quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

A GNOSE DA VERDADE

 

A GNOSE DA VERDADE

João, 8:31-59

Disse, então, Jesus aos judeus que nele haviam crido: "Se permanecerdes na minha palavra sereis verdadeiramente meus discípulos,

E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".

Responderam-lhe:  "Somos a descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém, como podes dizer: tornar-vos-ei livres"?

Jesus lhes respondeu: "Em verdade, em verdade vos digo: quem comete o pecado é escravo;

Ora se o escravo não permanece sempre na casa, mas o filho aí permanece para sempre...

Se, pois, o filho vos libertar sereis realmente livres...

Sei que sois a descendência de Abraão; mas procurais matar-me, porque minha palavra não penetra em vós.

Eu falo o que vi junto de meu Pai, e vós fazeis o que viste de vosso pai".

Responderam-lhe:  "Nosso pai é Abraão". Disse-lhes Jesus: 'Se fosses filhos de Abraão, praticaríeis as obras de Abraão.

Vós porem procurais matar-me a mim que vos falei a verdade que ouviu de Deus: isso Abraão não o fez.

Vós fazeis as obras de vosso pai!" Disseram-lhe então: “Não nascemos da prostituição: temos só um Pai, Deus”.

Disse-lhes Jesus: "Se Deus fosse vosso Pai, vós me amaríeis, porque sai de Deus e dele venho; não venho por mim mesmo, mas foi ele me enviou.

Por que não reconheceis minha linguagem? É porque não podeis escutar minha palavra

Vós sois do diabo vosso Pai, e quereis realizar o desejo de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele mente fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira

Mas porque digo a verdade, não credes em mim

Quem dentre vós me acusa de pecado? Se digo a verdade, porque não credes em mim?

Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso não a ouvis; porque não sois de Deus"

Os judeus lhe responderam “Não dizíamos, com razão, que és samaritano e tens demônio"? Respondeu Jesus: "Eu não tenho demônio, mas honro meu Pai e vós procurais me desonrar

Não procuro a minha gloria; há quem a procure e julgue

Em verdade, em verdade vos digo: se alguém guardar minha palavra, jamais verá a morte ".

Disseram os judeus: 'Agora sabemos que tens demônio. Abraão morreu e os profetas, também, mas tu dizes: se alguém guardar minha palavra jamais provará a morte;

És porventura maior que nosso Pai Abraão, que morreu? Os profetas também morreram; quem pretendes ser"?

Jesus Respondeu: "Se glorifico a mim mesmo minha gloria nada é; quem me glorifica é meu pai, de quem dizeis é o nosso Deus

E vós não o conheceis, mas eu o conheço, e se eu dissesse “não o conheço” seria mentiroso como vós; mas eu o conheço, e guardo sua palavra

Abraão, vosso Pai, exultou por ver o meu dia; ele o viu e encheu-se de alegria”

Disseram-lhe" então os judeus. " não tens Ainda cinquenta anos e viste Abraão"?

Jesus lhes disse: "Em verdade em verdade vos digo: antes que Abraão existisse, EU SOU".

Então apanharam pedras para atirar nele, Jesus, porém ocultou-se e saiu do templo.

***

Esta terceira palestra de Jesus - já agora no pátio do templo (único lugar que, por não estar terminada sua construção tinha pedras no chão para serem apanhadas) - dirige-se aos que nele acreditaram, convidando-os amorosamente a confiar Nele e a segui-Lo. Mas é rapidamente tumultuada pelos cépticos que só se fiam no próprio saber e alargam cada vez mais o abismo entre eles e o Mestre, que amorosamente lhes oferece a maior oportunidade de suas vidas. Neste trecho também somos obrigados a afastar-nos das traduções comuns.

Os versículos em que isso ocorre, procurando justificar nossa opinião.

Vs. 31 - Traduzidos logos por "ensino", e não "palavra", expressão fraca para corresponder, à força da frase e do resultado que promete.

Vs. 32 - Em lugar de "conhecereis", que dá ideia de simples informação intelectual externa que realmente é insuficiente para produzir o resultado prometido foi optado pela expressão técnica "tereis a gnose”, que exprime o conhecimento profundo e experimental prático, vivido pela criatura. Só com a experiência viva é possível a libertação, jamais obtida com as simples leituras informativas, por mais claras e profundas que sejam.

