A REVOLTA DOS SETENTA E DOIS
"Nisto muitos dos seus discípulos se retiraram e não andavam
mais com ele." (João, VI, 66. - “...por isso vos afirmei que ninguém
pode vir a mim, se isso não lhe for concedido pelo Pai. A partir daí muitos de
seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele”.)
Enviou Jesus seus discípulos, dois a dois, às cidades e aldeias
onde Ele estava para ir, com ordem expressa e poderes sobre excelentes para
curarem os enfermos e levarem às gentes a notícia de se achar próximo o Reino
de Deus.
Nenhuma outra ordem, nenhuma outra missão lhes fora dada, segundo
afirma o Evangelista (Lucas, X;1,20- “Depois disto
o Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois à sua frente,
a toda cidade e lugar, onde Ele próprio devia ir.
E
dizia-lhes: A colheita é grande, mas os operários são poucos; pedi, pois, ao
Senhor da colheita que envie operários para a sua colheita.
Ide;
eis que vos envio como cordeiros entre lobos.
Não
leveis bolsa, nem alforje, nem sandálias; e a ninguém saudeis pelo caminho.
Em
qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa!
E
se lá houver um filho de paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não voltará a
vós.
Permanecei
nessa casa, comei e bebei do que tiverem; pois o operário é digno do seu
salário. Não passeis de casa em casa.
Em
qualquer cidade em que entrardes, e fordes recebidos, comei o que vos servirem;
Curai
os enfermos que nela houver, e dizei ao povo: o reino de Deus Está próximo de
vós
Mas
em qualquer cidade em que entrardes, e não fordes recebidos, sai para as
praças, e dizei:
Até
a poeira da vossa cidade que se grudou em nossos pés, nós a sacudimos para
deixa-la para vós; sabei, entretanto, que o reino de Deus está próximo
Digo-vos
que naquele dia haverá menos rigor para Sodoma, do que para aquela cidade.
Ai
de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Pois se em Tiro e Sidonia tivessem sido
realizados os milagres que em vós se realizaram, há muito, teriam se convertido
vestindo-se de cilicio e sentando-se sobre cinzas,
Assim
no julgamento, haverá menos rigor para Tiro e para Sidom do que para vós.
E
Tu, Cafarnaum, te elevarás, até o céu? Antes até ao inferno descerás!
Quem
vos ouve, a mim ouve; quem vos despreza, a mim despreza; e quem me despreza,
despreza aquele que me enviou.
Os
setenta e dois Voltaram com alegria, dizendo: Senhor, até os demônios se nos
submetem em teu nome.
Ele
lhes disse: Eu via Satanás cair do céu como um relâmpago!
Eis
que vos dei o poder de pisar serpentes, escorpiões, e todo o poder sobre o
inimigo, e nada poderá vos causar dano.
Contudo
não vos alegreis porque os espíritos se vos submetem; alegrai-vos antes, porque
vossos nomes estão escritos no céu.
Naquele
momento ele exultou de alegria sob a ação do Espírito Santo, e disse: eu te
louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos sábios
e entendidos e as revelaste aos pequeninos! Sim ó, Pai, porque assim foi do teu
agrado.
Tudo
me foi entregue por meu Pai e Ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai; e
quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar).
Quando voltaram alegres Jesus, exortou-os novamente a que tivessem
fé e lhes garantiu que, se permanecessem na sua Palavra, dominariam serpentes e
escorpiões, e nenhum inimigo conseguiria fazer-lhes mal; mas acrescentou que a
sua maior alegria não deveria originar-se da submissão dos espíritos à
autoridade deles, discípulos, mas, sim, de terem eles os seus nomes escritos no
Céu.
Quão frisante deveria ser para eles esta advertência., que
constitui, a nosso ver, de um lado uma premissa de gozo, e, de outro, um aviso
de responsabilidade, semelhante ao do servo que se inscreve como obreiro da
construção de um edifício que se precisa levar a cabo!
Entretanto, o aviso sumiu-se-lhes da mente, esvaiu-se-lhes,
dissolvido por aquela momentânea alegria que os absorvia e arrebatava!
Mas os setenta e dois continuavam, entretanto, juntos ao Mestre,
seguindo-lhe as pegadas.
