O FERMENTO
(Mt 13,33-35; Lc
13,20-21)
O fermento.
Propôs-lhe ainda outra parábola: “O reino dos céus é semelhante a um fermento,
que urna mulher tomou e meteu em três medidas de farinha, até ficar tudo
levedado”.
Tudo isto dizia
Jesus ao povo em parábolas, e não lhe falava senão por parábolas, vindo a
cumprir-se, assim, a palavra do profeta: “Abrirei os meus lábios, propondo
parábolas; revelarei o que estava oculto desde a criação do mundo”.
A experiência
mística transforma todas as vivências profanas.
Esta parábola
abrange apenas duas ou três linhas. Nasceu, certamente, na cozinha da modesta
casinha de Nazaré, onde Maria preparava a massa de farinha para o pão do dia
seguinte; e o jovem carpinteiro acompanhava, interessado e curioso, todo o
processo. Durante a noite, um punhadinho de fermento vivo levedou grande massa
de farinha, fazendo-a crescer, crescer – até que toda a massa compacta se
transformasse na massa leve e porosa para o pão do dia seguinte.
E logo surgiu na
alma intuitiva de Jesus o simbolizado espiritual correspondente a esse símbolo material.
Não era isto mesmo que aconteceria com o fermento sagrado do Reino de Deus que
ele ia lançar na massa da humanidade profana?
O fermento atua
lentamente, silenciosamente, constantemente, de dentro para fora. Ninguém vê a
causa invisível dos efeitos visíveis. A qualidade permeia totalmente as
quantidades. Do invisível vem o visível.
O fermento é o
elemento divino no homem que os hindus chamam Atman (Atman ou Atma (na
escrita devanágari, आत्म ) é uma palavra em sânscrito que
significa alma ou sopro vital.), os livros sacros Alma, a nossa
filosofia designa pelo Eu central, e Jesus denomina o “Reino de Deus no homem”.
As três medidas
de farinha simbolizam os três aspectos do ego humano: material, mental e
emocional.
Para que haja
transformação do ego pelo Eu, do homem profano pelo homem sacro, deve haver contato
direto entre esses invólucros periféricos da natureza humana e seu conteúdo
central; deve haver uma interpenetração entre o seu Eu divino e seus egos
humanos. O homem profano, que só conhece o ego e ignora o Eu, não pode
levedar-se por si mesmo. O homem místico, que aceita o Eu e rejeita o ego, não
pode transformar este, por falta de contato; pode intensificar o fermento espiritual,
mas não transforma os elementos do ego hominal. O homem cósmico, porém, permeia
as três medidas do ego humano pelo fermento do Eu divino; verificará uma
paulatina transformação da vida externa pela vitalidade da essência interna. Em
vez de um resignado conformismo, ou de um fugitivo escapismo, realiza o homem
crístico uma total transformação da sua natureza.
Quando falamos na
necessidade de contato entre o fermento e a massa de farinha, não nos referimos
a um contato material ou social. Por via de regra, o contato externo é
inversamente proporcional ao contato interno; um homem social e sociável é,
geralmente, incapaz de carregar devidamente a sua bateria espiritual; enquanto
ele não cortar os fios-terra da sua permanente dispersividade, não acumulará
energia espiritual e não beneficiará os homens.
Somente um homem
solitário em Deus pode ser proveitosamente solidário com os homens.
Daí a imperiosa
necessidade de profunda e diuturna meditação e de prolongado retiro espiritual.
É ilusão de
muitos profanos pensar que um místico, vivendo em longínqua e ignota solidão,
não tenha contato real com a humanidade. As invisíveis auras espirituais de um
verdadeiro místico ou homem auto realizado, mesmo que ninguém saiba de sua
existência, atuam poderosamente sobre outros homens, suposto que estes sejam
receptíveis para esse recebimento de fluidos espirituais. E esses fluidos
invisíveis atuam a qualquer distância. O contato real não é necessariamente
material nem social. Aliás, a nossa própria ciência já não identifica o real
com o material; muitas vezes o real é totalmente imaterial. Uma vibração aérea
produzida por um agente material, como a voz humana, morre apouca distância, ao
passo que uma vibração eletrônica, totalmente imperceptível, atravessa espaços
imensos, vai até à Lua e além.
Basta que um
homem eleve à mais alta voltagem o fermento da sua espiritualidade – e
beneficiará a todos os beneficiáveis. Um receptor de rádio não tem necessidade
de saber onde se acha a estação emissora; esta lança assuas ondas eletrônicas
em todas as direções, e qualquer receptor devidamente afinado pela frequência
do emissor receberá a irradiação.
