieres com teu reino. Ele respondeu: Em verdade eu te digo
hoje estarás comigo no Paraíso." (Lucas, XXIII, 39-43.)
"Com ele crucificaram dois ladrões, um à sua direita, e outro
à esquerda. Os transeuntes injuriavam-no meneando a cabeça e dizendo: ”Ah! Tu
que destrói o templo e em três dias o reedifica, salva-te a ti mesmo descendo
da cruz! Do mesmo modo também os chefes dos sacerdotes, caçoando dele entre si
e com os escribas diziam: “a outros salvou, a si mesmo não pode salvar! ” O
Messias o rei de Israel... que desça agora da cruz para que vejamos e creiamos e
até os que haviam sido crucificados com ele o ultrajavam." (Marcos, XV,
27-32.)
" com ele foram crucificados dois ladrões, um à direita,
outro à esquerda. Os transeuntes injuriavam-no meneando a cabeça e dizendo: tu
que destrói o templo e em três dias o reedificas, salva-te a ti mesmo; se és
Filho de Deus e desce da cruz; do mesmo modo também os chefes dos sacerdotes
juntamente com os escribas e anciãos, caçoavam dele: a outros salvou, a si
mesmo não pode salvar; Rei de Israel que é que desça agora da cruz e creremos
nele. Confiou em Deus? Pois que o livre agora, se é que se interessa por ele! Já
que ele disse: eu Sou Filho de Deus; e até os ladrões que foram crucificados
com ele, o insultavam (Mateus, XXVII, 38-44.)
"... onde o crucificaram e com ele outros dois, um de cada
lado, e Jesus no meio." (João, XIX, 18.)
"... como era a preparação, os judeus, para que os corpos não
ficassem na cruz durante o sábado – porque esse sábado era grande dia pediram a
Pilatos que lhes quebrassem as pernas e fossem retirados pediram a Pilatos que
se lhes quebrassem as pernas, e que fossem retirados.
Vieram então os soldados e quebraram as pernas ao primeiro e depois
do outro que foram crucificados com ele; chegando, a jesus, e vendo-o já morto
não lhe quebraram as pernas como o vissem morto; não lhe quebraram as
pernas...". (João, XIX, 31-32.)
A crucificação é o mais antigo de todos os suplícios, inventado
para dar a morte com dores atrozes e demorados sofrimentos. Essa tortura veio
do Oriente.
O suplício da cruz não apareceu completo, como geralmente se
julga, mas foi sendo aperfeiçoado aos poucos.
No princípio consistia num simples poste de madeira enterrado, no
qual o condenado era preso com cravas e cordas. Às vezes o poste era
substituído por qualquer arvore: o criminoso era ligado ao tronco com cravos,
tendo os braços estendidos sobre os ramos. Mais tarde apareceu a cruz em forma
de T, depois de X (Cruz de S. André), de Y, e, por fim, aquela que serviu para
crucificar a Jesus, havendo outros tipos.
Os romanos puniam com o suplício da cruz os escravos, os ladrões,
os assassinos. Os condenados eram primeiramente açoitados com correias e
arrastados pelas ruas.
Este suplício bárbaro não tardou a ser imitado pelos judeus,
sofrendo, entretanto, algumas modificações. Os romanos mantinham os corpos três
dias na cruz, ao passo que os judeus crucificavam e de tal modo torturavam a
vítima, que a morte não se fazia demorar. Tiravam-na depois da cruz,
quebravam-lhe as pernas e a enterravam.
A transcrição dos trechos evangélicos dá bem uma ideia do suplício
da crucificação.
Vê-se que os dois condenados que foram crucificados com Jesus
tiveram as pernas quebradas; contudo, não aplicaram o mesmo processo a Jesus,
por haverem constatado a sua morte, cumprindo-se a profecia: "Nenhum dos
seus ossos será quebrado."
Quebrar as pernas era o método que impedia o crucificado de se apoiar
onde os pés eram cravados e encher os pulmões demorando a morrer.
O mundo de então era uma barbaridade. Punia-se um crime com um
crime maior; não se educava o delinquente, não o corrigiam, mas o condenavam. E
a pena era: tortura, suplício, morte!
A ideia que os donos do poder faziam da morte, pela legislação
antiga, era a extinção da alma ou a sua deportação para o Inferno.