Vs. 34 - A maioria dos códices adota a frase: "quem faz o erro, é escravo do erro”. Esse final, todavia, não aparece na versão siríaca sinaítica nem em Clemente de Alexandria, que tem apenas: "Quem faz o erro é escravo". Parece que o acréscimo foi trazido por comparação de Rom. 6:17-20. No encanto, só se desorienta quem ainda é escravo do Antissistema, ao passo que os filhos, unificados com o Cristo não mais se desorientam: são livres. Vs. 35 – foi Preferido traduzir tòn aiôna por "imanência" (cfr. vol. 2), pois aqui não se trata de "tempo” nem de "duração”, e sim de essência, de modo-de-ser. Deixou-se de lado, então, tanto o "eterno", quanto o "para sempre” (que não são o sentido de aiôn), não entendendo mesmo nem o "ciclo" ou "eon". A distinção é feita entre a vida imanente na casa do coração, e a vida material voltada para fora: o escravo sai da casa do coração e fica na rua, vagueando ou errando de léu em léu. Disso foi imagem simbólica o fato narrado em Gênesis, nos cap. 16 e 21, quando também distingue Ismael, filho da escrava egípcia Hagar de Isaac, filho da livre Sarah. Embora fossem ambos da semente de Abraão, o filho livre, Isaac, permaneceu com o pai em casa, enquanto Ismael, filho da escrava (e, portanto, escravo) foi expulso para o deserto.

Vs. 37 - Em vez de traduzirmos hóti ho logos ho emós ou chôrei en humin, como em geral, por “porque minha palavra não cabe em vós" - expressão que, analisada, não tem sentido - preferimos dar a logos o significado de “ensino” e interpretar chôrei como "penetrar". Há, então, um sentido lógico e racional na frase: o ensino crístico não consegue atravessar a carapaça do conhecimento egoístico do intelecto para penetrar no coração dos ouvintes. Vs. 38 - Há aí uma distinção sutil no original: a mesma preposição para é usada com o dativo tôi patrí, quando Jesus se refere a Seu Pai (vi junto a meu Pai), e com o genitivo toú patrós, quando fala do pai dos judeus (ouvistes de vosso pai) exprimindo proveniência. Os adjetivos “meu (Pai) ”, omitido em alguns, aparece em aleph, D, gama, delta, theta, a, b, c, e, f, ff2, na Vulgata e na versão siríaca curetoniana; assim "vosso (pai) ”, omitido em E eL, aparece em aleph, C, D, gama, delta e vulgata.

Vs. 40 - Jesus se diz homem (e não Deus): “Quereis matar-me, a um homem que vos disse a verdade" (nyn dè zêteite me apokréinai ánthrôpon hòs tén alêtheian humin lelálêka).

Vs. 41 - Os ouvintes tomam a acusação como de idolatria, quando arguidos de terem outro pai (outro elohim), coisa que merecia o epíteto de filhos da prostituição" (cfr. Hoséa. 1:2 e 2:4). Vs. 43 - Não tendo a capacidade iniciática de “ouvir a palavra” (akouein tòn logon), isto é, de perceber o ensino, nem sequer podem compreender a linguagem (ginôskein tên lalían) de Jesus. Era com efeito, uma linguagem esotérica e alegórica simbólica e mística, só entendida dos preparados para recebê-la.

Vs. 44 - Ainda aqui diábolos é “o adversário” (cfr. vol. 1 e vol. 4). Este é um dos versículos aduzidos como defesa do ensino dualista de Jesus. No entanto, o dualismo aí é apenas aparente, constituindo simplesmente a distorção causada pelo nosso mergulho na matéria, que interpreta as exterioridades da superfície como sendo a essência. Pelo que vimos estudando até aqui, verificamos que o ensino real de Jesus é MONISTA. O que aparece neste versículo é a teoria "dos opostos”, pela qual todo polo positivo tem também seu polo negativo; mas a barra do ímã é uma só, UNA, embora de cada um de seus lados haja um polo: o positivo, o Sistema, Deus; e o negativo, o Antissistema, que é o adversário (Diabo) ou antagonista (Satanás); este, porém, não é uma entidade à parte, com substância própria individual, mas somente a projeção do próprio Espírito na matéria. Então, a matéria é o próprio Espírito que se congelou, ao baixar as vibrações e adquirir um peso específico elevado, ficando prisioneiro dela, que lhe é o verdadeiro adversário (assunto exclusivo de entendimento quando abordarmos a “queda dos anjos”).

