A GNOSE DA
VERDADE
João,
8:31-59
Disse,
então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: "Se permanecerdes na minha
palavra sereis verdadeiramente meus discípulos,
E
conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".
Responderam-lhe: "Somos a descendência de Abraão e jamais
fomos escravos de alguém, como podes dizer: tornar-vos-ei livres"?
Jesus lhes
respondeu: "Em verdade, em verdade vos digo: quem comete o pecado é
escravo;
Ora se o
escravo não permanece sempre na casa, mas o filho aí permanece para sempre...
Se, pois, o
filho vos libertar sereis realmente livres...
Sei que
sois a descendência de Abraão; mas procurais matar-me, porque minha palavra não
penetra em vós.
Eu falo o
que vi junto de meu Pai, e vós fazeis o que viste de vosso pai".
Responderam-lhe: "Nosso pai é Abraão". Disse-lhes
Jesus: 'Se fosses filhos de Abraão, praticaríeis as obras de Abraão.
Vós porem
procurais matar-me a mim que vos falei a verdade que ouviu de Deus: isso Abraão
não o fez.
Vós fazeis
as obras de vosso pai!" Disseram-lhe então: “Não nascemos da prostituição:
temos só um Pai, Deus”.
Disse-lhes
Jesus: "Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque sai de Deus e dele
venho; não venho por mim mesmo, mas foi ele me enviou.
Por que não
reconheceis minha linguagem? É porque não podeis escutar minha palavra
Vós sois do
diabo vosso Pai, e quereis realizar o desejo de vosso pai. Ele foi homicida
desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade.
Quando ele mente fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira
Mas porque
digo a verdade, não credes em mim
Quem dentre
vós me acusa de pecado? Se digo a verdade, porque não credes em mim?
Quem é de
Deus ouve as palavras de Deus; por isso não a ouvis; porque não sois de
Deus"
Os judeus lhe
responderam “Não dizíamos, com razão, que és samaritano e tens demônio"?
Respondeu Jesus: "Eu não tenho demônio, mas honro meu Pai e vós procurais
me desonrar
Não procuro
a minha gloria; há quem a procure e julgue
Em verdade,
em verdade vos digo: se alguém guardar minha palavra, jamais verá a morte
".
Disseram os
judeus: 'Agora sabemos que tens demônio. Abraão morreu e os profetas, também,
mas tu dizes: se alguém guardar minha palavra jamais provará a morte;
És porventura
maior que nosso Pai Abraão, que morreu? Os profetas também morreram; quem
pretendes ser"?
Jesus
Respondeu: "Se glorifico a mim mesmo minha gloria nada é; quem me
glorifica é meu pai, de quem dizeis é o nosso Deus
E vós não o
conheceis, mas eu o conheço, e se eu dissesse “não o conheço” seria mentiroso
como vós; mas eu o conheço, e guardo sua palavra
Abraão,
vosso Pai, exultou por ver o meu dia; ele o viu e encheu-se de alegria”
Disseram-lhe"
então os judeus. " não tens Ainda cinquenta anos e viste Abraão"?
Jesus lhes
disse: "Em verdade em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, EU
SOU".
Então
apanharam pedras para atirar nele, Jesus, porém ocultou-se e saiu do templo.
***
Esta
terceira palestra de Jesus - já agora no pátio do templo (único lugar que, por
não estar terminada sua construção tinha pedras no chão para serem apanhadas) -
dirige-se aos que nele acreditaram, convidando-os amorosamente a confiar Nele e
a segui-Lo. Mas é rapidamente tumultuada pelos cépticos que só se fiam no
próprio saber e alargam cada vez mais o abismo entre eles e o Mestre, que
amorosamente lhes oferece a maior oportunidade de suas vidas. Neste trecho
também somos obrigados a afastar-nos das traduções comuns.
Os
versículos em que isso ocorre, procurando justificar nossa opinião.
Vs. 31 - Traduzidos
logos por "ensino", e não "palavra", expressão fraca para
corresponder, à força da frase e do resultado que promete.
Vs. 32 - Em
lugar de "conhecereis", que dá ideia de simples informação
intelectual externa que realmente é insuficiente para produzir o resultado
prometido foi optado pela expressão técnica "tereis a gnose”, que exprime
o conhecimento profundo e experimental prático, vivido pela criatura. Só com a
experiência viva é possível a libertação, jamais obtida com as simples leituras
informativas, por mais claras e profundas que sejam.
Vs. 34 - A
maioria dos códices adota a frase: "quem faz o erro, é escravo do erro”.