É importante que
haja estações de alta voltagem espiritual na humanidade – e todos os homens
devidamente afinados serão beneficiados por esses emissores místicos, embora
totalmente desconhecidos. Neste sentido escreveu Mahatma Gandhi: “Quando um
único homem chega à plenitude do amor, neutraliza o ódio de muitos milhões”.
No mundo da
metafísica e da mística vale a mesma lei que a ciência conhece no mundo da
física. Nenhuma energia se perde – todas as energias se transformam.
A torre e a
empresa bélica
Cristianismo
integral. Grandes multidões o acompanhavam. Jesus voltou e disse-0lhes: Se alguém
vem a mim e n]ao odeia seu próprio pai e mãe, voltou-se Jesus e disse-lhes: “Se
alguém vier a mim, mas não odiar seu pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs,
e até a própria vida, não pode ser meu discípulo.
Quem de vós, com
efeito, querendo construir uma torre, não se senta para calcular as despesas e
ponderar se tem com que terminar? Não aconteça que, tendo colocado o alicerce e
não sendo capaz de acabar, todos os que
virem comecem a caçoar dele, dizendo: Esse homem começou a construir e não pôde
acabar! Ou ainda: qual o rei que partindo para guerrear com outro rei, não se
senta para examinar se, com dez mil homens, poderá confrontar-se com aquele que
vem contra ele com vinte mil? Do contrário enquanto o outro ainda está longe
envia uma embaixada para perguntar as condições de paz. Igualmente, portanto,
qualquer de vós, que não enunciar a tudo o que possui não pode ser meu
discípulo. O sal, de fato, é bom. Porém se até o sal se tornar insosso, com que
se há de PARA temperar? NÃO preta para a terra, nem é útil para esterco:
jogam-no fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça! “Ainda a si mesmo, não pode
ser meu discípulo. Quem não carregar a sua cruz e me seguir, não pode ser meu
discípulo.
Quando algum de
vós quer edificar uma torre, não se senta antes para calcular-se dispõe dos
meios necessários para a obra? Pois, se lançar os alicerces e não puder
terminar a obra, toda a gente que o vir zombará dele, dizendo: Esse homem
começou uma construção, e não a pôde levar a termo.
Ou quando um rei
quer empreender uma guerra contra outro rei, não se senta antes para deliberar,
se com dez mil homens pode sair a campo contra quem vem atacá-lo com vinte mil?
No caso contrário, mandará uma embaixada, enquanto o outro ainda está longe,
solicitando convênios de paz.
Do mesmo modo,
não pode nenhum de vós ser meu discípulo, se não renunciara tudo quanto possui.
O sal é coisa
boa. Mas, se o sal se desvirtuar, com que se há de temperá-lo?
Não presta nem
para terra nem para estrume; mas é lançado fora. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!
” (Lc 14, 25-35)
Pela renúncia
voluntária a todos realiza o homem o seu Ser.
Entre os
seguidores de Jesus havia muitas pessoas de boa vontade, dispostas a serem
virtuosas - mas havia poucos sapientes, dispostos a se desapegarem de todo e
qualquer apego ao ego humano para se entregarem sem reservas ao Eu divino.
A esses
discípulos medíocres, indecisos, vacilantes, propõe o Mestre duas pequenas
parábolas para mostrar que, com essas meias-medidas, não alcançariam a meta
suprema, a redenção ou auto realização.
Como muitas
outras parábolas, também estas duas, referentes à construção de uma torre e ao
empreendimento bélico, são flagrantemente paradoxais, incompreensíveis à luz do
nosso ego humano. Quando alguém quer construir uma torre – digamos, um
arranha-céu de trinta andares – não deve começar a construção sem primeiro
fazer um orçamento cuidadoso, calculando se tem os recursos suficientes para
terminar o edifício; do contrário, terá de deixar a obra inacabada, com grandes
prejuízos e, ainda por cima, expõe-se ao escárnio dos vizinhos, que o tacharão
de inepto e tolo.
Ou, se alguém
resolver declarar guerra a outro país, deve calcular primeiro se com dez mil
soldados pode sair ao encontro de um exército de vinte mil; do contrário,
depois de iniciar a guerra, e vendo-se inferior ao inimigo, será obrigado a
solicitar convênios de paz, que, como se sabe, são sempre humilhantes e
desastrosos para o derrotado.