Opostos de qualidade, mas uma só substância; opostos de posições, mas uma só essência; opostos de realidade; opostos de aparência, mas um só ser; opostos de pontos-de-vista, mas uma só verdade. A matéria é um prisma que bifurca num dualismo superficial e ilusório, o monismo essencial e verdadeiro do Espirito. Afirma Jesus que o adversário (isto é, a matéria) é homicida desde o princípio (da queda). Realmente, sendo eterno, o Espírito não sabe o que seja morte nem desfazimento, características próprias da matéria. Então, desde o princípio (ap'archés) a matéria é homicida, porque faz o homem morrer fisicamente, fá-lo experimentar a desagradável sensação de perda e dissolução. E além de homicida, é mentiroso, porque na matéria não está a verdade, já que a matéria e ilusão (máyá) transitória, modificando-se constantemente, num equilíbrio instável de todas as suas células, que vivem em contínuas trocas metabólicas.

Vs. 48 - Traduzimos daimómon por "espírito" desencarnado. Era comum atribuir-se à influência de um espírito (geralmente obsessor, sentido constante de daimónion no Novo Testamento,) quaisquer incongruências no falar e conceitos que soassem absurdos. A acusação volta no vers. 52, como já fora feita anteriormente (João, 7:20).

Vs. 50 - Traduzido dóxa como "reputação", único sentido que encaixa perfeitamente no contexto. As palavras de Jesus valeram-Lhe a má reputação de obsidiado e samaritano (a esta Jesus não respondeu), e Ele limita-se a dizer que não Lhe interessa Sua reputação vinda de homens, pois só vale a opinião divina do Pai. O que realmente lhe interessa é dizer a verdade, pensem os ouvintes o que quiserem a Seu respeito. Como vemos, traduzir aqui dóxa por "glória", não caberia absolutamente: Jesus nunca pareceu importar-se com essas vaidades humanas, próprias dos seres involuídos, que afanosamente buscam famas e glórias.

Vs. 51 - Aqui também nos afastamos das traduções vulgares. Achamos sem sentido a expressão "guardar minha palavra". Muito mais razoável "praticar meu ensino", perfeitamente justificado pelo original grego: tòn emòn lógon têrêsêi. A segunda parte: thánaton ou mê theôrêsêi eis tòn aiôna, "de modo algum verá a morte para a imanência". O sentido é real e lógico. O que não pode admitir-se é que o Mestre, que vem dando ensinamentos espirituais tão profundos, venha aqui prometer que, quem cumprir seus ensinos, não morrerá fisicamente! Que importa ao Espírito a morte do corpo? Lembramo-nos de Paulo a dizer (Filp. 1:21): “para mim, viver é Cristo, e morrer, uma vantagem"! Jesus jamais acenaria como prêmio a alguém, o ficar preso à matéria grosseira e inimiga durante toda a eternidade ... Não entendemos como possa alguém perceber tão mal seus ensinos.

Vs. 52-53 - Mas os ouvintes entenderam exatamente isso: para eles o verdadeiro “eu" era o corpo físico.

Vs. 54 - Ainda aqui dóxa tem o mesmo sentido do vs. 50: reputação, opinião. Esse mesmo significado tem o verbo daí derivado, doxázô, que é opinar, estimar, avaliar, julgar". Não cabe aqui o sentido "glória". O sentido é racional e claro: à pergunta deles "quem pensas ser" (literalmente, "quem te fazes", tína seautòn poieís), Jesus responde que não tem opinião a Seu respeito, que não se julga (doxázô) porque uma opinião Dele sobre Si mesmo de nada vale: o Pai é quem opina ou julga a Seu respeito. Esse Pai, é Aquele exatamente que eles dizem ser nosso Deus.

Vs. 55 - Deixamos a oída o sentido real de “saber", isto é, "ter informação plena e correta de quem é o Pai". Mas, além desse saber, Jesus sublinha com ênfase: "e pratico seus ensinamentos" (kaì tón lógon autoú têrô). A tradução usual “guardo sua palavra" é fraca e sem sentido, nada diz de concreto. Essa que Ele tem, é uma certeza iniludível: se dissesse o contrário seria mentiroso como eles.

Vs. 56 - O original apresenta uma construção estranha: égalliásato hína ídêi tên hêméran tên emên, isto é, “alegrou-se para que visse meu dia”. O sentido à essa cláusula final, iniciada por hína só pode ser interpretada por tratar-se de uma ação posterior, tanto que é repetida, logo a seguir, no passado: “viu e regozijou-se”. Por isso traduzimo-la pelo sentido lógico: “alegrou-se na esperança de ver”. O verbo agalliáô, só usado no presente e no aoristo, é um hápax do grego escriturístico (LXX e Novo Testamento). Essa “alegre esperança de ver” baseava-se, certo, na promessa (Gên. 12:3 e 22:18) de uma descendência de reis e nações.