Esse final, todavia, não aparece na versão siríaca sinaítica nem em Clemente de
Alexandria, que tem apenas: "Quem faz o erro é escravo". Parece que o
acréscimo foi trazido por comparação de Rom. 6:17-20. No encanto, só se
desorienta quem ainda é escravo do Antissistema, ao passo que os filhos,
unificados com o Cristo não mais se desorientam: são livres. Vs. 35 – foi Preferido
traduzir tòn aiôna por "imanência" (cfr. vol. 2), pois aqui não se
trata de "tempo” nem de "duração”, e sim de essência, de modo-de-ser.
Deixou-se de lado, então, tanto o "eterno", quanto o "para
sempre” (que não são o sentido de aiôn), não entendendo mesmo nem o
"ciclo" ou "eon". A distinção é feita entre a vida imanente
na casa do coração, e a vida material voltada para fora: o escravo sai da casa
do coração e fica na rua, vagueando ou errando de léu em léu. Disso foi imagem
simbólica o fato narrado em Gênesis, nos cap. 16 e 21, quando também distingue
Ismael, filho da escrava egípcia Hagar de Isaac, filho da livre Sarah. Embora
fossem ambos da semente de Abraão, o filho livre, Isaac, permaneceu com o pai
em casa, enquanto Ismael, filho da escrava (e, portanto, escravo) foi expulso
para o deserto.
Vs. 37 - Em
vez de traduzirmos hóti ho logos ho emós ou chôrei en humin, como em geral, por
“porque minha palavra não cabe em vós" - expressão que, analisada, não tem
sentido - preferimos dar a logos o significado de “ensino” e interpretar chôrei
como "penetrar". Há, então, um sentido lógico e racional na frase: o
ensino crístico não consegue atravessar a carapaça do conhecimento egoístico do
intelecto para penetrar no coração dos ouvintes. Vs. 38 - Há aí uma distinção
sutil no original: a mesma preposição para é usada com o dativo tôi patrí,
quando Jesus se refere a Seu Pai (vi junto a meu Pai), e com o genitivo toú
patrós, quando fala do pai dos judeus (ouvistes de vosso pai) exprimindo
proveniência. Os adjetivos “meu (Pai) ”, omitido em alguns, aparece em aleph,
D, gama, delta, theta, a, b, c, e, f, ff2, na Vulgata e na versão siríaca
curetoniana; assim "vosso (pai) ”, omitido em E eL, aparece em aleph, C,
D, gama, delta e vulgata.
Vs. 40 -
Jesus se diz homem (e não Deus): “Quereis matar-me, a um homem que vos disse a
verdade" (nyn dè zêteite me apokréinai ánthrôpon hòs tén alêtheian humin
lelálêka).
Vs. 41 - Os
ouvintes tomam a acusação como de idolatria, quando arguidos de terem outro pai
(outro elohim), coisa que merecia o epíteto de filhos da prostituição"
(cfr. Hoséa. 1:2 e 2:4). Vs. 43 - Não tendo a capacidade iniciática de “ouvir a
palavra” (akouein tòn logon), isto é, de perceber o ensino, nem sequer podem
compreender a linguagem (ginôskein tên lalían) de Jesus. Era com efeito, uma
linguagem esotérica e alegórica simbólica e mística, só entendida dos
preparados para recebê-la.
Vs. 44 -
Ainda aqui diábolos é “o adversário” (cfr. vol. 1 e vol. 4). Este é um dos
versículos aduzidos como defesa do ensino dualista de Jesus. No entanto, o
dualismo aí é apenas aparente, constituindo simplesmente a distorção causada
pelo nosso mergulho na matéria, que interpreta as exterioridades da superfície
como sendo a essência. Pelo que vimos estudando até aqui, verificamos que o
ensino real de Jesus é MONISTA. O que aparece neste versículo é a teoria
"dos opostos”, pela qual todo polo positivo tem também seu polo negativo;
mas a barra do ímã é uma só, UNA, embora de cada um de seus lados haja um polo:
o positivo, o Sistema, Deus; e o negativo, o Antissistema, que é o adversário
(Diabo) ou antagonista (Satanás); este, porém, não é uma entidade à parte, com
substância própria individual, mas somente a projeção do próprio Espírito na
matéria. Então, a matéria é o próprio Espírito que se congelou, ao baixar as
vibrações e adquirir um peso específico elevado, ficando prisioneiro dela, que
lhe é o verdadeiro adversário (assunto exclusivo de entendimento quando
abordarmos a “queda dos anjos”).
Opostos de
qualidade, mas uma só substância; opostos de posições, mas uma só essência;
opostos de realidade; opostos de aparência, mas um só ser; opostos de pontos-de-vista,
mas uma só verdade. A matéria é um prisma que bifurca num dualismo superficial
e ilusório, o monismo essencial e verdadeiro do Espirito. Afirma Jesus que o
adversário (isto é, a matéria) é homicida desde o princípio (da queda).
