O
BONECO
Nós julgamos os outros com uma facilidade
incrível, mas não gostamos de sermos julgados!
Osório,
sua esposa Selma e o filho Tiago almoçam, tranquilos, quando ouvem gritos.
É
Carmem, a filha mais nova, nos fundos da casa. Acodem rápido! - Vejam que
horrível!
mostra
a jovem, assustada. Num canto do quintal, perto da piscina, o objeto de tamanho
alarido: um boneco de pano, muito estranho, com várias costuras no ventre e na
boca, manchas de sangue no tecido surrado, espetado por várias agulhas...
Não
toquem! Cuidado! É um “despacho”! -adverte Felismina, a serviçal doméstica.
Meu
Deus! Quem será o malvado que nos quer prejudicar?! Não fazemos mal a ninguém!
-reclama a dona da casa. E dirigindo-se ao marido:
Certamente
é arte daquela sirigaita que trabalha em sua repartição! Ela não esconde que o
considera um ótimo partido. Seria um viúvo disputado! Valha-me, Jesus Amado!
Sinto falta de ar!... É para mim essa encomenda das trevas!...
Ora,
querida - responde o esposo, conciliador - não julgue assim a pobre Anita.
Conheço-a bem. Seria incapaz de semelhante maldade! Suspeito antes do Costinha
e sua mulher. São invejosos!... Provavelmente, estão pretendendo “amarrar’
‟nossa prosperidade! É preciso fazer algo rápido para neutralizar essa nefasta
influência, porquanto também fui atingido... Ah! Minha enxaqueca!... Parece que
martelam meus miolos!...
Coisa
boa não é! - acrescenta, perturbado, Tiago
As
agulhas parecem enterradas em meu próprio corpo. Dói tudo! O “despacho” é para
mim! Quando me apaixonei pela Margarida e rompi o noivado com Júlia ela jurou
que eu pagaria pela desfeita. A família dela mexe com “sarava”!
Você,
que entende dessas coisas, o que nos diz, Felismina? A serviçal responde,
enfática:
não
sei quem fez, mas é para prejudicar a família toda. Com a confusão que mora
nesta casa não tenho dúvida de que há males encomendados!... O grupo assusta-se
mais! O medo cresce fermentado pela dúvida! O desajuste encontra portas abertas!
Todos tensos e angustiados! Selma está na iminência de um colapso nervoso!...
Batem
à porta. É o vizinho que, levado ao quintal, vai dizendo:
Bom
dia! Desculpem importuná-los. Queria pedir licença para levar o boneco de meu
filho. O irmão o jogou neste quintal. O garoto está em prantos. Seu sonho é ser
médico cirurgião.
O
fantoche é seu “paciente”. Já o “operou” muitas vezes. Não tem mais onde
costurar... Até sangue inventou, usando molho de tomate.
E
pratica acupuntura, espetando-o com agulhas...
O
“despacho” é devolvido. O visitante retira-se. Olham-se todos, atônitos!
Descontraem-se. O riso solto saúda abençoado alívio. Osório comenta, bem
humorado:
Felizmente
o vizinho chegou a tempo! Se demorasse um pouco poderíamos morrer de susto!...
Ignorância, crendice e superstição são grilhões terríveis que semeiam
perturbação. Tudo será diferente quando compreendermos que nenhum mal tem
acesso ao nosso universo íntimo sem transitar pelas vias da aceitação. Por
isso, a melhor defesa exprime-se no empenho por compreendermos melhor a
existência humana com os valores do estudo e da meditação, aprendendo sempre.
Era isso que Jesus ensinava ao proclamar “Conhecereis a Verdade e a Verdade vos
fará livres”.
FONTE:
Endereço
certo
Richard
Simonetti
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