Vs. 57 – “Ainda não tens cinquenta anos" significa cálculo por exagero (Jesus devia contar mais ou menos 36 anos – entendemos aqui a possibilidade lógica de que Jesus possa ter nascido 4 ou mais anos antes do ano 0) e não, como opinava Irineu, repetindo os presbíteros de Papias, que ele "tinha" mais ou menos 50 anos (cfr. adv. Haer. 2, 22, 5, 6; Patrol. Graeca vol. 6 col. 781 vss). Os dados de Lucas (3:23) são mais precisos. O verbo usado, eôrakas (em A, C, D) ou eôrakes (em B, W, theta) é lição melhor que eôrake (em aleph e na versão siríaca sinaítica). Com efeito, é mais compreensível a admiração de que Jesus, que ainda não tinha cinquenta anos, tivesse visto Abraão, do que este ter visto Jesus, o que poderia ter ocorrido na vida espiritual (opinião de Maldonado).

Vs. 58 - As traduções correntes trazem “antes que Abraão fosse (feito) eu sou". Ora, o original diz: prin Abraàm genésthai egô eimi, literalmente: “antes de Abraão nascer EU SOU” (genésthai é infinitivo presente da voz média). Há profunda diferença filosófica entre “ser feito" e “nascer”: é feito ou criado aquilo que não existe; nasce na carne o espírito que já existe. Jesus declara categoricamente SER, antes que Abraão nascesse na matéria. Mas com isso confirma in totum sua asserção de ser YHWH.

Vs. 59 - Isso mesmo é que os ouvintes entendem, pois está escrito nos Salmos (90:2 – antes que os montes tivessem nascido e fossem gerados a terra e o mundo desse sempre e para sempre tu és Deus) e nos provérbios, que YHWH é antes da constituição da Terra. E, segundo a prescrição do Levítico (24:16 – aquele que blasfemar o nome de Iahweh deverá morrer e toda a comunidade o apedrejará. Quer seja estrangeiro ou natural, morrerá, caso blasfeme o nome) estava "blasfemando o nome de YHWH”, merecendo por isso, a lapidação aí prescrita. Ora, o pátio do templo pelo testemunho de Flávio Josefo (Ant. Jud. 17, 9, 3) ainda não estava terminado, havendo pelo chão muitas pedras. Fácil apanhá-las para fazer cumprir a lei com as próprias mãos. Mas Jesus esconde-se (ekrybê) e sai do templo: não chegara ainda sua hora (aqui ficou a eterna duvida esconde-se, Oculta-se ou some do plano da matéria?).

Nesta terceira palestra aos que nele haviam acreditado, o Mestre lança amorável, mas veemente convite para que viessem fazer parte de sua "Assembleia do Caminho". A lição anterior é continuada aprofundando-se os conceitos. Ocorreu, no entanto, que outros "judeus" (elementos religiosos, mas filiados a credos ortodoxos) se achavam presentes e começaram a lançar suas objeções de incredulidade, às quais o Cristo responde carinhosamente. Mas a Voz Espiritual proveniente da pureza diáfana do Sistema não consegue romper a armadura materialística dos que ainda pertenciam ao Antissistema. E, como é de hábito nesse polo negativo, estes encerram qualquer discussão com a violência, e tentam apedrejá-Lo .... Típico modo de agir de seres involuídos que, não tendo argumentos, recorrem à força física. Vejamos o teor dos novos ensinamentos. Inicialmente, garante que, só permanecendo na realização de seus ensinos, é que se tornarão realmente seus discípulos (cfr. João, 15:4, 7 e 1.ª João 2:6, 24, 27 e 3:24); por esse caminho experimental, conseguirão a gnose da Verdade e esta os libertará do peso da matéria na roda das encarnações indefinidamente repetidas. A afirmativa constitui uma garantia que inclui uma promessa. Compreender e realizar o ensino do Cristo, quer manifestado em Jesus há dois mil anos, quer expresso por outros avatares, quer - e sobretudo - falando dentro de nós mesmos: essa é a condição do Discipulato perfeito. Ninguém pode dizer-se "discípulo" se não tiver adotado o espírito de Sua Escola e de Seu Mestre. O aluno pode só aprender intelectualmente as teorias de uma doutrina e até retransmiti-las bem aos outros, sem que, no entanto, essa doutrina se torne nele um modo-de-viver (FÉ). O Discípulo, porém, é o que vive a doutrina, tendo a mesma vivência que o Mestre. Para ser discípulo de Cristo, indispensável é, pois, viver permanentemente, PERMANECER, em Seus ensinos, sem acréscimos nem omissões. Essa vivência permanente levará à união e, portanto, à gnose experimental da Verdade, possibilitando dessa forma a progressiva libertação do kyklos anánké. É a "salvação" pelo conhecimento, pela sabedoria e pela experiência vivida, conceito fundamental da gnose. O mosaicismo apresenta a salvação por meio da obediência à lei; Paulo substitui a lei pela fé, tornando esta a base e a condição da salvação; mas através do místico João, sabemos que o Cristo, embora não tenha vindo abolir a lei, mas completá-la (Mat. 5:17; cfr. vol. 2); e ainda que exija a fé (Mat. 17:20; vol. 4), coloca acima de tudo uma condição mais elevada: a gnose, a experiência iniciática superior, como última fase para a salvação dos seres evoluídos. São três estágios que o homem atravessa em sua ascensão:

A LEI do primarismo da hominização rebelde, onde predomina a sensação (2.º plano, lei da verdade);

A FÉ no passo seguinte, onde a supremacia cabe às emoções (3.º plano, lei da justiça);

E agora a gnose no plano do intelecto desenvolvido (4. ° plano lei da liberdade)

Caminho longo, ascensão lenta, mas estrada segura e infalível. No entanto, os que ainda se encontram no primeiro estágio lutarão contra os do segundo, assim como estes e os do primeiro se unirão contra os que já estão no terceiro estágio. O catolicismo, que deveria ser sucessor direto do judaísmo, exige a obediência a suas determinações e preceitos dogmáticos, e anatematiza o protestantismo que atingiu o nível paulino da fé e do livre exame; mas os dois condenam as "heresias gnósticas" dos espiritualistas, que buscam a salvação pelo Estudo e pela compreensão da Verdade e pela prática experimental. No campo iniciático, a frase do Cristo assume profundidade excepcional, pois constitui a garantia específica de que, estudando e praticando os ensinos do Deus em nós (Immanu-El) e permanecendo na vivência de Sua mística, o iniciado atingirá a gnose plena da Verdade que é a unificação permanente com Deus, e se libertará totalmente das injunções do polo negativo do Antissistema. E outro meio não existe, pois, o Cristo - 3.º aspecto da Divindade - é o único Caminho da Verdade (que é o Pai) e da Vida (que é o Espírito Santo), como Ele mesmo o revelou (João 14:16). Como sempre ocorre nos agrupamentos humanos, os profanos, por estarem em seu ambiente, são mais audaciosos, porque donos da situação, e levantam mais a voz, ousando contradizer qualquer afirmativa que, pela aferição do gabarito intelectual puramente materialista de sua ignorância ultrapasse a capacidade de seu raciocínio. Senhores absolutos do terreno que lhes pertence (os do Sistema é que aqui na Terra estão fora de seu ambiente) não admitem autoridade maior que a sua, nem julgam possa haver ciência superior à que conhecem. Não entendem a lição, mas torcem o verdadeiro sentido das palavras espirituais para adaptá-las à sua concepção materializada da vida. Neste caso, interpretam a liberdade espiritual de que o Cristo falava, como oposição à escravidão dos corpos físicos; e, como descendentes de Abraão (valor máximo atribuído à personagem na herança do sangue) sabem que jamais foram escravos fisicamente. Em seu teor elevado, vem o esclarecimento da palavra “liberdade” e daquilo que constitui a verdadeira escravidão, que não é a dos corpos materiais, mas a espiritual, causada pelo desvio do rumo correto, pela perda da rota pela desorientação que faz sair do caminho verdadeiro para a floresta das miragens e ilusões: todo aquele que se desvia da estrada-mestra se torna escravo das ilusões do caminho (sensações, emoções, intelectualismo superficial), pois “vagueia" por sendas que o prendem em seus tentáculos enganadores, desvirtuando a luz da verdade, que lhes aparece fracionada pelo prisma defeituoso da matéria. A consequência é inevitável: quem vagueia por atalhos, não permanece na casa (na estrada-mestre segura) que é o coração onde habita o Cristo Imanente. Mas o filho, aquele que está permanentemente unido ao Pai, esse vive na imanência divina, sem jamais perder o Contato Sublime. Ora, se o filho, isto é, o Cristo, terceira manifestação divina existente dentro de cada um de nós, conseguir libertar-nos dos desvios da ilusão, para trazer-nos ao caminho certo, no imo do coração, então haverá a conquista da liberdade espiritual (embora presos à matéria). Só é realmente livre das injunções satânicas (antagônicas, materiais) aquele que se unificar com o filho, numa total e perfeita simbiose (no sentido etimológico). Volta-se, então, novamente para a objeção, respondendo agora à primeira parte. Admite saber que, fisicamente, eles são descendentes de Abraão por consanguinidade. Mas espiritualmente não o são, já que tem o senso do homicídio, típico do polo negativo, procurando destruir o corpo material de seu emissário, Jesus, só porque o ensino crístico não consegue penetrar a capa grosseira de seus intelectos dominados pelo negativismo atrasado do Antissistema.

