O
APOCALIPSE SEGUNDO UBALDI
(Sob
um enfoque pessoal)
Por
Gilson Freire
Este
trabalho é a súmula de uma palestra realizada pelo redator no XVIII Seminário
Pietro Ubaldi, no dia 24 de fevereiro de 2012, no CEFET-MG, em Belo Horizonte,
MG
INTRODUÇÃO
O Apocalipse, livro que conclui o cânone bíblico, foi
escrito por João Evangelista, já em idade bastante avançada, possivelmente,
estimam os historiadores, entre 98 e 100 anos. Se de acordo com o próprio
narrador, o texto lhe fora ditado por Jesus Cristo, quem então seria o
verdadeiro autor do relato?
O
nome “apocalipse” é uma palavra de origem grega cujo significado é “revelação”.
Portanto, o título original do livro, segundo também as tradições, seria “A
Revelação de Jesus Cristo”.
Acredita-se
que tenha sido composto nos anos 95 ou 96 d.C., no décimo quarto ano do reinado
do imperador romano Domiciano, e na Ilha de Patmos, onde o amado apóstolo de
Jesus se achava exilado. Essa pequena ilha, de aproximados 35 km2,
situa-se no Mar Egeu. Hoje pertencente à Grécia, na ocasião ela era usada como
lugar de banimento pelos romanos. Segundo a tradição local, ainda se pode
encontrar a caverna onde João teria recebido a sua profética revelação.
Ao
longo dos séculos, a contundente mensagem desse livro vem acompanhando a
civilização cristã, nutrindo-a com o anúncio de hecatombes e grandes comoções
para a nossa humanidade.
E
sua incisiva linguagem tem se prestado às mais diversas interpretações, todas,
no entanto, referidas a uma suposta destruição total da Terra e à separação das
almas justas das injustas, sendo as primeiras recebidas no Reino de Deus e as
últimas atiradas para sempre no “inferno”. Por isso, Apocalipse tornou-se
sinônimo de “fim de mundo” e “Juízo Final”. Após o advento da doutrina
Espírita, que nos firmou a crença na reencarnação, ou seja, a progressão
constante das almas, e a inexistência das chamadas “penas eternas”, o Apocalipse passou
a ser entendido como uma passagem de fase da humanidade terrena e não
exatamente o fim da vida na Terra.
Temos,
portanto, três possibilidades para sua interpretação, segundo nossos
conhecimentos atuais:
a)
Destruição total da vida terrena e o fim da nossa civilização;
b)
Destruição de todo o universo conhecido, junto com a Terra;
c)
Mudança de ciclo do planeta e de fase da civilização terrena.
A
opção “a” se refere a um Juízo Final local. Já a opção “b”,
remete-nos a um Juízo Final Total para todo o cosmo que nos
envolve. E, enfim, a opção “c” nos fala de um Juízo Parcial, uma
vez que não haveria a destruição total da Terra e sequer do universo em que
vivemos.
Analisaremos
essas possibilidades, para concluir com a escolha que Ubaldi nos indicou, em
sua sui generis proposta.
ESCATOLOGIA CRISTÃ: FIM DO UNIVERSO CONHECIDO –
JUÍZO FINAL TOTAL
De
acordo com a tradição cristã predominante em todos os tempos, o Apocalipse corresponderia
exatamente à segunda opção, ou seja, a destruição não só do nosso orbe, mas de
todo o universo em que estamos contidos. Essa opção configura a chamada escatologia
cristã, a doutrina que trata do destino final do homem e do fim do mundo,
servindo-se de uma compreensão determinística da revelação apocalíptica.
Recordemos
que o universo judaico-cristão, sobretudo na Idade Média, reduzia-se
praticamente à Terra. Fixada no modelo ptolomaico, essa cosmovisão, chamada
geocêntrica, tinha o nosso planeta como único orbe na realidade universal,
posicionado no centro da criação e cercado pelas esferas vítreas, onde se
fixavam os “luzeiros do céu”. Tratava-se de um modelo antropocêntrico, segundo
o qual todo o universo ao nosso derredor existiria unicamente em função do
homem. A destruição de nosso mundo, portanto, implicaria, então,
necessariamente, no desfazimento completo de todo o conjunto de astros que nos
circundavam.
Segundo
o entendimento da escatologia cristã, o fim do mundo e do universo seria
seguido por uma seleção das almas humanas, quando seriam separadas as “boas”
das “más”, ou seja, as “ovelhas” dos “cabritos”, ou ainda, o “joio” do “trigo”,
em uma operação conhecida como Juízo, ou julgamento, Final.
As almas não selecionadas teriam como fim o “inferno eterno”, e aquelas que se
conformaram aos ditames cristãos seriam as escolhidas para entrar
definitivamente nas benesses do Reino de Deus. Essa é a crença corrente que, em
todos os tempos, alimentou todas as correntes seitas derivadas do Cristianismo
(absurdo completo de ideia e imaginação infértil).
INTERPRETAÇÃO ESPÍRITA: FIM DE UMA ETAPA – UM JUÍZO
PARCIAL
A
Doutrina dos Espíritos, sob a interpretação do racionalismo kardequiano e
alimentada pelos conhecimentos do século XIX, apregoou que Deus criaria eterna
e sequencialmente no palco do espaço-tempo. Portanto, a criação, partindo da
geração de espíritos simples e ignorantes (Deus cria espíritos a sua imagem e
semelhança; essa ideia de simples e ignorantes é após a queda energética),
necessitaria ad aeternum de um berço cósmico entretecido em
matéria, energia, espaço e tempo, a fim de permitir a seus filhos atingirem a
perfeição relativa a que se destinam (e esse universo foi criado por Deus de
matéria espaço e tempo para assimilar o reinicio simples e ignorantes dos
espíritos rebelados). Uma absoluta dissolução desse único cenário possível para
a criação determinaria o término de todas as possibilidades da obra divina.
Logo, a destruição do universo não seria pertinente à inteligência de um Deus
eterno, “criador no espaço-tempo”.
Assim,
o advento da Revelação Espírita demarcou uma diferenciada interpretação do Apocalipse.
Este
assinalaria, então, nada mais que uma mudança de fase da evolução planetária,
quando nosso orbe progredirá na escala dos mundos, passando de um mundo
de expiação e provas, para mundo de regeneração. O nascimento
de uma nova civilização, destacada pela sincera prática dos preceitos
evangélicos, o amor ao próximo e o colaboracionismo (e quantas civilizações já existiram?
Estamos na ariana, ou seja, a dos exilados de capela), caracterizaria essa nova
fase da humanidade. As almas humanas que não atingissem essa nova condição
evolutiva seriam banidas da Terra, levadas a reencarnar em civilizações
bárbaras, situadas em um mundo ainda em estágio primitivo e selvagem (muito
compatível com muitas figuras conhecidas caso não se arrependam e tenham
reencarnações boas). Ali encontrariam o “choro e o ranger de dentes”,
preconizado pelo Cristo. No entanto, guardariam plenas possibilidades de
retornar à Terra, caso venham a se regenerar na rota dos milênios. Nosso orbe
passaria a ser então, para esses espíritos deportados, um novo “Paraíso
Perdido”. E esses novos degredados caracterizariam outros “Adãos e Evas”,
repetindo-se o que teria se passado nos primórdios de nossa civilização, quando
aqui recebemos os famosos “exilados de Capela”.
Nesse
caso, o Apocalipse estaria anunciando o advento dessa
importante etapa na evolução planetária, que poderia passar por desencarnações
em massa, cataclismos locais ou comoções generalizadas, naturais ou não, caso a
humanidade fizesse por merecer essas grandes provações coletivas (nada em
contradição com as inúmeras guerras pandemias e crimes cometidos pelo nazismo).
De qualquer forma, a Doutrina Espirita fixou o conceito de que ocorreria nada
mais que um “juízo parcial”, jamais final. Sustentada pela crença em uma evolução
perpétua na eternidade do universo espaço-tempo, a Religião dos
Espíritos não pôde, portanto, fixar limites para o nosso cosmo, que
existiria de todo o sempre e sobreviveria na interminável esteira do tempo.