Realmente, sendo eterno, o Espírito não sabe o que seja morte nem desfazimento,
características próprias da matéria. Então, desde o princípio (ap'archés) a
matéria é homicida, porque faz o homem morrer fisicamente, fá-lo experimentar a
desagradável sensação de perda e dissolução. E além de homicida, é mentiroso,
porque na matéria não está a verdade, já que a matéria e ilusão (máyá)
transitória, modificando-se constantemente, num equilíbrio instável de todas as
suas células, que vivem em contínuas trocas metabólicas.
Vs. 48 -
Traduzimos daimómon por "espírito" desencarnado. Era comum
atribuir-se à influência de um espírito (geralmente obsessor, sentido constante
de daimónion no Novo Testamento,) quaisquer incongruências no falar e conceitos
que soassem absurdos. A acusação volta no vers. 52, como já fora feita
anteriormente (João, 7:20).
Vs. 50 -
Traduzido dóxa como "reputação", único sentido que encaixa
perfeitamente no contexto. As palavras de Jesus valeram-Lhe a má reputação de
obsidiado e samaritano (a esta Jesus não respondeu), e Ele limita-se a dizer
que não Lhe interessa Sua reputação vinda de homens, pois só vale a opinião
divina do Pai. O que realmente lhe interessa é dizer a verdade, pensem os
ouvintes o que quiserem a Seu respeito. Como vemos, traduzir aqui dóxa por
"glória", não caberia absolutamente: Jesus nunca pareceu importar-se
com essas vaidades humanas, próprias dos seres involuídos, que afanosamente
buscam famas e glórias.
Vs. 51 -
Aqui também nos afastamos das traduções vulgares. Achamos sem sentido a
expressão "guardar minha palavra". Muito mais razoável "praticar
meu ensino", perfeitamente justificado pelo original grego: tòn emòn lógon
têrêsêi. A segunda parte: thánaton ou mê theôrêsêi eis tòn aiôna, "de modo
algum verá a morte para a imanência". O sentido é real e lógico. O que não
pode admitir-se é que o Mestre, que vem dando ensinamentos espirituais tão
profundos, venha aqui prometer que, quem cumprir seus ensinos, não morrerá
fisicamente! Que importa ao Espírito a morte do corpo? Lembramo-nos de Paulo a
dizer (Filp. 1:21): “para mim, viver é Cristo, e morrer, uma vantagem"!
Jesus jamais acenaria como prêmio a alguém, o ficar preso à matéria grosseira e
inimiga durante toda a eternidade ... Não entendemos como possa alguém perceber
tão mal seus ensinos.
Vs. 52-53 -
Mas os ouvintes entenderam exatamente isso: para eles o verdadeiro “eu"
era o corpo físico.
Vs. 54 -
Ainda aqui dóxa tem o mesmo sentido do vs. 50: reputação, opinião. Esse mesmo
significado tem o verbo daí derivado, doxázô, que é opinar, estimar, avaliar,
julgar". Não cabe aqui o sentido "glória". O sentido é racional
e claro: à pergunta deles "quem pensas ser" (literalmente, "quem
te fazes", tína seautòn poieís), Jesus responde que não tem opinião a Seu
respeito, que não se julga (doxázô) porque uma opinião Dele sobre Si mesmo de
nada vale: o Pai é quem opina ou julga a Seu respeito. Esse Pai, é Aquele
exatamente que eles dizem ser nosso Deus.
Vs. 55 -
Deixamos a oída o sentido real de “saber", isto é, "ter informação
plena e correta de quem é o Pai". Mas, além desse saber, Jesus sublinha
com ênfase: "e pratico seus ensinamentos" (kaì tón lógon autoú têrô).
A tradução usual “guardo sua palavra" é fraca e sem sentido, nada diz de
concreto. Essa que Ele tem, é uma certeza iniludível: se dissesse o contrário
seria mentiroso como eles.
Vs. 56 - O
original apresenta uma construção estranha: égalliásato hína ídêi tên hêméran
tên emên, isto é, “alegrou-se para que visse meu dia”. O sentido à essa
cláusula final, iniciada por hína só pode ser interpretada por tratar-se de uma
ação posterior, tanto que é repetida, logo a seguir, no passado: “viu e
regozijou-se”. Por isso traduzimo-la pelo sentido lógico: “alegrou-se na
esperança de ver”. O verbo agalliáô, só usado no presente e no aoristo, é um
hápax do grego escriturístico (LXX e Novo Testamento). Essa “alegre esperança
de ver” baseava-se, certo, na promessa (Gên. 12:3 e 22:18) de uma descendência
de reis e nações.