Aqui percebemos um "alerta” para todos nós, confirmando o "não deis pérolas aos porcos nem coisas santas aos cães” (Mat. 7:6;): se Jesus, trazendo aos homens diretamente, numa filtragem perfeita, o ensino do Cristo de Deus, não conseguiu convencer seus ouvintes, não haveremos de ser nós a pretender convencer as massas da realidade. Aprendemos que, para sermos entendidos, não é mister evolução de nossa parte (podemos ser entendidos mesmo se involuídos), mas é essencial a evolução da parte dos ouvintes, pois só nesse estágio superior sentirão em si o eco daquilo que enunciamos. Portanto, também quando convencemos certas pessoas, com as nossas palavras ou exemplos, e as elevamos evolutivamente - mesmo nas Escolas iniciáticas isso não é obtido em virtude de nosso merecimento, porque sejamos evoluídos, mas porque os ouvintes, eles sim, estão maduros para sintonizar com as verdades que enunciamos, das quais somos meros intérpretes, e quantas vezes imperfeitos! Vem então o testemunho do próprio Cristo: só fala o que viu junto ao Pai, vivendo a Seu lado, UNO com Ele; enquanto os que O contradizem obedecem a voz do pai deles, que é o adversário. O protesto é imediato e enérgico: "nosso pai é Abraão". E a resposta contundente: "se sois filhos de Abraão agi como vosso Pai Abraão. Ora, pensais em destruir meu corpo, só porque falo a verdade. Abraão não faria jamais coisa semelhante”, pois agia de conformidade com o sistema, ao passo que eles agem na tônica do Antissistema. Querem matar o “corpo" - Cristo o salienta com palavras claras – destruir “a um homem”, não a Ele, o Cristo. Feridos pela alusão a uma filiação espúria, reclamam para si também a paternidade divina, ao que o Mestre retruca com um argumento ad hominem: se filhos fossem de Deus, ouviriam a palavra de Deus. Mas a sintonia é diferente. A prova é de que, como personagens, são filhos do Antissistema (do adversário), tanto que nem podem entender a linguagem crística. Não há neles, ainda escravos dos elementos do quaternário inferior, a capacidade de instruir-se pelo "ensino ouvido” (logos akoês). Concluindo a argumentação, vem a declaração taxativa: “vós sois filhos do adversário". Se houvesse necessidade de um texto evangélico para confirmar a revelação Ubaldiana em "A Grande Síntese”, em "Deus e Universo", em "O Sistema” e em "Queda e Salvação”, nenhum outro melhor serviria que este. Cristo, a Centelha Divina dentro de cada criatura, provém diretamente de Deus, Pai do Espírito, de onde parte para construir a evolução dele, mergulhando na matéria; ai chegando, a Centelha se envolveu no corpo físico (átomo) e, de seu interior, provocou e impeliu a evolução da matéria, através do inorgânico, do orgânico (células), do vegetal, do animal, até chegar ao hominal e conquistar o intelecto racional; então, verdadeiramente as personagens, com seus corpos físico, etérico, astral e intelectual são filhos do adversário, isto é, filhos da matéria, antagônica (satânica, diabólica) ao Espirito, embora seja da mesma essência que este. O Espírito, filho do Sistema, de Deus; a personagem, com seus veículos, filha da matéria, do adversário. Exatamente como explicado com pormenores nos livros acima citados de Pietro Ubaldi. Mas o Cristo continua com a mesma lógica irrespondível: “vosso pai era homicida desde o princípio”. De fato, a “morte”, isto é, o desfazimento da forma, só se dá na matéria e nos planos inferiores a ela inerentes. O Espírito, filho ou procedente do Sistema, jamais morre – temos a vida eterna. Os veículos inferiores e a personagem de que se reveste o Espírito (filhos ou provenientes do Antissistema) é que estão sujeitos às mutações, ao desfazimento e reconstruções intermitentes. Mais uma vez se confirma a tese: o Antissistema, adversário do sistema é homicida, porque coage o homem a submeter-se a morte. Outro argumento reafirma a mesma tese: "não permaneceu na verdade, porque a verdade não está nele". Realmente, a Verdade é eterna e imutável: tudo o que é variável e mutável, está no polo oposto da verdade, que se chama "mentira" (verdade invertida). Diz o Cristo: "Quando fala a mentira fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso como seu pai". Eis aí a teoria completa em poucas palavras incisivas e contundentes, embora com o linguajar possível naquela recuada época. Toda personagem, adversária da individualidade, fala a mentira, porque é mentirosa como seu pai, o Antissistema. E é mentirosa, porque sendo, se faz passar por coisa real; sendo mortal, busca uma imortalidade que não possui; sendo transitória, arroga-se uma perenidade falsa; sendo negativa, pretende ser juiz da positividade do Espírito, chegando por vezes ao cúmulo e negá-lo; sendo ignorante, julga-se dona do conhecimento. “Mentirosa como seu pai”. Mentirosa, também, porque em mutação contínua: o organismo vivo é um conjunto de variações e modificações no ritmo veloz dos segundos, em constantes trocas metabólicas internas e externas, com o ambiente que a circunda: nasce, alimenta-se, cresce, expele excrementos, multiplica-se ou divide-se e finalmente morre para logo adiante renascer, tudo ininterruptamente, sem parada nem repouso. Nesse equilíbrio instável permanece a Vida estável (o Espírito); nessa matéria orgânica mutabilíssima (mentirosa) vive o Espírito permanente (verdadeiro). A personagem, filha do Antissistema adversário, é “mentirosa como seu pai”. E “quando se lhe diz a verdade, não crê”. Por que não crer quando surge alguém que pode desafiar a humanidade a argui-lo de erro, e traz a Verdade! Precisamente porque, não sendo de Deus, do Sistema – mas ao invés filho do Antissistema, do adversário – jamais poderão as personagens “ouvir a palavra” de Deus. Posições contrárias. Qualidades inconciliáveis. Verdade e mentira. Positivo e negativo. Amor e Ódio. Deus e adversário. O inciso seguinte consiste num desaforo ilógico e na resposta insofismável. Não há obsessão: há a consciência da honra prestada ao Pai; ao passo que o fruto do Antissistema é desonrar ou desprezar o Espírito e tudo o que a ele se refira. Mas, para o Espirito, que importa a reputação, opinião ou o julgamento que dele façam as personagens ignorantes ainda? Basta-lhe a consciência tranquila e a aprovação divina. O recado estava dado até aí. Mas havia necessidade de entregar mais um ensino àqueles que confiavam, mais presentes, ou que confiariam, mais tarde. "Em verdade, em verdade vos digo" - fórmula solene que sublinha ensinamento profundo e iniciático. Ei-lo: "quem praticar meu ensino, de modo algum verá a morte para a imanência”. A prática dos ensinamentos, a vivência da gnose, é sempre frisada pelo Cristo (cfr. João, 14:15-21, 23; 15:20 e 17:6). Morte para a imanência, isto é, morte espiritual, que bem pode assim qualificar-se a separação do Contato Sublime com o Cristo. Quem puser rigorosamente em prática todos os ensinos do Cristo, com Ele se unificando na casa do coração, numa imanência perfeita, esse de modo algum experimentará a perda dessa prerrogativa da imanência, porque já foi absorvido totalmente pelo Cristo de Deus. Esse sentido espiritual procede. Absurdo seria, como anotamos acima, supor que o Cristo se referisse ao desfazimento sem importância de uma forma material transitória por sua própria natureza e constituição íntima. Interpretação mesquinha e materialista de uma sublime verdade espiritual. E esses intérpretes sempre esquecem que o Cristo avisou: "o Espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita" (João, 6:63), acrescentando logo a seguir: "As palavras que vos digo, são espírito e são vida”. Essa interpretação falsa e grosseiramente materialista, aceita por muitos hermeneutas, foi justamente a que deram aqueles ouvintes ignaros das grandes verdades espirituais. Tanto que eles desafiam o Cristo de Deus, ao perguntar-Lhe: “quem pensas ser"?