Até aqui, Jesus
falou como um verdadeiro perito em assuntos financeiros e como um estrategista
em assuntos militares. Tem-se mesmo a impressão de ouvir falar um moderno
Rockefeller ou Eisenhower. E o leitor de nossos dias esperaria que o Mestre
prosseguisse na mesma linha de lógica e perícia, recomendando ao construtor da
torre que arranjasse o dobro ou triplo do dinheiro para terminar o seu
arranha-céu inacabado; esperaríamos que aconselhasse ao general do exército de
dez mil soldados que duplicasse o efetivo das suas forças militares, para poder
derrotar o inimigo que dispõe de vinte mil soldados.
É o que todo
homem sensatamente egocêntrico esperaria.
Mas, para nosso
imenso espanto, o Mestre propõe exatamente o contrário. Em vez de aumentar os
recursos para a vitória final, manda ele diminuí-los, não pelame ade, mas até
zero – a fim de poder vencer... manda subtrair em vez de adicionar.
A conclusão das
duas parábolas, da torre e da guerra, é a seguinte: “Do mesmo modo, não pode
nenhum de vós ser meu discípulo se não renunciar a tudo que tem”.
O Mestre manda
reduzir a zero tudo que o homem tem, ou pode ter, a fim de intensificar ao
máximo o seu Ser. Os seus teres são o motivo da sua derrota, o seu Ser é
garantia de vitória. Ter algo é desastroso – ser alguém é glorioso. O ter é
inversamente proporcional ao ser.
Quem tem muitos algozes
não os deve aumentar para vencer, mas deve renunciara todos eles, a fim de ser
alguém – e só assim é que pode construir a torre da sua auto realização e
derrotar os inimigos da mesma, o ego e seus aliados.
“Bem-aventurados
os pobres pelo espírito – porque deles é o Reino dos Céus”.
É deveras
estranha, e positivamente incompreensível, essa linguagem dos grandes Mestres
da sapiência e da potência. A consciência deles habita numa dimensão totalmente
diferente da nossa; para nós, o poder está na quantidade– para eles, na
qualidade. Pura nós, poder é ter muito – para eles, renunciar voluntariamente
ao ter é realizar o ser.
Que sabemos nós
do Ser? É uma palavra abstrata, e nada mais –, para os
Mestres o Ser é a
quintessência de todo o poder.
Há quase 2000
anos que esta sapiência apareceu na face da terra – mas quem a compreendeu?
Dentre os que se dizem discípulos do Cristo não há 1 entre 1milhão que
compreenda e viva a realidade do seu ser, do seu Eu, da sua alma.
Ser cristão é,
para nós, uma convenção social, uma rotina tradicional – não é uma experiência
interior.
Nos últimos
tempos, está prevalecendo cada vez mais a ânsia do autoconhecimento e da auto
realização. Quase 2000 anos de chamado cristianismo nos alhearam do Cristo; mas
a alma humana, cristica por sua própria natureza, tem veementes anseios de
cristificação.
Quem lê o
Evangelho superficialmente tem a impressão ingrata de que o Cristo vivia
totalmente no mundo do além, e nada queria saber do mundo do aquém; quantas
vezes repete ele “quem não renunciar a tudo o que tem não pode ser meu
discípulo”?! Em face desse aparente além-nismo, o grosso da humanidade, que não
pode viver sem ter algo, desanima e acaba por se convencer de que a mensagem do
Cristo é para uma pequenina elite de privilegiados, de místicos escapistas, e
que a humanidade como tal não pode realizar essa mensagem transcendental.
Esta é a
impressão à primeira vista, e muitos nunca conseguem emancipar-se dessa
impressão desanimadora; os aquém-nistas nada sabem do além-nismo.
Limitam-se apenas
a certas práticas cristãs externas, ou se tornam totalmente indiferentes à
mensagem do Cristo.
Somente uma visão
e uma vivência mais profundas do Evangelho nos convencem de que Jesus não era
um espiritualista místico, um além-nista alheio às coisas do aquém. O que nele
havia de diferente e incompreensível é o modo como o homem deve possuir as
coisas materiais. Diz ele, com absoluta clareza: “Vosso Pai celeste sabe que de
tudo isto haveis mister”, isto é, que tendes necessidade das coisas materiais,
casa, roupa, alimentos etc., para uma vida dignamente humana; ele não nega
absolutamente que o homem deva possuir certos bens e certo conforto material;
Jesus nunca professou a filosofia niilista de Diógenes, que fazia consistir a
felicidade em não ter nada e não desejar nada.