Vs. 57 –
“Ainda não tens cinquenta anos" significa cálculo por exagero (Jesus devia
contar mais ou menos 36 anos – entendemos aqui a possibilidade lógica de que
Jesus possa ter nascido 4 ou mais anos antes do ano 0) e não, como opinava
Irineu, repetindo os presbíteros de Papias, que ele "tinha" mais ou
menos 50 anos (cfr. adv. Haer. 2, 22, 5, 6; Patrol. Graeca vol. 6 col. 781 vss).
Os dados de Lucas (3:23) são mais precisos. O verbo usado, eôrakas (em A, C, D)
ou eôrakes (em B, W, theta) é lição melhor que eôrake (em aleph e na versão
siríaca sinaítica). Com efeito, é mais compreensível a admiração de que Jesus,
que ainda não tinha cinquenta anos, tivesse visto Abraão, do que este ter visto
Jesus, o que poderia ter ocorrido na vida espiritual (opinião de Maldonado).
Vs. 58 - As
traduções correntes trazem “antes que Abraão fosse (feito) eu sou". Ora, o
original diz: prin Abraàm genésthai egô eimi, literalmente: “antes de Abraão
nascer EU SOU” (genésthai é infinitivo presente da voz média). Há profunda
diferença filosófica entre “ser feito" e “nascer”: é feito ou criado aquilo
que não existe; nasce na carne o espírito que já existe. Jesus declara
categoricamente SER, antes que Abraão nascesse na matéria. Mas com isso
confirma in totum sua asserção de ser YHWH.
Vs. 59 -
Isso mesmo é que os ouvintes entendem, pois está escrito nos Salmos (90:2 – antes que os montes tivessem nascido e fossem
gerados a terra e o mundo desse sempre e para sempre tu és Deus) e
nos provérbios, que YHWH é antes da constituição da Terra. E, segundo a
prescrição do Levítico (24:16 – aquele
que blasfemar o nome de Iahweh deverá morrer e toda a comunidade o apedrejará.
Quer seja estrangeiro ou natural, morrerá, caso blasfeme o nome)
estava "blasfemando o nome de YHWH”, merecendo por isso, a lapidação aí
prescrita. Ora, o pátio do templo pelo testemunho de Flávio Josefo (Ant. Jud.
17, 9, 3) ainda não estava terminado, havendo pelo chão muitas pedras. Fácil
apanhá-las para fazer cumprir a lei com as próprias mãos. Mas Jesus esconde-se
(ekrybê) e sai do templo: não chegara ainda sua hora (aqui ficou a eterna duvida esconde-se,
Oculta-se ou some do plano da matéria?).
Nesta
terceira palestra aos que nele haviam acreditado, o Mestre lança amorável, mas
veemente convite para que viessem fazer parte de sua "Assembleia do
Caminho". A lição anterior é continuada aprofundando-se os conceitos.
Ocorreu, no entanto, que outros "judeus" (elementos religiosos, mas
filiados a credos ortodoxos) se achavam presentes e começaram a lançar suas
objeções de incredulidade, às quais o Cristo responde carinhosamente. Mas a Voz
Espiritual proveniente da pureza diáfana do Sistema não consegue romper a
armadura materialística dos que ainda pertenciam ao Antissistema. E, como é de
hábito nesse polo negativo, estes encerram qualquer discussão com a violência,
e tentam apedrejá-Lo .... Típico modo de agir de seres involuídos que, não
tendo argumentos, recorrem à força física. Vejamos o teor dos novos
ensinamentos. Inicialmente, garante que, só permanecendo na realização de seus
ensinos, é que se tornarão realmente seus discípulos (cfr. João, 15:4, 7 e 1.ª
João 2:6, 24, 27 e 3:24); por esse caminho experimental, conseguirão a gnose da
Verdade e esta os libertará do peso da matéria na roda das encarnações
indefinidamente repetidas. A afirmativa constitui uma garantia que inclui uma
promessa. Compreender e realizar o ensino do Cristo, quer manifestado em Jesus
há dois mil anos, quer expresso por outros avatares, quer - e sobretudo -
falando dentro de nós mesmos: essa é a condição do Discipulato perfeito.