A teoria da "vida única", tal como a concebiam os
doutores da Lei, os governadores e os sacerdotes, não podia mesmo estabelecer
diferença entre um assassino e um ladrão. Os que acreditavam na imortalidade
tinham desse princípio uma noção muito vaga, aliando-a à ideia do juízo final e
à da ressurreição da carne, tal como a concebem atualmente os católicos romanos
e os protestantes.
Jesus veio destruir todos esses dogmas e crenças hereditárias,
demonstrando o que é, verdadeiramente, a morte, erguendo sobre o princípio da
imortalidade a Religião do Perdão e do Amor.
As passagens dos Evangelhos aqui referidas nos apresentam um
quadro bem contristador: dois condenados, por terem praticado delitos não
especificados, pendurados também no madeiro infamante ao lado do meigo Nazareno
- um à direita, outro à esquerda. Diz Lucas que eram dois malfeitores; Marcos e
Mateus dizem que eram dois salteadores; João limitou-se a dizer que eram dois
indivíduos.
Os Evangelhos, mesmo os chamados Sinóticos, não estão de acordo
quanto à narração que fazem dos dois crucificados e da sua atitude para com
Jesus, Marcos e Mateus afirmam que eles zombavam e blasfemavam contra o Senhor;
Lucas diz que só um deles dirigiu uma frase a Jesus: "Não és tu o Cristo?
Salva-te a ti mesmo e a nós também." João faz ligeira referência aos dois
condenados, limitando-se a dizer que "onde crucificaram a Jesus, também
crucificaram com ele outros dois".
Um trecho do capítulo de Lucas é muito aproveitado pelos pastores
protestantes e padres romanos para fazerem prevalecer as suas doutrinas de
conversão à hora da morte.
E a passagem chamada do bom ladrão, que dissera a Jesus:
"lembra-te de mim quando entrares no teu reino" e obteve a resposta:
"Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso."
Esta promessa não significa mais que o conhecimento de situação
que Jesus daria àquele infeliz, após a sua passagem para a outra vida.
O Paraíso não é num lugar determinado, numa estância escolhida,
nem, tampouco, a sede da suprema bem-aventurança. O mundo espiritual é o
Paraíso, e o espírito, para vê-lo tal como é, precisa ter conhecimento do seu
Estado de desencarnação. Esse conhecimento, Jesus o prometeu ao "bom
ladrão", respondendo à súplica que ele lhe fez.
E, pelos Evangelhos, vemos claramente que o próprio Jesus não foi
para Paraíso algum.
Em seguida à sua morte Ele ressuscitou e ficou mesmo na Terra, por
espaço de 40 dias, aparecendo a uns e outros, como dizem as Escrituras e como
também o pregam o Catolicismo e o Protestantismo.
A expressão: "Hoje estarás comigo no Paraíso", não quer
dizer outra coisa senão: hoje conhecerás a imortalidade, conhecerás a tua
situação futura e verás o Mundo Espiritual, no qual te acharás.
Entretanto essa promessa não se estende à plenitude de felicidade
que o "bom ladrão" iria fruir ao lado de Jesus. O conhecimento do
estado e do meio em que nos achamos é muita coisa, mas não é felicidade
completa, não é gozo. É uma condição preparatória para a obtenção da felicidade
real, mas não é o alcance da mesma, que só se pode conquistar mediante a
reparação das faltas e a aquisição de sabedoria e virtudes que testemunhem o
nosso mérito.
Se o ingresso para o "Paraíso" se obtivesse com a
conversão à hora da morte, após uma vida de desorientação e de desleixo em que
só se realçam as paixões más, vamos concordar em que a virtude seria letra
morta e a sabedoria não teria sanção nos conselhos eternos.
Não viemos a este mundo para pagar pecados de quem quer que seja,
nem para arrepender-nos de coisa nenhuma, mas, sim, para progredir na prática
do Bem e conquistar o Saber.
Os dois crucificados, tanto o "bom" como o
"mau" ladrão, hão de chegar à perfeição por séries de virtudes, pelos
esforços congregados em múltiplas existências, porque "ninguém pode ver o
Reino de Deus se não nascer de novo".
FONTE:
Carlos T. Pastorino
Bíblia de Jerusalém
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