Assim, a Codificação Kardequiana, que interpretou os ensinamentos dos
Espíritos, permitiu-nos a identificação de ciclos planetários, aos quais as
civilizações devem obedecer; e o Apocalipse estaria nos
indicando senão a passagem por mais uma etapa em nossa infinita progressão no
palco do espaço-tempo.
Essa
interpretação, importante em nossos dias, contribuiu decisivamente para
amortecer a mensagem do Livro de João e sossegar-nos o íntimo, pois, o máximo
que poderíamos sofrer seria a desencarnação por algum cataclismo ou, o que
seria pior, o banimento temporário para um mundo primitivo. Não deixaríamos, em
absoluto, de continuar nossa impreterível trilha de ascensão evolutiva rumo à
perfeição relativa, a que todos nos destinamos por absoluto imperativo da Lei
do Progresso.
Essa
particular interpretação do Apocalipse encontra-se muito bem
estabelecida na obra A Gênese1, de Allan Kardec, na qual
se lê: “Não é racional se suponha que Deus destrua o mundo precisamente
quando ele entre no caminho do progresso moral, pela prática dos ensinos evangélicos.
Nada, aliás, nas palavras do Cristo, indica uma destruição universal que, em
tais condições, não se justificaria” (item 58, cap. XVII).
No
item 67, cap. XVII, da mesma obra, Kardec deixa clara a crença de que o chamado
“Fim dos Tempos” significa nada mais que um juízo parcial: “Segundo essa
interpretação [a espírita], não é exata a qualificação de juízo
final, pois que os Espíritos passam por análogas fieiras a cada renovação dos
mundos por eles habitados, até que atinjam certo grau de perfeição. Não há,
portanto, juízo final propriamente dito, mas juízos gerais em todas as épocas
de renovação parcial ou total da população dos mundos, por efeito das quais se
operam as grandes emigrações e imigrações de Espíritos” (e isso vem
ocorrendo de tempos em tempos desde a pandemia na época de Justiniano
imperador, pestes, gripes guerras, resgates coletivos etc.…).
O
fim seria apenas da antiga civilização humana e sua involuída moral, como se lê
no item 6 do cap. XVIII do citado livro: “A geração futura, desembaraçada
das escórias do velho mundo e formada de elementos mais depurados, se achará
possuída de ideias e de sentimentos muito diversos dos da geração presente, que
se vai a passo de gigante. O velho mundo estará morto e apenas viverá na
História, como o estão hoje os tempos da Idade Média, com seus costumes
bárbaros e suas crenças supersticiosas”.
Inclusive
os grandes cataclismos com desencarnações em massa anunciados no Sermão
Profético e no Apocalipse representariam unicamente
uma força de linguagem do discurso evangélico, destinada a abalar as almas
incultas e bárbaras que compunham e ainda integram a nossa humanidade. Assim,
Kardec afirma, no item 54 do cap. XVII que “é evidentemente alegórico este
quadro do fim dos tempos, como a maioria dos que Jesus compunha. Pelo seu
vigor, as imagens que ele encerra são de natureza a impressionar inteligências
ainda rudes”. E no item 27 do cap. XVIII, enfim, o grande codificador
exara: “A Terra, no dizer dos Espíritos, não terá de transformar-se por meio
de um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá
gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança alguma
na ordem natural das coisas”.
Desse
modo, onde o fundamentalismo cristão viu o fim absoluto para o universo conhecido,
o pensamento espírita divisou nada mais que uma mudança de fase na interminável
progressão evolutiva. “Juízo final” e “juízo parcial” compõem assim tese e
antítese, duas verdades que se contrapõem, impossibilitadas de se fundirem em
uma síntese.
A INTERPRETAÇÃO DE UBALDI
Já
Pietro Ubaldi, no livro Profecias, apresenta-nos uma visão bastante
distinta da habitualmente encontrada nas fileiras espíritas. Como ela se
aproxima do entendimento original que sempre alimentou o pensamento cristão e
remete-nos de volta às incisivas palavras do Cristo, convém prestarmos a devida
atenção naquilo que o missionário da Úmbria veio nos demonstrar.
UMA VISÃO DE SÍNTESE
Comecemos
por seguir a inicial recomendação de Ubaldi: para entender o Apocalipse não
basta a razão. Faz-se indispensável possuir uma visão geral da criação. Por
isso, o autor alerta-nos em sua obra Profecias: “É inútil querer
enfrentar esse livro [o Apocalipse] sem antes ter conhecido e
resolvido os grandes problemas da vida e da História. Inútil enfrentá-lo com
olhos míopes, diretamente, por análises, sem saber antes olhar de longe, bem
orientado pela visão panorâmica de síntese. A interpretação do Apocalipse não
pode ser jogo de adivinhos, mas só trabalho de intuição e, ao mesmo tempo,
raciocínio filosófico profundo” (pág. 234).
Seguramente,
o grande missionário de Jesus trouxe-nos a mais espetacular visão da criação
acessível à moderna inteligência do século XXI. Estabelecida, sobretudo, nas
obras Deus e Universo e O Sistema, ela é a chave
que nos faltava para compreender nosso universo, a vida que aqui estabelecemos
e, consequentemente, entender com mais clareza não só o Evangelho, mas
igualmente o livro que o encerra, o Apocalipse. Segundo Ubaldi,
vivemos todos em um universo provisório e deteriorado, o Relativo,
fruto de um imenso e coletivo equívoco e não habitamos, de modo algum, o mundo
originalmente idealizado pelo nosso Criador: o Absoluto. Essa é,
sem sombras de dúvida, a mais estonteante proposição que nos foi revelada no
século XX, capaz de transformar por inteiro a visão que detemos do cosmo, da
sua origem e do seu destino, de nossa real natureza e do verdadeiro fim de
nossas vidas.
Como
está muito bem esclarecido nas obras citadas, fomos, todos, criados como
essências divinas e puras (a imagem e semelhança do criador), no seio imaculado
de Deus. Nascemos, portanto, fora do tempo e do espaço, como individuações da
substância divina, o único substrato possível para a Criação original. Não
haveria outra possibilidade para essa Primeira Criação, pois, Deus,
sendo um domínio fora das medidas do Relativo, somente poderia criar
verdadeiramente no palco do Absoluto, onde Ele se expressa em plenipotência.
Gerados sob o estigma da perfeição, fora-nos dado, no entanto, o atributo
da autonomia, uma vez que Deus não pretendeu a geração de autômatos
que se Lhe filiassem por imperativo de Lei. Ele desejava uma adesão por amor e
por isso deu-nos a opção de existir no regime de vida que nos propunha ou
mesmo, experimentar outra possibilidade. Aquela que nos seduziu foi a de provar
a dilatação do próprio auto centrismo, fazendo-nos, por nossa vez, centros e
não periferia da Criação. Ou seja, tivemos a ególatra pretensão de nos
tornarmos “Eus maiores” e não “eus menores” da original formação divina. Esse
era o “fruto proibido”, a árvore do dualismo (do bem e do mal), da qual não nos
convinha comer de seu fruto, ou sequer tocá-lo, pois “no dia que o comêssemos,
morreríamos” (Gênesis 3:3). “Então muitos ‘deuses’ menores –
diz-nos Ubaldi, em Deus e Universo –, feitos de
substância divina, livremente decidiram tornar-se ‘Deuses’ maiores, iguais a
Deus. A escolha foi por eles feita, e o universo, abalado até aos fundamentos
que estão no espírito, estremeceu e parte dele desmoronou, involvendo na matéria
(a tão famosa queda dos anjos). Mas não foi assim para todos os seres. A
balança em que foram colocados os dois impulsos, para uma outra multidão de
espíritos se inclinou, ao invés, para o lado Amor, oposto ao da rebelião por
orgulho” (pág. 48).
Precipitadas
por uma queda dimensional, as forças rebeldes impactaram-se no chamado “átomo
primordial”, de densidade infinita e dimensão nula, o qual, ao explodir, gerou
o universo físico. Nascem assim o espaço e o tempo, onde se formaram a energia
e a matéria, elementos até então inexistentes na realidade divina. O Absoluto,
no entanto, permaneceu intacto, além das medidas do Relativismo.