Quantos fatos grandiosos se desenrolaram a suas vistas, produzidos
pelo Moço Nazareno! Quantas curas, quantos fenômenos transcendentais, quanta
parábola, quanta doutrina, quanto ensinamento, quantas consolações, quantas
esperanças, quantas provas de afeição e amor eles já haviam recebido do Senhor!
Entretanto, sorte avara! Quando os judeus promoviam contra Jesus a
mais acirrada luta, pelas revelações que o Mestre fazia da sua individualidade
íntima; quando chegou o momento azado de o Senhor exortar a multidão a pôr de
lado o mesquinho interesse que o dominava, para, em vez de buscar em sua
Palavra o pão para o corpo, buscar o "pão para a alma", justamente
nesse momento de responsabilidade maior é que os setenta e dois e mais outros
põem de lado a sua obrigação, esquecem-se de que os seus nomes estavam escritos
no Céu e se retiram, negando a sua companhia a Jesus, segundo relata o
Evangelista (João, cap. VI ; 66,71-“ A partir daí, muitos de seus discípulos
voltaram atrás e não andavam mais com ele”. Então disse Jesus aos doze: não
querei vós partir? Simão Pedro respondeu-lhe: Senhor a quem iremos? Tens
palavras de vida eterna e nós cremos e reconhecemos que és o santo de Deus)
De que valeram a esses homens as dádivas e os talentos que o
Senhor lhes concedera, se eles, depois de haverem começado a entesourá-los,
deliberaram esquecerem-se até do resto da herança que lhes cabia por sorte,
renunciá-los, em detrimento da Causa que ao começo anunciaram, e com prejuízo
de suas próprias pessoas, deixando patente a quase inutilidade do seu labor!
Não há quem queria fazer obra de mérito e meta mãos no arado de
olhos voltados para trás, porque só é digno do salário o obreiro que termina a
sua obra.
A revolta dos setenta e dois é fato evangélico que relembra os
sofrimentos de Jesus, e assinala, frisantemente, a sua espinhosa missão.
Mas apesar de desamado de todos e descrido até dos seus próprios
irmãos, Ele não se deixou dominar pelo desanimo, e, altaneiro como quem tem
certeza da tarefa divina que desempenha, e para a qual não lhe faltaria o
auxílio do Alto, num ímpeto de sobranceria, prova a fé e ao mesmo tempo a
humildade daqueles doze, aos quais mais tarde seria entregue a divulgação da
sua Doutrina, com o seguinte desafio: "Quereis vês também vos
retirar?"
Os discípulos, absortos com aquela enérgica interpelação,
emudecem, consultam-se numa troca de olhares tímidos e com certeza rasos de
lágrimas, e por fim Simão Pedro interpretando o pensamento íntimo dos
companheiros, responde por todos: "Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu
tens palavras de vida eterna e nós temos crido e conhecemos que tu és o Santo
de Deus".
As provas das missões se acham em relação direta com as provas do
amor fraterno.
Não pode haver missões religiosas separadas do amor fraterno,
porque o amor fraterno é a base essencial em que se fundam os missionários para
o exercício do seu Apostolado.
Se os setenta e dois permanecessem no amor ao Cristo, tal como Ele
já os havia ensinado, não invalidariam a missão iniciada por ordem do Mestre e
com grande regozijo para todos eles.
Mas como não permaneceram, porque tinham o melindre no coração, e
o desvario no entendimento, alienaram não só aqueles sagrados dotes que lhes
haviam sido outorgados, como, também, a sua própria tarefa, a sua própria
missão!
E é por isso que os Evangelhos não mais falaram neles, e João faz
referência ao caso, para demonstrar o Poder de Jesus que, de posse do Verbo
Divino, que já lhe havia servido na criação do nosso mundo, com o Verbo, que é
a Palavra de Deus, arrostaria todas as dificuldades, vencendo-as a ponto de, na
sua mais elevada conquista, triunfar da morte e tragá-la na vitória!
Ensina-nos tudo isso que devemos ser humildes, pelo menos quando
não possamos ser sábios, e a manter entre nós, pegureiros da última hora e
pescadores de homens, o amor fraternal, para que vençamos o mundo, dando-lhe a
conhecer que somos, na verdade, discípulos do Cristo Jesus.
Fonte:
Carlos
T. Pastorino
Huberto
Rodhen
Bíblia
de Jerusalém
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