Ninguém pode dizer-se "discípulo" se não tiver adotado o espírito de
Sua Escola e de Seu Mestre. O aluno pode só aprender intelectualmente as
teorias de uma doutrina e até retransmiti-las bem aos outros, sem que, no
entanto, essa doutrina se torne nele um modo-de-viver (FÉ). O Discípulo, porém,
é o que vive a doutrina, tendo a mesma vivência que o Mestre. Para ser
discípulo de Cristo, indispensável é, pois, viver permanentemente, PERMANECER,
em Seus ensinos, sem acréscimos nem omissões. Essa vivência permanente levará à
união e, portanto, à gnose experimental da Verdade, possibilitando dessa forma
a progressiva libertação do kyklos anánké. É a "salvação" pelo conhecimento,
pela sabedoria e pela experiência vivida, conceito fundamental da gnose. O mosaicismo
apresenta a salvação por meio da obediência à lei; Paulo substitui a lei pela
fé, tornando esta a base e a condição da salvação; mas através do místico João,
sabemos que o Cristo, embora não tenha vindo abolir a lei, mas completá-la
(Mat. 5:17; cfr. vol. 2); e ainda que exija a fé (Mat. 17:20; vol. 4), coloca
acima de tudo uma condição mais elevada: a gnose, a experiência iniciática
superior, como última fase para a salvação dos seres evoluídos. São três
estágios que o homem atravessa em sua ascensão:
A LEI do primarismo da hominização
rebelde, onde predomina a sensação (2.º plano, lei da verdade);
A FÉ no passo seguinte, onde a supremacia
cabe às emoções (3.º plano, lei da justiça);
E agora a gnose no plano do intelecto
desenvolvido (4. ° plano lei da liberdade)
Caminho
longo, ascensão lenta, mas estrada segura e infalível. No entanto, os que ainda
se encontram no primeiro estágio lutarão contra os do segundo, assim como estes
e os do primeiro se unirão contra os que já estão no terceiro estágio. O
catolicismo, que deveria ser sucessor direto do judaísmo, exige a obediência a
suas determinações e preceitos dogmáticos, e anatematiza o protestantismo que
atingiu o nível paulino da fé e do livre exame; mas os dois condenam as
"heresias gnósticas" dos espiritualistas, que buscam a salvação pelo
Estudo e pela compreensão da Verdade e pela prática experimental. No campo
iniciático, a frase do Cristo assume profundidade excepcional, pois constitui a
garantia específica de que, estudando e praticando os ensinos do Deus em nós
(Immanu-El) e permanecendo na vivência de Sua mística, o iniciado atingirá a
gnose plena da Verdade que é a unificação permanente com Deus, e se libertará
totalmente das injunções do polo negativo do Antissistema. E outro meio não
existe, pois, o Cristo - 3.º aspecto da Divindade - é o único Caminho da
Verdade (que é o Pai) e da Vida (que é o Espírito Santo), como Ele mesmo o
revelou (João 14:16). Como sempre ocorre nos agrupamentos humanos, os profanos,
por estarem em seu ambiente, são mais audaciosos, porque donos da situação, e
levantam mais a voz, ousando contradizer qualquer afirmativa que, pela aferição
do gabarito intelectual puramente materialista de sua ignorância ultrapasse a
capacidade de seu raciocínio. Senhores absolutos do terreno que lhes pertence
(os do Sistema é que aqui na Terra estão fora de seu ambiente) não admitem
autoridade maior que a sua, nem julgam possa haver ciência superior à que
conhecem. Não entendem a lição, mas torcem o verdadeiro sentido das palavras
espirituais para adaptá-las à sua concepção materializada da vida. Neste caso,
interpretam a liberdade espiritual de que o Cristo falava, como oposição à
escravidão dos corpos físicos; e, como descendentes de Abraão (valor máximo
atribuído à personagem na herança do sangue) sabem que jamais foram escravos
fisicamente. Em seu teor elevado, vem o esclarecimento da palavra “liberdade” e
daquilo que constitui a verdadeira escravidão, que não é a dos corpos
materiais, mas a espiritual, causada pelo desvio do rumo correto, pela perda da
rota pela desorientação que faz sair do caminho verdadeiro para a floresta das
miragens e ilusões: todo aquele que se desvia da estrada-mestra se torna
escravo das ilusões do caminho (sensações, emoções, intelectualismo
superficial), pois “vagueia" por sendas que o prendem em seus tentáculos
enganadores, desvirtuando a luz da verdade, que lhes aparece fracionada pelo
prisma defeituoso da matéria. A consequência é inevitável: quem vagueia por
atalhos, não permanece na casa (na estrada-mestre segura) que é o coração onde
habita o Cristo Imanente. Mas o filho, aquele que está permanentemente unido ao
Pai, esse vive na imanência divina, sem jamais perder o Contato Sublime. Ora,
se o filho, isto é, o Cristo, terceira manifestação divina existente dentro de
cada um de nós, conseguir libertar-nos dos desvios da ilusão, para trazer-nos
ao caminho certo, no imo do coração, então haverá a conquista da liberdade
espiritual (embora presos à matéria). Só é realmente livre das injunções
satânicas (antagônicas, materiais) aquele que se unificar com o filho, numa
total e perfeita simbiose (no sentido etimológico). Volta-se, então, novamente
para a objeção, respondendo agora à primeira parte. Admite saber que,
fisicamente, eles são descendentes de Abraão por consanguinidade. Mas
espiritualmente não o são, já que tem o senso do homicídio, típico do polo
negativo, procurando destruir o corpo material de seu emissário, Jesus, só
porque o ensino crístico não consegue penetrar a capa grosseira de seus
intelectos dominados pelo negativismo atrasado do Antissistema.