Justifica-se,
desse modo, o nascimento de um cosmo a partir do caos que agora precisa ser
organizado na esteira do tempo, pelas forças salvadoras de Deus, que caiu com a
criatura para resgatá-lo do báratro onde se prendeu. E o espírito caído,
algemado agora ao redemoinho atômico, necessita crescer e progredir, com seu
esforço e sua dor, através do longo caminho evolutivo, para então retornar ao
“Paraíso Perdido”, o Reino divino.
Essa
informação, que agora nos choca e nos parece ser a maior novidade de nossos
dias, é conhecida de todos os séculos. Está estampada em todos os mitos
cosmogônicos e perfeitamente delineada na simbólica desobediência de
Adão e Eva e na revolta e queda dos Anjos, relatadas na
Bíblia. Nessa belíssima teoria, devidamente explicada por Ubaldi, o Evangelho
do Cristo é resgatado, em sua sagrada essência, como o “edifício da redenção
humana”, e Jesus reassume seu papel de um enviado divino para a salvação do
grande e degenerado rebanho humano. E, assim, se tornam a nós compreensíveis,
assertivas evangélicas que antes nos pareciam absurdas, como a do apóstolo
Pedro: “Deus não poupou os anjos quando pecaram, mas lançou-os no inferno, e
os entregou aos abismos da escuridão, reservando-os para o juízo” (Pedro II
2:44).
Ante
essa estupenda revelação, nosso universo é agora entendido como uma construção
secundária, provisória, destinada unicamente a acolher os espíritos que caíram
e permitir-lhes o retorno ao Plano divino, o Paraíso perdido. Além
de não representar a original Criação divina, por estruturar-se em atributos
opostos à perfeição de Deus, nosso cosmo é ainda considerado uma anomalia, “uma
doença no seio da eternidade”, no dizer de Ubaldi. Ou pior ainda, nosso cosmo
seria nada mais que “uma suntuosa construção de Satanás” (pág. 256) exara
Ubaldi (sabemos que satanás não existe e esse anomalia é porque Deus criou esse
universo de matéria tempo e espaço para abrigar os filhos rebeldes que deveriam
começar sua redenção a exemplo da parábola dos dois filhos mais conhecida como
parábola do filho prodigo). Entendemos aqui que Satanás representa a
adversidade, ou a oposição aos princípios divinos, ou seja, todos nós, a massa
de espíritos falidos pelo exercício da rebeldia às Leis de Deus.
Consequentemente, nosso universo, apesar de esplêndido em muitos aspectos e
majestoso em sua grandiosidade, não passa de uma temporária e imensa ilusão de
nossos sentidos. Assim como nasceu um dia, tem já demarcada a sua morte, como
muito bem nos determinam atualmente os estudos da moderna Cosmologia.
Nossa
casa cósmica, portanto, está cerceada no tempo, além de estar contida também
nos limites do espaço. Não é uma edificação ilimitada e eterna, como antes
pensávamos. Os hodiernos topógrafos siderais já lhe impuseram seus devidos
limites, demarcando que ela nasceu há 13,7 bilhões de anos e deverá
extinguir-se em um tempo ainda não perfeitamente estabelecido. Logo, se seu
nascimento está detalhado no metafórico poema do Gênese mosaico,
seu fim se acha fixado no simbolismo do Apocalipse.
Ubaldi
denominou nosso universo de Antissistema (AS), em oposição ao
universo original e realmente divino, por ele chamado de Sistema (S).
Essa proposição explica-nos então por que em nossa realidade digladiam-se a
ordem (S) com a desordem (AS), a felicidade (S) com a dor (AS), a construção
(S) com a destruição (AS), a vida (S) com a morte (AS). Exatamente por vivermos
em um palco onde as forças divinas do S lutam permanentemente para sobrepujar
as rebeldes forças satânicas do AS. E assim entendemos por que encontramos na
natureza, ao lado de formas belíssimas, figuras horrendas, como os animais
peçonhentos; junto ao colaboracionismo, o injustificável parasitismo dos vermes
e protozoários; e, antepondo-se ao amor, a carnificina das feras. E ainda, em
meio ao aparente equilíbrio das leis de atração que sustentam os mundos,
divisamos fenomenais hecatombes cósmicas, como os choques de galáxias
(recentemente o telescópio Hubble capturou várias galáxias se entredevorando em
espetaculares embates, como, por exemplo, a galáxia da Antena, na constelação
de Peixes).
Mediante
a tese da Queda, Deus é colocado em seu devido lugar de Criador perfeito, em um
universo também perfeito, muito além do nosso. O Evangelho é refeito e o Cristo
assume o papel de real condutor de nossa humanidade de volta à Casa Paterna (Parábola
do filho pródigo). Compreendemos, enfim, o papel do Cristianismo que nos
falou do começo e do fim do universo físico. Surpreendentemente essa nova visão
de síntese alberga também a Doutrina Espírita, uma vez que se continua a
admitir a técnica evolutiva das almas. Apenas se agrega que as reencarnações
sucessivas não nos conduzem por primeira vez a Deus, mas levam-nos agora de
volta ao regaço divino. O criacionismo judaico-cristão abraça-se aqui com o
moderno evolucionismo, compondo dois polos de uma mesma e mais abrangente
verdade.
O
estudioso que ainda guarda dúvidas sobre a mais espetacular visão da criação
que até então nos foi apresentada deverá atirar-se à leitura de Deus e
Universo e O Sistema, de Pietro Ubaldi.
A
LÓGICA DO SISTEMA
Servidos
por essa fundamental visão da criação, podemos agora compreender com mais
exatidão a revelação de João. Como nos afirma Ubaldi, “o Apocalipse não
só se enquadra perfeitamente na lógica do Sistema, mas também o confirma
plenamente, dando-nos uma nova prova de sua verdade” (pág. 236)2.
A
grande batalha do universo que se desenvolve não apenas no palco sideral, mas
igualmente em nosso próprio mundo interior, representa a luta entre as forças
positivas do S (o bem) e as potências negativas do AS (o mal). Esse ciclópico
prélio não pode ser explicado de outra forma senão pela Queda, pois do
contrário compromete-se a inteligência do Criador, que terminaria por criar
oposição a si mesmo. Como nos afirma Ubaldi: “A gigantesca luta entre o bem
e o mal só pode ser explicada com a teoria da ruína ou Queda dos Anjos. O
Apocalipse é a história da volta, representa o caminho da reascensão,
dividido em episódios de luta e conquista, até a meta final” (pág. 238)2
E
continua o grande inspirado da Úmbria a explicar-nos que nosso universo, como
um imenso e desbaratado jogo de miragens e fantasias, não poderá sobreviver na
eternidade do tempo: “Tudo é jogo de ilusões da nossa dimensão tempo, tudo
escapa no irreal, amarrado nesta sua corrida a um presente que jamais se detém.
E as forças do mal em vão se agarram às crinas desse cavalo em fuga, porque
nenhum edifício estável pode construir-se, correndo sobre as areias movediças
do transformismo da evolução, mas só na zona alta do espírito, onde as
tempestades do tempo se acalmam, em mais elevadas dimensões. O mal, porém, é
força decaída, repele e renega o espírito, permanecendo desesperadamente preso
à matéria e à sua forma. Traz assim, em si mesmo, na própria natureza, a sua
própria condenação, como ele mesmo a quis” (pág. 237)2.
E
conclui sua inusitada interpretação das profecias de João: “O Apocalipse
faz-nos ver o lento amadurecimento subterrâneo dos grandes fenômenos
cósmicos (...). Num perfeito jogo de equilíbrios, acumulam-se
em silêncio os impulsos reativos, e sobem, sobem, até a explosão final, que é
ao mesmo tempo o resultado de um cálculo de forças e um ato de justiça,
fenômeno físico de elementos desencadeados, e fenômeno moral de punição dos
culpados, terrificante fim de um mundo e afirmação do Reino do Espírito,
desespero de morte para os maus e vitória de vida para os bons” (pág. 237)2.
