IMPUREZA DE
DENTRO
(Mt 15, 10-20
–“em seguida, chamando para junto de si a multidão, disse-lhes: Ouvi e entendeis!
Não é o que entra pala boca que torna o homem impuro, mas o que sai da boca;
isto sim o torna impuro. Então os discípulos acercando-se dele disseram-lhe.
Sabe que os fariseus ao ouvirem o que disseste, ficaram escandalizados? Ele
respondeu-lhes: toda planta que não foi plantada por meu Pai Celeste será
arrancada. Deixai-os. São cegos conduzindo cegos. Ora se um cego conduz outro
cego, ambos acabarão caindo num buraco. Pedro interpelando-o pediu-lhe: explica-nos
a parábola. Disse Jesus nem mesmo vós tendes inteligência? Não entendeis que
tudo o que entra pela boca vai para o ventre e daí para a fossa? Mas o que sai
da boca procede do coração e é isto que torna o homem impuro. Com efeito é do
coração que procedem más intenções, assassínios, adultérios, prostituições,
roubos, falsos testemunhos e difamações. São essas coisas que tornam o homem
impuro, mas o comer sem lavar as mãos não o torna impuro”).
Impureza real.
O que purifica ou
contamina o homem não são as circunstâncias, mas a substância. Certo dia, uns
escribas e fariseus se escandalizaram com os discípulos de Jesus, e perguntaram
ao Mestre por que eles não observavam as tradições paternas e comiam sem
primeiro lavar as mãos. Não se referiam os acusadores a simples preceitos de
higiene física, mas atribuíam a essa usança um caráter de impureza moral.
Pelo que Jesus
lhes replicou com a seguinte comparação: “O que de fora entra no homem não o torna
impuro, porque vai para o estômago daí é lançado fora; mas o que de dentro sai
do homem, isto sim, o torna impuro; porque do coração é que vêm maus
pensamentos, homicídios, adultérios, luxúria, furtos, falsos testemunhos,
blasfêmias – e são estas coisas que tornam o homem impuro. Mas isso de não
lavar as mãos antes de comer não torna o homem impuro”.
O que vale da
impureza de fora ou de dentro, vale também, mutatis mutandis, da pureza.
Há quase 20
séculos que persiste, no seio da cristandade, a ideia de que objetos e atos
externos possam conferir ao homem pureza ou impureza – quando na realidade
somente a atitude interna do sujeito é que dá ao homem pureza ou impureza moral
e espiritual.
Certas teologias
eclesiásticas atribuem poder de purificação e santificação a determinados
objetos e palavras, ideologia essa herdada dos antigos “Mistérios “do paganismo
romano. O pecador desejoso de purificação espiritual se dirigia aos centros de
iniciação de Delfos, Elêusis, Ísis, Osíris, entre outros; ia ter com os magos e
sacerdotes órficos ou pitagóricos; tocava em determinados “objetos sacros”, ou
ouvia palavras rituais que, na opinião dos iniciadores, purificavam o iniciando
e faziam dele um iniciado, purificado e redimido.
A palavra grega
mysterion é, em latim, sacramentum. Os sacramentos eclesiásticos são a
continuação dos mistérios pagãos; a sua função é de magia ritualista. Os
iniciadores continuam a ser, como em tempos antigos, os sacerdotes.
Mais tarde
prevaleceu, numa grande parte da cristandade, a magia judaica, que atribuía
redenção e santificação espiritual ao sangue de animais sacrificados.
Salomão, refere o
1°livro dos Reis, por ocasião da dedicação do templo em Jerusalém, mandou matar
120 mil ovelhas e 22 mil bois. Cada ano, no monte Sion, o sacerdote reunia, à
entrada do templo, o povo de Israel, mandava vir um cabrito, colocava as mãos
sobre a cabeça dele e transferia para esse animal inocente os pecados do povo:
depois, esse “bode expiatório” era morto e, segundo a crença dominante, com a
morte do animal morriam todos os pecados do povo.
A teologia cristã
substituiu o animal inocente pelo único homem sem pecados, Jesus, e atribuiu ao
sangue dele um efeito redentor e espiritualizador – embora o próprio Jesus
nunca tenha considerado seu sangue como elixir de redenção.
Num dos setores
mais recentes do cristianismo, a purificação não é atribuída à objetos e
palavras, nem ao sangue de um “bode expiatório” animal ou hominal, mas sim ao
próprio homem pecador que, através de sucessivas reencarnações físicas,
purifica-se progressivamente dos seus pecados.
Em todos esses
casos, a pureza do homem vem de fora dele, por meio de objetos, formulas ou
pelos pais dele – vem sempre de um fator alheio: objetos, sangue, pais.
Entretanto,
segundo o Evangelho do Cristo, não há alo-redenção, mas tão-somente auto
redenção. O homem não é salvo por algo ou por alguém – o homem se redime,
salva, purifica e santifica ele mesmo a si mesmo, não pelo seu ego humano, mas
sim pelo seu Eu divino, que é o Pai nele, o seu Cristo interno, o Reino de
Deus, a Luz do mundo, que nele está e que ele deve despertar.
Esta auto
redenção é Cristo-redenção, Teo-redenção.
Em termos
modernos, esta auto redenção se chama auto-realização.
Quando Jesus
responde ao doutor da lei que o primeiro e maior de todos os mandamentos
consiste em que o homem ame o Senhor seu Deus com toda a sua alma, com toda a
sua mente, com todo o seu coração e com todas as suas forças – que é isto senão
auto redenção, auto-realização? É a purificação que vem de dentro dele, e não
de fora dele. Pois assim como, segundo as palavras do Mestre, toda impureza vem
de dentro do homem, também toda pureza vem
do seu interior.
Se do seu ego humano vem a impureza, do seu Eu divino vem a pureza.
Toda purificação
e santificação do homem vem do despertar do seu Eu divino, que também se chama
“renascimento pelo espírito”.
Parece que uma
elite da humanidade cristã de hoje está começando a compreender esta verdade
fundamental da mensagem do Cristo.
FONTE:
Carlos T.
Pastorino
Bíblia de Jerusalém
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