A resposta é uma lição de humildade para todos nós, que nos julgamos gênios, santos, iniciados, adeptos, reencarnação de figuras notáveis do passado, “qualquer opinião que eu tenha sobre mim mesmo nada vale: o Pai é Quem me julga". Quem é afinal esse Pai? O mesmo “que vós dizeis ser nosso Deus". Deus que eles não conhecem, pois, o único deus que adoram são eles mesmos. Mas o Cristo SABE, tem a gnose do Pai, e cumpre na pratica todos os Seus ensinos. Chega, neste ponto, o caso de Abraão, que em sua personagem viveu alegre na expectativa de ver a luz do Cristo. O testemunho de que o conseguiu é dado: “viu e regozijou-se". Também aqui os hermeneutas e exegetas só sabem ver a matéria, e imaginam que dia será esse: o da encarnação (Agostinho, Tomás de Aquino)? O da morte na matéria (João Crisóstomo, Amônio)? Ora, dia é LUZ: é o dia da realização interna, o dia do Encontro Sublime, o dia da unificação total. Abraão sai de sua terra e de sua gente (desliga-se de seus veículos inferiores, de seu corpo) e segue em frente para obedecer à vontade divina; cegamente cumpre a ordem da intuição (Sarah) e expulsa de si os vícios próprios da personagem (o filho de Hagar, a escrava); dispõe-se a sacrificar seu filho (que é sua alegria, Isaac) matando-o (destruindo seu corpo, seu filho único), mas é-lhe explicado que deve apenas sacrificar a parte animal de si mesmo (o cordeiro); tem o maravilhoso Encontro com Melquisedec, o rei do mundo, depois que consegue vencer os quatro reis (os quatro elementos inferiores: físico, etérico, astral, intelectual) que haviam aprisionado os cinco reis, por meio dos três aliados, e se prosterna diante do Rei do Mundo; depois da unificação, até o nome muda, de Abrão para Abraão; e tantos outros símbolos que aparecem nas entrelinhas do Gênesis.