Estamos
todos mergulhados na Lei de Deus, que não poderá ser interminavelmente
transgredida e que atingirá os seus fins, inexoravelmente. “Se os maus
quisessem fazer mau uso do amor de Deus, nem por isso a Lei poderia ficar
violada para sempre” (pág. 239). Com Ubaldi compreendemos então que
o Apocalipse nos fala exatamente do fim do universo conhecido
e suas medidas. Ou seja, a dimensão espaço-tempo terminará por ser reabsorvida
pelo Absoluto, de onde proveio. Seus deletérios produtos, a energia e a
matéria, desaparecerão da realidade, para dar lugar apenas ao substrato divino,
a substância essencial, imaculada, que a tudo compõe na esfera do Absoluto. O
espírito sobreviverá como um domínio impreterivelmente imaterial, em sua pura
essência, tal como foi criado. O AS então morrerá e, aqui não restará um átomo
sequer. O grande tumor que é o AS será definitivamente curado, mediante sua
completa extinção. Eis o fim a que está destinada a criação secundária em que
vivemos, cujo término tudo nos indica estar delineado nas incisivas palavras do
último livro da Bíblia.
Esse
conceito não afasta a possibilidade de estarmos vivendo, na atualidade, uma
mudança de fase em nossa evolução planetária. Em absoluto. Ubaldi fala-nos
desse importante momento, como o do nascimento de uma nova civilização, a civilização
do terceiro milênio. Não se nega também a probabilidade de que espíritos
que não tenham atingido a condição evolutiva para aqui permanecer sejam
deportados para outros mundos. Ou seja, o conceito de “Juízo parcial”
mantém-se, ao que se agrega um “Juízo” verdadeiramente “final”. As opções “a” e
“b”, das três possibilidades delineadas em nossa introdução, juntam-se agora à
opção “c”, fazendo-se, todas, visões restritas de uma mesma verdade. Assim, com
Ubaldi, podemos dizer que a verdade espírita está correta, apenas se achava
incompleta; e a revelação cristã original é resgatada como uma informação
compreensível e viável à nossa mentalidade moderna. Tese e antítese agora se
unem para nos permitir a confecção da abrangente síntese que tanto almejamos.
OS SÍMBOLOS
APOCALÍPTICOS
O Apocalipse delineia-se
em um conjunto de alegorias e imagens que desafiaram e ainda desafiam a
inteligência humana. A abertura dos sete selos, o toque das sete trombetas, os
dragões, os animais e a besta, os números, a mulher vestida de sol e a grande
prostituta, as sete taças e as últimas pragas, os quatro cavaleiros, a grande
Babilônia e a Nova Jerusalém são algumas das principais alegorias de que se
serve a visão profética de João para tecer sua metafórica mensagem.
Em
todas as épocas, os homens intentaram dar significados a esses símbolos, todos
relacionados ao momento em que viviam, em obediência ao relativismo em que se
prendem nossas verdades. Por exemplo, no final da Idade Média, os católicos
viam na Igreja reformista de Lutero a imagem perfeita da “grande prostituta”;
já os reformistas acreditavam piamente que a velha Igreja romana estava tomada
pela devassidão, representando à exatidão a figura apocalíptica de mulher
devassa. Evidentemente que não podemos apoiar nenhuma dessas interpretações,
contudo, mediante esse entendimento, a “mulher”, referida no texto de João,
passou a significar “Igreja” para os teólogos cristãos, qualquer que seja ela.
Ubaldi
afirma-nos que os símbolos, embora carreiem importantes e ocultas mensagens,
não nos possibilitam, na atualidade, ser decifrados com exatidão. Não detemos
ainda todos os elementos necessários para interpretá-los corretamente e
emprestamos-lhes sempre significados próprios do período em que nos situamos.
Como nos parece ser, a profecia apocalíptica fala-nos de um futuro ainda
distante em nossa alçada evolutiva, e os eventos que ela anuncia seguramente
transcendem os nossos dias. Por isso, não podemos ter a pretensão de haver
elucidado com absoluta clareza qualquer deles, sendo-nos possível nada mais que
meras especulações ou simples aproximações.
Aos quatro
cavaleiros, por exemplo, o branco, o negro, o amarelo (ou pálido) e o
vermelho, foram emprestados significados pertinentes a uma época. O próprio
Ubaldi se aventura a interpretá-los, no entanto, o egrégio missionário
adverte-nos: “Tentemos uma também nós, mas tendo presente que, neste ponto,
saímos do terreno sólido da certeza, para entrar no das probabilidades.
Ofereceremos, pois, tudo como hipótese, porque assim exige a mentalidade
moderna” (pág. 257)2. Seguindo outros autores que fizeram o
mesmo, Ubaldi designa então o cavaleiro branco como sendo a Inglaterra; o
vermelho, a Rússia; o negro, a Alemanha; e o amarelo, os Estados Unidos. Em
meados do século passado, essas eram as quatro maiores potências militares do
mundo. Hoje teríamos de considerar a China e o Japão também como integrantes
dessa simbologia, pois na atualidade ocupam posição entre as grandes potências
mundiais. Possivelmente, nos nossos dias, Ubaldi atribuir-lhes-ia o cavaleiro
amarelo, aproveitando-se da designação da raça que os caracteriza. Já Divaldo
Franco declarou, logo que a AIDS foi descoberta, no início dos anos 80, que
esta seria a clara designação do cavaleiro amarelo – “aquele
que tinha assentado sobre ele a morte e o inferno o seguia, com o poder de
matar a quarta parte da humanidade, com a espada, com fome e com a peste”
(Ap. 6:8). Passados 40 anos, essa enfermidade, embora ainda represente grave
problema de saúde pública, perdeu seu caráter emblemático e não se faz jus a
essa espantosa metáfora apocalíptica.
Intuímos,
em uma primeira aproximação, que esses cavaleiros podem significar povos, raças
ou civilizações. Recordemos que, na Antiguidade, apregoava-se a existência de
quatro raças humanas: a branca, a ruiva, a negra e a oriental, chamada amarela.
Poderiam ser os “quatro cavalos” a conduzir os seres humanos pelas planícies do
tempo. Contudo, faltam-nos subsídios para prosseguir nessa interpretação, pois
os antigos hebreus, diferentemente de outros povos, dividiam os homens em
apenas três raças, oriundas todas dos três filhos de Noé: Cam, Sem e Jafé
(que sabemos também não existirem).
Já
os outros animais de que se serve a metáfora apocalíptica parecem representar
de fato povos e civilizações. Daniel, no cap. 7 de seu livro, ao descrever sua
visão dos quatro animais simbólicos, confere-lhes esse exato
significado. E, com efeito, as grandes massas humanas, movidas por ímpetos de
conquistas, destroem os povos submetidos a seus domínios, assemelhando-se a
verdadeiras e terríveis feras.
Como
vemos, a instigante simbologia que entretece a profecia de João excita-nos
sobremodo a imaginação e induz-nos a precipitar conclusões que dificilmente
corresponderão à realidade. Inevitavelmente, apoiar-nos-emos sempre em
referências próprias da época em que vivemos e nossa acanhada visão não é, até
então, suficiente para alcançar toda a extensão da verdade que ocultam.
Devemos, pois, aguardar nosso crescimento a fim de emprestar-lhes o correto
significado. Não obstante, a inspiração que nos guia e à qual não resistimos,
induz-nos a um pequeno intento de emprestar significado a duas figuras
apocalípticas, as quais se nos apresentam como de especial importância. Aqui,
temos a ousadia de ir um pouco além do que Ubaldi exarou em seu estudo, ainda
que corramos o risco de cair em graves equívocos. Sabemos o quanto é difícil
aventurar-se nesse terreno particularmente difícil e escorregadio. Guardamos a
certeza, no entanto, de que o leitor saberá aferir nosso esforço como mera
tentativa de aproximação da verdade e facilmente rejeitará nossas hipóteses se
julgá-las improcedentes. E saberá descartá-las se, em futuro próximo, chegarmos
a diferentes conclusões.
A
primeira delas é a “besta”. João, a princípio parece distinguir três bestas: a
que “sobe do abismo”, a que “sai do mar” e a que “se levanta da terra”. A
seguir, o apóstolo parece não mais fazer distinção entre elas e passa a se
referir nada mais que a uma única besta. Podemos, portanto, entendê-las como
sendo uma só, emprestando-lhes o mesmo significado, sem perder-nos em um
labirinto interpretativo.