O que há de
estranho na mentalidade do Nazareno é uma certa matemática desconhecida: ele
deriva o ter material do Ser imaterial. Para ele, a raiz de todos os teres é o
Ser; o algoz, ou objetivos da vida, vêm da consciência do alguém, da
consciência da nossa razão de ser.
Resumindo em
poucas palavras toda a filosofia cósmica, diz ele: “Buscai,
Portanto, em
primeiro lugar o Reino de Deus e sua harmonia – e todas as outras coisas vos
serão dadas de acréscimo”. Não diz que não necessitamos das outras coisas, dos
bens materiais, para um conforto normal da vida; diz que estas coisas materiais
nos serão dadas de presente, e não em consequência dessa desenfreada lufa-lufa
que caracteriza a vida dos profanos, que não buscaram o Reino de Deus, isto é,
a realização do seu Eu divino.
Jesus não condena
o fato de termos bens materiais, mas sim o modo errôneo como o homem profano
procura apoderar-se deles e possuí-los.
Jesus nunca
sofreu falta de nenhum bem material digno de uma vida humana; se renunciou a
muitos deles, fê-lo livremente, e não compulsoriamente; se diz que não tem onde
reclinar a cabeça, é porque não sentia necessidade desse conforto do ego em
face da plena realização do seu Eu crístico. Logo no início da sua vida
pública, vai ele a um festa de casamento, onde oferece aos convivas 600 litros
do melhor vinho que já se bebera em Canaã da Galileia, como afirma o mordomo da
festa; aceita convite para jantares, até de publicanos e pecadores; aceita as
homenagens de Maria de Betânia, aceita uma verdadeira apoteose nacional no
domingo de ramos; anda muito bem vestido, ao ponto de os quatro soldados
romanos que guardavam a cruz repartirem entre si as vestimentas dele e,
sobrando ainda a túnica inconsútil, lançarem sobre ela a sorte.
Jesus nunca andou
de tanga, como certos místicos orientais, nem sem tanga, como Diógenes.
Há, na pessoa do
Nazareno, um perfeito equilíbrio entre o seu Eu espiritual e o seu ego humano.
Ele não é um materialista profano, nem um espiritualista místico – ele é o
homem cósmico por excelência. Dizer que não levou vida integralmente humana por
não ter casado é desconhecer totalmente a natureza real do homem. A libido é
herança nossa do mundo animal, que um homem superior pode dispensar sem deixar
de ter verdadeiro amor humano. É impressionante o amor que Jesus tinha à sua
discípula predileta Madalena; idem a Maria de Betânia e ao discípulo amado
João, que o acompanha até ao Calvário.
Todas as coisas
dignamente humanas serão dadas ao homem superior que realiza em si o Reino de
Deus.
Mas em primeiro
lugar o homem tem de renunciar a tudo o que tem, para construir a torre da sua auto
realização e derrotar o seu ego. O homem tem de renunciar a tudo o que seu ego
humano tem, a fim de construir a torre do seu Eu espiritual e alcançar a
vitória sobre seus inimigos.
Com muita
sabedoria diz Krishna na Bhagavad Gita: “O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu
é o melhor amigo do ego... O ego um péssimo senhor – mas é um ótimo servidor”.
Quando o ego
humano se integrar totalmente no Eu divino então será ele altamente
beneficiado.
“Quem quiser
ganhar a sua vida (ego) perdê-la-á – mas quem perder a sua vida, ganhá-la-á”.
Quem realizar o
mais realizará o menos – mas quem quiser realizar o menos, sacrificando o mais,
perderá tudo.
É esta a suprema
sapiência da parábola da construção da torre e da empresa bélica.
FONTE:
Huberto Rodhen
Bíblia de Jerusalém
OBSERVAÇÃO:
Niilismo (do latim nihil, nada) é uma doutrina filosófica que atinge as mais
variadas esferas do mundo contemporâneo (literatura, arte, ciências
humanas, teorias sociais, ética e moral) cuja principal característica é uma visão cética radical e
sobretudo pessimista em relação às interpretações da realidade, que aniquila
valores e convicções. É a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de
finalidade e de resposta ao “por quê”. Os valores tradicionais depreciam-se e
os "princípios e critérios absolutos dissolvem-se". "Tudo é
sacudido, posto radicalmente em discussão. A superfície, antes congelada, das
verdades e dos valores tradicionais está despedaçada e torna-se difícil
prosseguir no caminho, avistar um ancoradouro".
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