Realmente, Abraão viu o DIA, ou seja, a LUZ do Cristo. A interpretação dos ouvintes volta a ser chã: entendem como sendo idade do corpo físico. Temos a impressão de que o Cristo se cansa dessas criancices e resolve acabar com as tolices das personagens ignorantes lançando-lhes uma resposta que as perturba e descontrola. Mas é a Verdade: “antes de Abraão nascer, EU SOU”. É a eternidade sempre presente, diante da transitoriedade temporal de uma vida terrena; é o infinito que não pode comparar-se com o finito; é o ilimitado que não se prende em fronteiras; é a onisciência que anula a ignorância; é o Cristo de Deus, Deus Ele mesmo, que É, perante uma criatura que existiu. Isso eles compreendem bem. Isso o Cristo falou claro. Mas como reação surge a violência que quer destruir ... a matéria, mas que jamais atingirá o Espírito; quer aniquilar a forma, mas sem poder destruir a substância: quer fazer calar a voz produzida pelas cordas vocais, mas sem ter capacidade de eliminar o SOM (Logos, Verbo, Palavra) que cria e movimenta os universos. Pigmeus impotentes que esbravejam contra o gigante; crianças pretensiosas que desejam apagar o sol com baldes d'água; seres humanos que pretendem fazer desaparecer a Divindade, destruindo-lhe um templo; trevas que buscam eliminar a Luz, apagando uma vela; meninos da espiritualidade, sem conhecimento, nulos diante do sábio e filósofo, julgando acabar com a Sabedoria ao queimar um livro. O Cristo esconde-se e sai do templo. Ainda aqui, há uma lição magnífica. Tentemos expô-la. Assistimos ao trabalho da Individualidade para fazer evoluir a personagem, com seus veículos rebeldes, produto do Antissistema. A figuração do Cristo diante da multidão simboliza bem a individualidade a falar através da Consciência, para despertar a multidão de pequenos indivíduos, representados pelo governo central, que é o intelecto. Imbuído de todo negativismo antagônico, o intelecto leva a rejeitar as palavras da Verdade que para ela, basicamente situada no polo oposto, soam falsas e absurdas. O Espirito esforça-se por explicar, responde às dúvidas, esclarece os equívocos, todavia nada satisfaz ao intelecto insaciável de noções de seu plano, onde vê tudo distorcido pela refração que a matéria confere à ideia espiritual, quando esta penetra em seu meio de densidade, mas pesada. Quando verifica que não tem argumentos capazes para rebater o que ouve, rebela-se definitivamente e interrompe qualquer ligação com o Eu interno, voltando-se para as coisas exteriores, supondo que a matéria (as pedras) possa anular a força do Espírito. Diante de tal atitude violenta e inconquistável, a individualidade esconde-se, isto é, volta a seu silêncio, abandonando a si mesma a personagem, e saí do templo, ou seja, larga a personagem e passa a viver no Grande-Todo, no UNO, indivisível, sem deixar, contudo, de vivificar e sustentar a vida daquela criatura mesma que a rejeitou com a violência. Um dos casos, talvez, em que, temporária ou definitivamente, a Individualidade pode desprender-se da personagem que, por não querer aceitar de modo algum o ensino, continuará sozinha a trajetória, tornando-se "psíquica", mas "não tendo Espírito” (Judas, 19).

Fontes

Carlos T Pastorino

Bíblia de Jerusalém

Pietro Ubaldi

Haroldo Dutra Dias

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