Comecemos
por intentar elucidar o que seria o “abismo”, de onde “sobe a besta”. Esse
termo aparece em diversas citações bíblicas, sendo a própria palavra sagrada
que o define como sendo a região que está “embaixo” do Céu (Gen. 49:25-“pelo
Deus de teu pai que te socorre; por el shaddai que te bençoa; bênçãos dos céus
no alto; bênçãos do abismo deitado embaixo; benção das mamas e do seio”).
Em Gênesis 1:2, deparamo-nos por primeira vez com esse
intrigante vocábulo, na curiosa informação de que “o Espírito de Deus pairava
sobre as águas do abismo”. A criação divina, paradoxalmente,
inicia-se já com a presença desse abismo, ao qual a inteligência do
Criador deve impor sua ordem no desenrolar do tempo – encontramo-nos aqui com
uma clara referência ao nosso universo físico (o material do tempo espaço esse
criado para abrigar na matéria os anjos caídos...). Conforme nos revela a
hodierna Cosmologia, nosso cosmo de fato nasceu do caos e, em seus primórdios,
no início do big bang, assemelhava-se a um imenso vórtice negro de
forças cósmicas altamente condensadas, contendo em si toda a substância cósmica
– chamado pela Cosmologia de “ponto de singularidade” ou “átomo
primordial”. Abismo então é clara referência ao AS, o nosso
pobre universo deteriorado – e as poéticas palavras do Gênesis indicam-nos que
o Criador, no instante da grande Queda, “preparava-se” para interferir, com
suas leis salvadoras, em seu necessário resgate. Para aqueles que insistem em
considerar nossa morada cósmica como uma edificação perfeita e divina,
afirmamos, com Ubaldi e com a Cosmologia, que ela nasceu de uma imensa revolta
dos “filhos de Deus” e fez-se no início uma barafunda de forças caóticas. Não
podemos, desse modo, deixar de vê-la como um desbaratado e descomunal “buraco
negro”, um sorvedouro contorcido em espaço, tempo, matéria e energia, o
verdadeiro abismo.
Exatamente
por isso é que o apóstolo Pedro, como já nos referimos, exarou em sua 2ª
missiva que os anjos que pecaram estão presos no abismo, aguardando o juízo dos
tempos, para, enfim, retornarem ao seio de Deus (Pedro II 2:44). E do mesmo
modo André Luiz/Chico Xavier, na obra Entre a Terra e o Céu afirma-nos
que “a cadeia de ascensão do espírito vai da intimidade do abismo à suprema
glória celeste”.
O Apocalipse (9:1-2)
assevera-nos que o “quinto anjo abriu o poço do abismo com a chave que lhe foi
dada” – ou seja, no final da ascese evolutiva, as leis divinas abrir-nos-ão as
portas do Reino Celestial, facilitando-nos o triunfal regresso. Então, enfim,
deixaremos as trevosas regiões abissais em que respiramos para adentrar as
Altitudes divinas.
Retornemos
agora à nossa “besta”. Podemos então compreender a “besta que sobe do abismo”
como a matéria que, segundo nos explica Ubaldi, surgiu do grande “funil” da
Queda, no movimento de condensação da substância divina pela precipitação das
forças rebeldes em fuga do S. Nasce, assim, a matéria, emersa da fornalha negra
do início do big bang, há 13,7 bilhões de anos. Acreditamos então
que a “besta” é a perfeita simbologia da matéria. Embora desconheçamos o exato
significado do termo no idioma empregado por João, para nós, besta define o
animal de carga, o burro, produto do cruzamento do cavalo com a jumenta. É estéril
e de muito curto entendimento, tendo por isso emprestado seu nome para designar
a ignorância. Ora, a matéria, além de carrear o espírito caído, prende-o, abafa
e atordoa-o, fazendo-se uma perfeita “besta de carga” para nossa consciência
eterna. Francisco de Assis, por exemplo, denominava de “burrinho” ao franzino
corpo físico que o transportava pelos caminhos do mundo.
Já a
“besta que surge do mar” e a que “se levanta da terra” podem nada mais
significar que a matéria elaborada em biomassa que, em nosso planeta, formou
todos os seres que o habitam, “erguendo-se”, ou seja, manifestando-se, nos
mares e continentes.
Aqueles
que “têm o sinal da besta e a adoram” (Ap.16:2), com toda certeza são os
espíritos caídos no AS, acomodados aos prazeres da matéria e apegados às suas
falaciosas riquezas. “Entregaram-se ao seu poder e lhe deram autoridade na
Terra”, diz-nos, acertadamente, a sabedoria do Apocalipse (Ap.17:13)
– ninguém pode negar que conferimos à matéria o máximo poder e, na estrada dos
milênios, sujeitamo-nos ao seu férreo e inexorável reinado (Ap. 17:17). “Adoraram-na
todos os que habitam sobre a Terra, cujos nomes não estão escritos no Livro da
Vida” (Ap.13:8) – repete várias vezes a palavra de João. “E aqueles que
a veneram são os que combatem contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá”
(Ap. 17:14), continua o texto sagrado. Para concluir que “aquela que era e
já não é, a besta, foi presa e atirada no lago do fogo
que arde com enxofre” (Ap.19:11 e 20) – o que nos parece verdadeiro, pois
segundo Ubaldi, a matéria, como uma construção anômala na Criação divina,
produto deteriorado de nossa Queda, está fadada a extinção com o completo
retorno do nosso universo à sua condição de perfeição original, ou seja, a
imaterialidade.
“Tem
sobre suas cabeças o nome de blasfêmia (...) e toda a Terra se
maravilhou de suas obras”. (...) adoraram-na, dizendo: Quem é
semelhante à besta? Quem poderá batalhar contra ela? (...) E
foi-lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e blasfêmias. E abriu a boca
em blasfêmias contra Deus, contra o Seu tabernáculo e os que habitam o Céu”
(Ap. 13) – aqui nos encontramos com o que poderia ser o símbolo do materialismo
– a crença derivada da matéria e que apregoa ser esta a única realidade
existente no universo, sendo a fonte de tudo o que existe, inclusive da vida e
de nós mesmos. O materialismo então nos fez “filhos da besta”. É não é que a “besta
que fala com arrogância”, apregoando verdades com o selo do cientificismo,
que disseminam o niilismo e seu evidente poder destruidor da fé – verdadeiro “fogo
que lhe sai da boca”?
“Também
lhe foi permitido fazer guerra aos santos, e vencê-los; e deu-se-lhe autoridade
sobre toda tribo, e povo, e língua e nação” (Ap.13:7) – ou seja, os
corolários impostos e propalados pelo materialismo, o falatório da besta,
sufocaram, em todas as épocas, as verdades proferidas por todos os inspirados
divinos.
“Aqui
há sabedoria! Aquele que tem entendimento, calcule o número da besta; porque é
o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis”
(Ap.13:18) – muitos tentaram decifrar a perturbadora “numerologia da besta”,
fixada em 666, e emprestaram-lhe os mais diversos significados. No entanto,
julgamos que a revelação de João nada mais nos indica que os atributos a que se
subordina a matéria podem ser medidos. A matéria se sujeita à limitação dos
números, e “aquele que tem entendimento”, os cientistas, são capazes de
determinar em cifras as suas circunscritas propriedades, como peso, tamanho,
densidade, ponto de fusão etc. – propriedades que caracterizam a substância
contraída pela Queda, pois no plano do Absoluto, esta se expressa além do reino
de todas as medidas possíveis, a imponderabilidade.
Ao
afirmar que o “número da besta é o número de um homem”, possivelmente a palavra
da revelação nada mais nos confirme o fato de que o ser humano fez-se
referência da criação, fixando em si todas as presumíveis mensurações do
universo físico. “O homem é a medida de todas as coisas”– já nos dizia Protágoras(*),
o famoso sofista da Grécia Antiga.
Afirma
João, em 17:3-4, que a besta é montada por uma mulher, a qual tem “a cor
escarlate, está cheia de nomes de blasfêmia, tendo sete cabeças e dez chifres.
