terça-feira, 28 de setembro de 2021

LUZ SOB O VELADOR

LUZ SOB O VELADOR –

Luz sobre o candelabro

(Mt 5,14-16 “-vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte. Nem se acende uma lâmpada e se coloca debaixo do alqueire, mas na luminária, e assim ele brilha para todos os que estão na casa., brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, eles glorifiquem vosso Pai que está nos céus”).

Missão dos discípulos. Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e

perseguirem e caluniosamente disserem de vós todo o mal, por minha causa; alegrai-vos e exultai, porque grande é a vossa recompensa nos céus. Pois do mesmo modo também perseguiram aos profetas que antes de vós existiram.

Vós sois o sal da terra. Mas, se o sal se desvirtuar, com que se lhe há de restituir a virtude? Fica sem préstimo algum; é lançado fora e pisado pela gente.

Vós sois a luz do mundo. Não pode permanecer oculta uma cidade situada no monte. Nem se acende uma luz e se põe debaixo do alqueire, mas, sim, sobre o candelabro para alumiar a todos os que estão na casa. Assim brilhe diante dos homens a vossa luz, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai Celeste.

O Eu divino é uma luz coberta pelo invólucro opaco do ego humano

Repetidas vezes o Mestre compara o homem com a luz.

Verdade é que, no Gênesis, Deus disse ao primeiro homem: “Lembra-te, homem, que és pó, e em pó te hás de tornar”.

Por mais contraditórias que pareçam, à primeira vista, estas duas comparações da Sagrada Escritura – pó e luz – elas são perfeitamente compatíveis. No Gênesis Deus se refere ao ego do homem, que acabava de tornar-se pecável – mas, no Evangelho, Jesus se refere ao Eu do homem, que pode ultrapassar todas as misérias humanas e atingir a grandeza divina.

Falando da luz, diz o Mestre: “Eu sou a luz do mundo”, e logo acrescenta: “Vós também sois a luz do mundo”. Ele, o Cristo em Jesus, é a luz do mundo

plenamente atualizada, realizada – ao passo que em nós essa mesma luz é

ainda luz potencial, em diversos estágios de potencialidade, maior ou menor; uma luz realizável, mas não plenamente realizada.

Mas o que é essencial é a identidade da luz no Cristo e da luz em nós. Em cada homem, santo ou pecador, está a mesma luz que está no Cristo: é a luz cósmica, como está no original grego, phôs tou kosmou, a luz do cosmos.

Hermann Keyserling, quando na Índia, escreveu um paralelo genial sobre a

pedagogia de certos livros devocionais cristãos, inclusive a Imitação de Cristo, e a Bhagavad Gita: certos livros devocionais tentam melhorar o homem, fazendo-lhe ver a sua miséria, dizendo que ele é um verme, uma peste, um nada – ao passo que outros convidam o homem a ser perfeito apelando para a sua grandeza latente, que pode vir a ser uma grandeza manifesta. O filósofo germânico frisa a superioridade da pedagogia da Bhagavad Gita sobre a de certos devocionários cristãos.

De fato, nenhum homem é estimulado para o bem pelo fato de se convencer da sua essencial maldade; mas se o homem sabe que no seu ser divino ele é essencialmente bom e belo como a luz, tem vontade de se tornar também existencialmente no seu ego humano o que já é no seu Eu divino. Mas se o homem se convence de que essencialmente mau e feio como o pó, jamais se tornará existencialmente bom e belo como a luz.

A Sagrada Escritura, dizendo ao ego humano que ele é pó, não nega que no seu Eu divino é luz.

Ninguém se torna existencialmente o que não é essencialmente.

Quando o Mestre disse: “Vós sois a luz do mundo”, deu a seus discípulos e a todos nós o mais poderoso incentivo para nos tornarmos realmente bons.

Quem não compreende essa linguagem dirá que dizer ao homem que ele é bom e belo como a luz é levá-lo à presunção e ao orgulho, como já me foi dito em uma aula sobre esse texto. Se esse paralelo com a luz se referisse ao ego do homem, poderia este argumento ter razão; mas nenhum homem é luz no seu ego humano; todo homem é luz no seu Eu divino.