Aqui
percebemos um "alerta” para todos nós, confirmando o "não deis
pérolas aos porcos nem coisas santas aos cães” (Mat. 7:6;): se Jesus, trazendo
aos homens diretamente, numa filtragem perfeita, o ensino do Cristo de Deus,
não conseguiu convencer seus ouvintes, não haveremos de ser nós a pretender
convencer as massas da realidade. Aprendemos que, para sermos entendidos, não é
mister evolução de nossa parte (podemos ser entendidos mesmo se involuídos),
mas é essencial a evolução da parte dos ouvintes, pois só nesse estágio
superior sentirão em si o eco daquilo que enunciamos. Portanto, também quando
convencemos certas pessoas, com as nossas palavras ou exemplos, e as elevamos
evolutivamente - mesmo nas Escolas iniciáticas isso não é obtido em virtude de
nosso merecimento, porque sejamos evoluídos, mas porque os ouvintes, eles sim,
estão maduros para sintonizar com as verdades que enunciamos, das quais somos
meros intérpretes, e quantas vezes imperfeitos! Vem então o testemunho do
próprio Cristo: só fala o que viu junto ao Pai, vivendo a Seu lado, UNO com
Ele; enquanto os que O contradizem obedecem a voz do pai deles, que é o
adversário. O protesto é imediato e enérgico: "nosso pai é Abraão". E
a resposta contundente: "se sois filhos de Abraão agi como vosso Pai
Abraão. Ora, pensais em destruir meu corpo, só porque falo a verdade. Abraão
não faria jamais coisa semelhante”, pois agia de conformidade com o sistema, ao
passo que eles agem na tônica do Antissistema. Querem matar o “corpo" -
Cristo o salienta com palavras claras – destruir “a um homem”, não a Ele, o
Cristo. Feridos pela alusão a uma filiação espúria, reclamam para si também a
paternidade divina, ao que o Mestre retruca com um argumento ad hominem: se
filhos fossem de Deus, ouviriam a palavra de Deus. Mas a sintonia é diferente.
A prova é de que, como personagens, são filhos do Antissistema (do adversário),
tanto que nem podem entender a linguagem crística. Não há neles, ainda escravos
dos elementos do quaternário inferior, a capacidade de instruir-se pelo
"ensino ouvido” (logos akoês). Concluindo a argumentação, vem a declaração
taxativa: “vós sois filhos do adversário". Se houvesse necessidade de um
texto evangélico para confirmar a revelação Ubaldiana em "A Grande Síntese”,
em "Deus e Universo", em "O Sistema” e em "Queda e
Salvação”, nenhum outro melhor serviria que este. Cristo, a Centelha Divina
dentro de cada criatura, provém diretamente de Deus, Pai do Espírito, de onde
parte para construir a evolução dele, mergulhando na matéria; ai chegando, a
Centelha se envolveu no corpo físico (átomo) e, de seu interior, provocou e
impeliu a evolução da matéria, através do inorgânico, do orgânico (células), do
vegetal, do animal, até chegar ao hominal e conquistar o intelecto racional;
então, verdadeiramente as personagens, com seus corpos físico, etérico, astral
e intelectual são filhos do adversário, isto é, filhos da matéria, antagônica
(satânica, diabólica) ao Espirito, embora seja da mesma essência que este. O
Espírito, filho do Sistema, de Deus; a personagem, com seus veículos, filha da
matéria, do adversário. Exatamente como explicado com pormenores nos livros
acima citados de Pietro Ubaldi. Mas o Cristo continua com a mesma lógica
irrespondível: “vosso pai era homicida desde o princípio”. De fato, a “morte”,
isto é, o desfazimento da forma, só se dá na matéria e nos planos inferiores a
ela inerentes. O Espírito, filho ou procedente do Sistema, jamais morre – temos
a vida eterna. Os veículos inferiores e a personagem de que se reveste o
Espírito (filhos ou provenientes do Antissistema) é que estão sujeitos às
mutações, ao desfazimento e reconstruções intermitentes. Mais uma vez se
confirma a tese: o Antissistema, adversário do sistema é homicida, porque coage
o homem a submeter-se a morte. Outro argumento reafirma a mesma tese: "não
permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele". Realmente, a
Verdade é eterna e imutável: tudo o que é variável e mutável, está no polo
oposto da verdade, que se chama "mentira" (verdade invertida). Diz o
Cristo: "Quando fala a mentira fala do que lhe é próprio, porque é
mentiroso como seu pai". Eis aí a teoria completa em poucas palavras
incisivas e contundentes, embora com o linguajar possível naquela recuada
época. Toda personagem, adversária da individualidade, fala a mentira, porque é
mentirosa como seu pai, o Antissistema. E é mentirosa, porque sendo, se faz
passar por coisa real; sendo mortal, busca uma imortalidade que não possui;
sendo transitória, arroga-se uma perenidade falsa; sendo negativa, pretende ser
juiz da positividade do Espírito, chegando por vezes ao cúmulo e negá-lo; sendo
ignorante, julga-se dona do conhecimento. “Mentirosa como seu pai”. Mentirosa,
também, porque em mutação contínua: o organismo vivo é um conjunto de variações
e modificações no ritmo veloz dos segundos, em constantes trocas metabólicas
internas e externas, com o ambiente que a circunda: nasce, alimenta-se, cresce,
expele excrementos, multiplica-se ou divide-se e finalmente morre para logo
adiante renascer, tudo ininterruptamente, sem parada nem repouso. Nesse
equilíbrio instável permanece a Vida estável (o Espírito); nessa matéria
orgânica mutabilíssima (mentirosa) vive o Espírito permanente (verdadeiro). A
personagem, filha do Antissistema adversário, é “mentirosa como seu pai”. E
“quando se lhe diz a verdade, não crê”. Por que não crer quando surge alguém
que pode desafiar a humanidade a argui-lo de erro, e traz a Verdade!