Está vestida de púrpura e de escarlate, e adornada de ouro, pedras preciosas e
pérolas e tem na mão um cálice de ouro, cheio das abominações, e da imundícia
da prostituição” — figura que, ao que tudo indica, é a mesma imagem da
“grande prostituta”, referida nos versículos 1 e 2 desse mesmo capítulo, aquela
que “está assentada sobre muitas águas; com a qual se prostituíram os reis
da terra; e os que habitam sobre a terra se embriagaram com o vinho da sua
prostituição”. Aqui, as muitas águas, explica o próprio Apocalipse,
representam as indistintas massas humanas.
Ora,
a cor escarlate é o vermelho vivo que nos remete para a carne – induzindo-nos a
encontrar na “grande prostituta” a perfeita metáfora de nossas “vestes
carnais”, a matéria deteriorada pela Queda que elevamos à condição de
substância orgânica, a fim de nos prestar ao trânsito pelos reinos animal e
humano. Evidentemente que necessitamos da carne como excelso veículo de
evolução, na fase em que existimos, e dela extraímos seguros benefícios para
nossa emersão nos planos superiores da vida. Todavia, não concordamos todos que
facilmente nos deixamos prostituir pelos seus irrisórios prazeres? Não é por
meio dela que nos refestelamos na luxúria, perdemo-nos em irrefreáveis paixões
e cometemos os maiores desatinos do ego? Exatamente por isso é que Paulo de
Tarso recomendou-nos, em todas as suas missivas, as mais graves asserções no
uso de seus benefícios. Na epístola aos Romanos (8:6-8), por exemplo, o
apóstolo dos gentios alerta-nos que “de
fato o desejo da carne é a morte ao passo que o desejo do espirito é a vida e a
paz; uma vez que o desejo da carne é inimigo de deus; pois ele não se submete a
lei de deus e nem o pode, pois os que estão na carne não podem gradar a Deus”. E agrega, no versículo
13: “Pois se viverdes segundo a carne, morrereis, mas se pelo espirito
fizerdes morrer as obras do corpo vivereis”.
O
segundo símbolo a destacarmos é “a grande Babilônia”. Precipitamo-nos a
emprestar-lhe uma acepção própria, em consonância com as teses de Ubaldi.
Sigamos o relato do Apocalipse nos versículos que fazem
referência a essa intrigante alegoria. Ela aparece em primeira citação em 14:8:
“(...) caiu, caiu a grande Babilônia, que a todas as nações deu a beber
do vinho da ira da sua prostituição. ” E segue em 18:2-3: “E ele [o
anjo] clamou com voz forte, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia, e
se tornou morada de demônios, e guarida de todo espírito imundo, e guarida de
toda ave imunda e detestável. Porque todas as nações têm bebido do vinho da ira
da sua prostituição, e os reis da terra se prostituíram com ela; e os
mercadores da terra se enriqueceram com a abundância de suas delícias”. Em
18:10: “E, estando de longe por medo do tormento dela, dirão: Ai! Ai da
grande cidade, Babilônia, a cidade forte! pois numa só hora veio o teu
julgamento”. Para ser concluído em 18:21: “Um forte anjo levantou uma
pedra, qual uma grande mó, e lançou-a no mar, dizendo: Com igual ímpeto será
lançada Babilônia, a grande cidade, e nunca mais será achada”.
A
palavra Babilônia é a derivação grega do termo “Babel”, que significa “porta
para o Céu”. Para os hebreus, era sinônimo de grande confusão. Tal significado
fora-lhe emprestado pelos relatos do Velho Testamento, no capítulo
11 do Gênesis mosaico (“a torre de babel; os patriarcas depois
do diluvio e a descendência de Taré”). Segundo esse livro, os descendentes de
Adão reuniram-se na Mesopotâmia, entre os rios Tigres e Eufrates, e lá fundaram
uma grande cidade, com a intenção de não se dispersarem pelo mundo. Nessa
cidade, no entanto, decidiram, por ato de soberba, desafiar Deus, erguendo uma
imensa torre que tocasse o céu e competisse em grandiosidade com a criação
divina. No entanto, o Senhor, reconhecendo nela uma obra de arrogância do
homem, destruiu-a com seu sopro e dispersou seus construtores, condenando-os a
falar línguas estranhas uns aos outros, de modo que não mais pudessem se
entender. A partir de tal fato, o termo Babel passou a designar “grande
confusão”.
Não
se sabe ao certo se existiu tal torre ou se se trata de mera simbologia bíblica.
Ela é evocada para representar a formação das raças humanas e a origem de seus
diversos idiomas. Acreditam, porém, os historiadores, como registrado em
antigas tradições, que na cidade que depois passou a se chamar Babilônia, viveu
um soberano, o rei Marduk, que de fato erguera um templo, o qual possuía uma
torre muito alta, denominada Babel, ou Portal do Céu. Não se sabe ao certo se o
fato é verídico, pois Marduk designava também o deus supremo dos antigos
babilônios. A famosa cidade, que albergou em uma época os célebres Jardins
suspensos, uma das sete maravilhas do Mundo Antigo, sofreu sucessivas invasões,
até ser completamente destruída pelos exércitos de Alexandre, o Grande.
De
qualquer forma, vemos nesse relato bíblico um perfeito símbolo do AS – a ilusória
realidade em que vivemos. Como nos afere Ubaldi, nosso universo representa de
fato uma edificação às avessas, empreendida pelos espíritos que caíram. Nosso
pobre cosmo verdadeiramente parece desafiar o Criador. Erguendo-se em
composições de pedras, os astros e mundos espalhados pelos campos siderais, ele
guarda a intenção de ser tão grandioso quanto a obra divina original, e compete
com os Céus, embora se faça nada mais que um desbaratado amontoado de matéria.
Exatamente por isso, como já nos referimos, Ubaldi chega a caracterizar o AS
nada mais que “a suntuosa construção de Satanás”. Desse modo, poderíamos
afigurar a “grande Babilônia” como sendo o perfeito símbolo do AS, a “grande
confusão”, a nossa casa cósmica deteriorada, a descomunal edificação às
avessas, desordenada pela revolta de seus elementos rebeldes e destinada a ser
desfeita pelo sopro da Lei divina.
O Apocalipse,
portanto, estaria relatando-nos os últimos estertores do AS e seu impreterível
desfazimento pela Lei de ordem e amor que deve imperar em toda a Criação
divina. E a “queda da grande Babilônia” representaria, desse modo, a morte do
cosmo em que vivemos, com o término de suas impróprias dimensões: o fim do
tempo, do espaço, da energia e da matéria.
A
darmos ouvidos aos recentes estudos da Cosmologia moderna, somos obrigados a
situar o determinístico fim do nosso imenso cosmo físico em um horizonte
temporal muito mais distante do que o indicado pelo Apocalipse.
Nesse caso, seus relatos diriam respeito à destruição unicamente da pequena
porção do AS que habitamos: a nossa Terra. Assistiríamos, portanto, à extinção
de nosso mundo e da civilização que ela alberga e não de todo o universo
físico. Como abordaremos a seguir, essa interpretação, que nos parece mais
lógica, força-nos a emprestar à “grande Babilônia” o significado restrito da
civilização terrena em seu todo. E João estaria falando-nos particularmente do
fim da vida humana na Terra. De qualquer forma, para aqueles que retornarão ao
Reino de Deus, a “queda da grande Babilônia” é efetivamente a morte do tempo,
do espaço, da energia e da matéria, junto com todas as restritas medidas do AS.
Naturalmente
que apresentamos aqui nada mais que lampejos de sugestões, servindo-nos das
lições que nos deixou Ubaldi. Queremos que quem leia sinta-se livre para
rejeitá-las, pois muitas outras interpretações se fazem possíveis para a
complexa metáfora oculta na revelação de João. Apenas chamamos atenção para o
fato de que, antes de Ubaldi, a nenhum estudioso ocorreria dar o significado de
“besta” para a matéria, da “grande prostituta” para a carne, e da “grande
Babilônia” para o nosso mundo ou todo o universo físico, pois o racionalismo
científico, o qual nos serve e ainda se presta à interpretação de nossas
crenças religiosas, não foi capaz de conceber tais elementos como produtos
deteriorados de uma outra Criação divina além da nossa, onde situamos a
perfeição absoluta de Deus e dos componentes que a integram.