Por isso disse muito bem o Mestre que a nossa luz ainda está debaixo do

velador, envolta pela camada opaca do nosso ego; mas não identificou a nossa luz divina com esse invólucro humano. Convidou-nos a tirar de cima da luz esse obstáculo grosseiro e colocá-la no alto do candelabro.

A luz sobre o candelabro é a mesma que a luz sob o velador; a identidade interna é perfeita. Diferentes são apenas as circunstâncias externas.

Em face disto, poderia alguém pensar que o invólucro opaco do velador seja o nosso corpo, e que, destruindo o corpo, a luz da alma brilharia em todo o seu fulgor no alto do candelabro.

Assim, de fato, pensou um jovem de 17 anos, cuja tragédia contei no meu livro Luzes e Sombras da Alvorada: suicidou-se para estar mais perto de Jesus.

Entretanto, não é nosso corpo esse obstáculo que não deixa a luz brilhar em todo o seu esplendor. O grande impedimento é a nossa mente, o nosso ego mental, que sempre de novo tenta identificar o Eu divino da alma com algum ego humano, corpo, intelecto, desejos.

O velador opaco é a nossa mente, que sempre mente – sagazmente.

Quando o homem consegue se conscientizar definitivamente de que “Eu e o Pai somos um, o Pai está em mim, e eu estou no Pai”, e se ele vive de acordo com essa consciência – então tirou o velador opaco de cima da sua luz e colocou a luz da sua alma no candelabro da sua consciência espiritual.

E então a sua vivência ética está em harmonia com sua consciência mística.

O primeiro passo para essa gloriosa epopeia cósmica é o que hoje em dia

chamamos autoconhecimento, que, cedo ou tarde, transbordará em auto-

realização.

Na mensagem do Cristo, esse processo se chama o “primeiro mandamento” do amor a Deus, e o “segundo mandamento” do amor ao próximo. E o Mestre conclui que, nesses dois mandamentos, da mística divina e da ética humana, “estão toda a lei e os profetas”, está toda a vida externa e interna do Homem Integral, do Homem Cósmico, do Homem Crístico.

Quem tira a sua luz de sob o invólucro opaco de sua ego-consciência e a põe no candelabro da sua Cristo-consciência realiza a razão de ser da sua existência terrestre.

Esse processo é chamado pelos Mestres espirituais “egocídio”, a morte

voluntária do ego ilusório e o nascimento do Eu verdadeiro.

O divino Mestre resume toda essa verdade nas seguintes palavras lapidares: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

E quando a luz de nosso Eu divino for colocada no alto do candelabro da nossa consciência espiritual, iluminará e beneficiará também os habitantes da casa do nosso ego humano; pois, embora o nosso ego humano seja inimigo do nosso Eu divino, contudo o nosso Eu divino é sempre o melhor amigo do nosso ego humano.

Realizar o Eu divino da nossa alma é o único modo real para fazer bem ao nosso ego humano – e também aos outros egos. Ser realmente bom é o único processo de fazer bem a nós mesmos e aos outros.

“A luz brilha nas trevas – mas as trevas não a prenderam.”

Por isto conclui o Mestre: “Fazei brilhar a vossa luz perante os homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus”.

Não manda ocultar a luz que irradia da nossa mística divina, mas sim espargi-la em derredor, em forma de ética humana, não para que os homens louvem a nós, mas glorifiquem a luz divina que tão magníficos raios difundiu.

O homem profano espera louvor para seus canais humanos.

O místico oculta na solidão a fonte divina que descobriu.

O homem cósmico canaliza as águas vivas da fonte divina, para que todos os que dela beberem glorifiquem jubilosamente a fonte.

A parábola da luz sob o velador e sobre o candelabro é a mais alta sabedoria do autoconhecimento e da auto-realização do homem.

FONTE:

Huberto Rodhen

Carlos T Pastorino

Bíblia de Jerusalém 

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