Precisamente porque, não sendo de Deus, do Sistema – mas ao invés filho do Antissistema,
do adversário – jamais poderão as personagens “ouvir a palavra” de Deus.
Posições contrárias. Qualidades inconciliáveis. Verdade e mentira. Positivo e
negativo. Amor e Ódio. Deus e adversário. O inciso seguinte consiste num
desaforo ilógico e na resposta insofismável. Não há obsessão: há a consciência
da honra prestada ao Pai; ao passo que o fruto do Antissistema é desonrar ou
desprezar o Espírito e tudo o que a ele se refira. Mas, para o Espirito, que
importa a reputação, opinião ou o julgamento que dele façam as personagens
ignorantes ainda? Basta-lhe a consciência tranquila e a aprovação divina. O
recado estava dado até aí. Mas havia necessidade de entregar mais um ensino
àqueles que confiavam, mais presentes, ou que confiariam, mais tarde. "Em
verdade, em verdade vos digo" - fórmula solene que sublinha ensinamento
profundo e iniciático. Ei-lo: "quem praticar meu ensino, de modo algum
verá a morte para a imanência”. A prática dos ensinamentos, a vivência da
gnose, é sempre frisada pelo Cristo (cfr. João, 14:15-21, 23; 15:20 e 17:6).
Morte para a imanência, isto é, morte espiritual, que bem pode assim qualificar-se
a separação do Contato Sublime com o Cristo. Quem puser rigorosamente em
prática todos os ensinos do Cristo, com Ele se unificando na casa do coração,
numa imanência perfeita, esse de modo algum experimentará a perda dessa
prerrogativa da imanência, porque já foi absorvido totalmente pelo Cristo de
Deus. Esse sentido espiritual procede. Absurdo seria, como anotamos acima,
supor que o Cristo se referisse ao desfazimento sem importância de uma forma
material transitória por sua própria natureza e constituição íntima.
Interpretação mesquinha e materialista de uma sublime verdade espiritual. E
esses intérpretes sempre esquecem que o Cristo avisou: "o Espírito é o que
vivifica, a carne para nada aproveita" (João, 6:63), acrescentando logo a
seguir: "As palavras que vos digo, são espírito e são vida”. Essa
interpretação falsa e grosseiramente materialista, aceita por muitos
hermeneutas, foi justamente a que deram aqueles ouvintes ignaros das grandes
verdades espirituais. Tanto que eles desafiam o Cristo de Deus, ao
perguntar-Lhe: “quem pensas ser"?
A resposta
é uma lição de humildade para todos nós, que nos julgamos gênios, santos,
iniciados, adeptos, reencarnação de figuras notáveis do passado, “qualquer
opinião que eu tenha sobre mim mesmo nada vale: o Pai é Quem me julga".