DOIS ELEMENTOS QUE SE COMPLEMENTAM
Esclarece-nos
então o missionário da Nova Era que o Evangelho se inicia com o anúncio da
missão de Jesus por João Batista, desenvolve-se nos ensinos do Mestre divino e
se encerra nas cabais palavras do Apocalipse, inspiradas ainda pelo
próprio Cristo. Exarou Ubaldi: “O Evangelho anuncia o Reino
de Deus. O Apocalipse narra a luta,
para implantá-lo (...). O Evangelho termina
com o sacrifício de Cristo para a salvação dos bons. O Apocalipse termina
com a vitória de Cristo e com a condenação dos maus” (pág. 239).
O Evangelho é a promessa de um fim último
para o espírito humano e recomenda-nos o caminho a seguir. O Apocalipse,
porém, é a determinística afirmação do encerramento da grande e imprópria
desventura do espírito que caiu na matéria. Encerra-se, nessa clara meta
predeterminada, a ciclópica luta entre o bem (S) e o mal (AS), que termina com
a natural destruição do último, que jamais poderia prevalecer contra Deus. Por
isso, o místico da Úmbria assevera-nos: “A linguagem do Apocalipse se
transmuda de amorável como a do Evangelho, em trágica e violenta,
porque exprime uma força que se ergue como espada flamejante, para derrotar
definitivamente o furibundo assalto das forças do mal. Move-se num terreno de
batalha, a maior do universo, aquela empenhada entre Deus e Satanás, e na qual
Deus vence. O mal deve ser destruído, mas ele está armadíssimo e resiste com
todos os meios. Este é o maior drama do ser, em que tomam parte Céu e Terra,
fundidos na mesma tempestade e no mesmo desenvolvimento lógico” (pág.
243).
AS TRÊS FASES DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Penetrando na análise mais detalhada
do Apocalipse, no capitulo VII, Ubaldi estabelece para nós a clara divisão em três partes
de seus 22 capítulos:
1. Avisos às sete igrejas – cap. 1 a 3;
2. A grande luta entre o bem e o mal, até a
chegada do prometido Reino de Deus – cap. 4 a 19;
3. O futuro remoto e o Juízo final – cap. 20 a
22.
Três partes que encontram correspondência
com as três fases do desenvolvimento humano ao longo de três milênios de
evolução:
1. 1º Milênio – Implantação do Evangelho
2. 2º Milênio – Assimilação do Evangelho
3.
3º Milênio –
Implantação do Reino de Deus
Divisão que encontra perfeita
correspondência ao que Jesus apregoou, ao afirmar: “A terra por si mesma
produz fruto, primeiro a erva, depois a espiga, e por fim a espiga cheia de
grão. Quando o fruto está no ponto, imediatamente se lhe lança a foice porque a
colheita chegou” (Jesus – Marcos 4: 28-29).
Em decorrência disso, acreditamos que as
previsões do Apocalipse não se referem exatamente aos tempos em
que vivemos. Como nos relata a História, na passagem do século X para o século
XI, julgou o homem medieval estar alcançando naquele então o momento
apocalíptico. E agora, na transição do século XX para o XXI, da mesma forma,
concluímos erroneamente viver os “tempos chegados”, a que o Cristo se referia.
E vemos agora que estamos equivocados. Sem dúvidas atravessamos uma época de
transição, em meio a importantes reformas prometidas para nossa evolução
planetária. Como muitas vozes já nos anunciaram, sobretudo nos meios espíritas,
o amadurecimento moral exigido ao homem do novo século irá de fato revolucionar
a face da Terra e os elementos humanos que não souberem acompanhar o progresso
poderão efetivamente sofrer um temporário banimento para outras plagas humanitárias,
em outros mundos. Acreditamos nessa previsão e Ubaldi a confirma.
Contudo, não é exatamente desse fenômeno que trata a revelação apocalíptica de
João. Percorremos ainda o
período do “amadurecimento do fruto”, depois de passarmos pela experiência da
semeadura do Evangelho. E não chegamos até então na época da colheita, pois
nosso fruto, a divindade em nós, não está devidamente maduro. Não nos achamos,
em absoluto, prontos para ressurgir no Reino de Deus como espíritos puros e
muito ainda nos falta conquistar.
Portanto,
será no terceiro milênio
que a Lei dar-nos-á a oportunidade de fazer florescer em nosso imo o esperado
Reino dos Céus. Como nos diz Ubaldi, “no terceiro milênio, tal como Cristo no terceiro dia, é
preciso ressurgir”
(pág. 267). Informação que Ubaldi reforça em um artigo publicado na obra Comentários (P.154):
“E a humanidade, em dores,
deve ressurgir, como Ele, no seu terceiro dia, que, para ela, é o Terceiro
Milênio”.
Concluímos
então que, nos tempos em que vivemos, o Apocalipse já se
delineia em nossos horizontes espirituais, mas somente se concluirá com nosso
definitivo retorno ao Absoluto divino – o que deverá acontecer em um período
aproximado de mil anos à nossa frente. Ao que tudo nos indica, esse é o
intervalo que a tolerância da Lei facultar-nos-á para implementarmos em nós o
Reino dos Céus. Logo, deveremos permanecer nas plagas do AS, seja na Terra ou
alhures, por mais essa última temporada, quando então findará nosso prazo para
o regresso à Casa Paterna.
Então,
verdadeiramente, o Reino de Deus está próximo, como nos asseverou o
Cristo (Lc 21:31), pois o que são mil anos no montante dos bilhões de evos em
que estamos jornadeando na longa noite dos tempos, nas tumultuadas planícies do
AS?
Assustados,
muitos poderão considerar que se trata de um tempo muito curto para alcançarmos
a almejada perfeição a que o Cristo nos concitou, a perfeição absoluta (“Sede
vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial“– Jesus, Mt
5:48). E de fato, teríamos nada mais que a oportunidade de aproximadas dez
encarnações pela frente, o que nos parece ser um período exíguo, ante nossas
prementes necessidades evolutivas. Devemos, no entanto, considerar que a
evolução é exponencial, por seguir uma curva hiperbólica – assim, quanto mais
evoluímos, mas se acelera nossa velocidade de ascensão. Além disso, nossa
caminhada se faz entrecortada por grandes saltos evolutivos – desse modo
poderemos ascender rapidamente até as portas dos Céus, onde aguardaremos o
desfecho “do nosso tempo”, prenunciado pelo Apocalipse. Imaginamos
então que a evolução há de nos cobrar, daqui para frente, genuínos valores de
progresso. Possivelmente, assim que atingirmos a condição de santidade, a Lei
pedir-nos-á a prova de nossas conquistas, através da real prática do amor – mas
não na Terra regenerada do próximo amanhã, onde a bondade envolver-nos-á em
suas blandícias, impossibilitando-nos o verdadeiro exercício das aquisições
morais. Acreditamos então que deveremos reencarnar em outras humanidades
primitivas, em mundos ainda selvagens, a fim de dar nosso contributo às
necessárias reformas de valores de seus habitantes. Então, em futuro próximo, é
bem provável que não nos acomodemos em nosso mundo de paz, desfrutando os
fantásticos benefícios de avançada tecnologia, mas vejamo-nos transformados em
novos avatares, a conduzir povos bárbaros, assim como muitos vieram
dar-nos as mãos em nosso passado, para nos fazer ascender corretamente pela
trilha do progresso. Ou, certamente, poderemos ser novos cristãos primitivos,
em outras plagas humanitárias, prontos a encontrar execrável morte em circos
semelhantes aos dos nossos antigos romanos. Daremos nosso testemunho em prol da
causa do bem e do amor, para a salvação do nosso universo e dos infelizes seres
que o habitam. Essa será nossa redenção, feita de renúncia e de dor, que nos
facultará a entrada definitiva no Reino dos Céus. Não foi esse o caminho que o
Cristo tomou e nos indicou seguir?
A
HORA DA CEIFA
A
hora apocalíptica é a hora da ceifa, quando termina o prazo para que o espírito
humano reingresse no S. Hora que demarca então os instantes finais da vida do
espírito no palco do tempo e do espaço, envergando corpos físicos, encarnados
ou desencarnados. As almas maduras serão reunidas para o momento da colheita.