Quem é afinal esse Pai? O mesmo “que vós dizeis ser nosso Deus". Deus que
eles não conhecem, pois, o único deus que adoram são eles mesmos. Mas o Cristo
SABE, tem a gnose do Pai, e cumpre na pratica todos os Seus ensinos. Chega,
neste ponto, o caso de Abraão, que em sua personagem viveu alegre na
expectativa de ver a luz do Cristo. O testemunho de que o conseguiu é dado:
“viu e regozijou-se". Também aqui os hermeneutas e exegetas só sabem ver a
matéria, e imaginam que dia será esse: o da encarnação (Agostinho, Tomás de
Aquino)? O da morte na matéria (João Crisóstomo, Amônio)? Ora, dia é LUZ: é o
dia da realização interna, o dia do Encontro Sublime, o dia da unificação
total. Abraão sai de sua terra e de sua gente (desliga-se de seus veículos inferiores,
de seu corpo) e segue em frente para obedecer à vontade divina; cegamente
cumpre a ordem da intuição (Sarah) e expulsa de si os vícios próprios da
personagem (o filho de Hagar, a escrava); dispõe-se a sacrificar seu filho (que
é sua alegria, Isaac) matando-o (destruindo seu corpo, seu filho único), mas
é-lhe explicado que deve apenas sacrificar a parte animal de si mesmo (o
cordeiro); tem o maravilhoso Encontro com Melquisedec, o rei do mundo, depois
que consegue vencer os quatro reis (os quatro elementos inferiores: físico,
etérico, astral, intelectual) que haviam aprisionado os cinco reis, por meio
dos três aliados, e se prosterna diante do Rei do Mundo; depois da unificação,
até o nome muda, de Abrão para Abraão; e tantos outros símbolos que aparecem
nas entrelinhas do Gênesis.
Realmente,
Abraão viu o DIA, ou seja, a LUZ do Cristo. A interpretação dos ouvintes volta
a ser chã: entendem como sendo idade do corpo físico. Temos a impressão de que
o Cristo se cansa dessas criancices e resolve acabar com as tolices das
personagens ignorantes lançando-lhes uma resposta que as perturba e
descontrola. Mas é a Verdade: “antes de Abraão nascer, EU SOU”. É a eternidade
sempre presente, diante da transitoriedade temporal de uma vida terrena; é o
infinito que não pode comparar-se com o finito; é o ilimitado que não se prende
em fronteiras; é a onisciência que anula a ignorância; é o Cristo de Deus, Deus
Ele mesmo, que É, perante uma criatura que existiu. Isso eles compreendem bem.
Isso o Cristo falou claro. Mas como reação surge a violência que quer destruir
... a matéria, mas que jamais atingirá o Espírito; quer aniquilar a forma, mas
sem poder destruir a substância: quer fazer calar a voz produzida pelas cordas
vocais, mas sem ter capacidade de eliminar o SOM (Logos, Verbo, Palavra) que
cria e movimenta os universos. Pigmeus impotentes que esbravejam contra o
gigante; crianças pretensiosas que desejam apagar o sol com baldes d'água;
seres humanos que pretendem fazer desaparecer a Divindade, destruindo-lhe um templo;
trevas que buscam eliminar a Luz, apagando uma vela; meninos da
espiritualidade, sem conhecimento, nulos diante do sábio e filósofo, julgando
acabar com a Sabedoria ao queimar um livro. O Cristo esconde-se e sai do
templo. Ainda aqui, há uma lição magnífica. Tentemos expô-la. Assistimos ao
trabalho da Individualidade para fazer evoluir a personagem, com seus veículos
rebeldes, produto do Antissistema. A figuração do Cristo diante da multidão
simboliza bem a individualidade a falar através da Consciência, para despertar
a multidão de pequenos indivíduos, representados pelo governo central, que é o
intelecto. Imbuído de todo negativismo antagônico, o intelecto leva a rejeitar
as palavras da Verdade que para ela, basicamente situada no polo oposto, soam falsas
e absurdas. O Espirito esforça-se por explicar, responde às dúvidas, esclarece
os equívocos, todavia nada satisfaz ao intelecto insaciável de noções de seu
plano, onde vê tudo distorcido pela refração que a matéria confere à ideia
espiritual, quando esta penetra em seu meio de densidade, mas pesada. Quando
verifica que não tem argumentos capazes para rebater o que ouve, rebela-se
definitivamente e interrompe qualquer ligação com o Eu interno, voltando-se
para as coisas exteriores, supondo que a matéria (as pedras) possa anular a
força do Espírito. Diante de tal atitude violenta e inconquistável, a
individualidade esconde-se, isto é, volta a seu silêncio, abandonando a si
mesma a personagem, e saí do templo, ou seja, larga a personagem e passa a
viver no Grande-Todo, no UNO, indivisível, sem deixar, contudo, de vivificar e
sustentar a vida daquela criatura mesma que a rejeitou com a violência. Um dos
casos, talvez, em que, temporária ou definitivamente, a Individualidade pode
desprender-se da personagem que, por não querer aceitar de modo algum o ensino,
continuará sozinha a trajetória, tornando-se "psíquica", mas
"não tendo Espírito” (Judas, 19).
Fontes
Carlos T
Pastorino
Bíblia de Jerusalém
Pietro
Ubaldi
Haroldo
Dutra Dias
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