No entanto, não podemos ainda entender exatamente em que ambientação dar-se-á
essa decisiva vindima. Nos é impossível, no momento, compreendermos como
estarão nossas vidas daqui a aproximados dez séculos.
Segundo
a visão profética de João, a terra, o mar, o Hades e a morte
entregarão seus “mortos” para se submeterem ao juízo, à época da colheita: “E
vi os mortos, grandes e pequenos, em pé diante do trono; e abriram-se uns
livros; e abriu-se outro livro, que é o da vida; e os mortos foram julgados
pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. O mar
entregou os mortos que nele havia; e a morte e o Hades entregaram os mortos que
neles havia; e foram julgados, cada um segundo as suas obras” (Ap.
20:12-13). A interpretação literal dessa passagem levou os estudiosos a
considerar “mortos” os indivíduos que, na época do juízo, já haviam
desencarnado – para muitos eles permaneceriam dormindo nos túmulos físicos,
aguardando esse momento. Não obstante, seguindo a tese de Ubaldi aprendemos a
interpretar como “mortos” todos os espíritos obnubilados que sofreram a
“primeira morte”, a precipitação da Queda, com a consequente contração da
consciência na matéria. Somos então todos “mortos” na carne, como muito bem nos
caracterizou Paulo de Tarso e o próprio Evangelho. Recordemos que Jesus mandou
os espíritos caídos e mortos na matéria enterrarem seus próprios irmãos caídos
que desencarnam (“Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus próprios mortos”
– Mt 8:22). Já Hades, mencionado no texto apocalíptico, é o termo
grego que designa o mundo espiritual após a morte, ou seja, as esferas
espirituais que circundam a Terra e albergam as almas dos desencarnados nos
interstícios reencarnatorios. Compreendemos perfeitamente com Ubaldi, que essas
regiões integram igualmente o AS, pois aí se vive algemado às intempéries do
tempo e do espaço, sob o império da mesma evolução que a todos conduz.
Portanto, segundo o relato de João, todos os planos terrenos, o físico, onde
vivem os encarnados, e o Hades, o extra físico, onde se alojam os
desencarnados, entregarão seus “mortos”, suas almas caídas, para o devido
julgamento final. Então acontecerá para nós a derradeira seleção natural, o
“Juízo final”, quando aqueles que estiverem amadurecidos pela evolução
ressurgirão no Reino dos Céus, o Absoluto divino. E outro fim aguardará aqueles
que não alcançarem tal condição.
Então
se dará a grande ceifa, porque o tempo de maturação da alma humana chegou ao
fim. Não será mais possível à Lei de Deus tolerar os desmandos da imensa
egolatria e da desmedida soberba do espirito caído. Logo a palavra incisiva
do Apocalipse clama seu prenúncio, tocando-nos profundamente
as fibras da alma, para que não sejamos pegos de surpresa: “E outro anjo
saiu do santuário, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a
nuvem: Lança a tua foice e ceifa, porque é chegada a hora de ceifar, porque já
a seara da terra está madura. Então aquele que estava assentado sobre a nuvem
meteu a sua foice à terra, e a terra foi ceifada” (Ap 14: 15-16). “E o
anjo meteu a sua foice à terra, e vindimou as uvas da vinha da terra, e
lançou-as no grande lagar da ira de Deus. E o lagar foi pisado fora da cidade,
e saiu sangue do lagar até os freios dos cavalos, pelo espaço de mil e
seiscentos estádios” (Ap. 14: 19-20).
Lembramos
ao leitor que “vindima” designa a colheita da uva madura e “lagar”, os tanques
onde se maceram os frutos maduros para deles separar o suco da casca. E esse
será exatamente o processo a que nos submeteremos nos derradeiros momentos de
vida no AS, possivelmente mediante os estertores de nossas últimas dores,
quando então sofreremos, macerados pela Lei, a separação da pura seiva divina,
que nos inunda o imo, dos envoltórios psíquicos, dinâmicos e físicos, nossos
corpos deteriorados, com os quais nos vestimos após a Queda.
A
darmos ouvidos às palavras proféticas de João, o fato dar-se-á em um ambiente
de extrema dor e destruição. Imaginamos, então, que a hora apocalíptica deva
ocorrer em meio a alguma ciclópica devastação de nosso orbe, por alguma
hecatombe natural. Como a descrição apocalíptica é bastante contundente, é bem
possível que venhamos a sofrer a queda de um meteoro ou algum fenômeno cósmico
de grande proporção. Muito provavelmente, o acontecimento não se dará mediante
uma terceira guerra mundial, em um premeditado desastre nuclear desencadeado
pela maldade e imprevidência humana, como muitos previram por ocasião da guerra
fria, em meados do século passado. Tudo nos faz crer que neste então já
estaremos vivendo no depurado ambiente de uma nova civilização, a civilização
do espírito, em parcial santificação dos atos e sentimentos, enfim reparados
para o definitivo retorno ao S, embora ainda estacionados em ambiente terreno.
Como
veremos a seguir, os relatos de João sugerem-nos, em uma primeira aproximação,
que o fim dos tempos encerra não só a destruição da Terra, mas o aniquilamento
de todo o universo físico e espiritual ao nosso derredor, ou seja, o completo
desfazimento do AS. No entanto, o término da evolução humana parece-nos fixado
em um período muito menor do que aquele demarcado para a completa extinção do
universo degenerado. Por isso, até o momento, preferimos acreditar que o Apocalipse se
refira unicamente ao “fim dos tempos” de nossa humanidade terrena. Ou seja,
demarca nossa reentrada no Absoluto, quando nos faremos outra vez espíritos
puros. O grande cosmo que ora nos alberga deve seguir seu lento amadurecimento
evolutivo, ofertando oportunidades, no oceano dos milênios, para que as almas
caídas que ainda o habitam e se encontram em planos inferiores ao que
atingimos, cheguem, por sua vez, igualmente ao estágio final de reingresso no
seio divino de origem. Então viverão também “seus próprios Apocalipses”. Logo,
a palavra de João estaria, como a do Cristo, no Sermão Profético, dirigida nada
mais que ao “rebanho de ovelhas desgarradas da casa de Israel” e não a todos os
infindos seres albergados em nosso cosmo.
Muito
provavelmente, o prenúncio de um determinístico fim para todo o nosso universo
suscitado pelo Apocalipse vise nada mais que abalar a rude e
estreita mentalidade humana. É bem verdade que nosso imenso universo deverá
sucumbir um dia. No longínquo horizonte de 25 bilhões de anos, ele atingirá a
exaustão térmica completa, em resposta à aceleração de seu movimento expansivo
– afirma-nos a Cosmologia moderna. Além disso, seu definitivo óbito também foi
fixado no estonteante limite estimado para o decaimento do próton, da ordem de
1034 anos – conforme especulam estudiosos da Física quântica.
Muito antes disso, nosso Sol esgotará seu combustível nuclear e extinguir-se-á,
em uma explosão que englobará toda sua família de planetas, destruindo-os
completamente. Calcula-se que a morte de nossa estrela dar-se-á daqui a
aproximados cinco bilhões de anos. Antes disso tudo, porém, a Astronomia nos
informa que nossa Via Láctea irá colidir com Andrômeda, a galáxia mais próxima
de nós. Segundo apurados estudos científicos, esses dois descomunais viveiros
de estrelas estão em rota de colisão na razão de 20 km por segundo, e em 2,2
milhões de anos eles se engalfinharão em uma desproporcional e terrível
trombada no palco sideral. Portanto, é verdade que, ao fim desse tempo,
literalmente, “as estrelas cairão sobre a Terra” (Ap. 6:13 e Mt 24:29). Como
muito bem se pode imaginar, será bom não estarmos mais por aqui.
De
qualquer forma, trata-se de eventos por demais distantes para nos preocuparmos
por ora. Sobretudo porque atingiremos, seguramente, os degraus finais de nossa
evolução espiritual muito antes disso tudo acontecer. Nosso tempo para o
retorno está próximo, afirmou-nos o Cristo. De modo que, ao que tudo indica, já
estaremos seguros em Casa, juntinhos a nosso Pai, quando esses
eventos se precipitarem. Se nosso sistema solar sobreviver ao choque com
Andrômeda, de qualquer forma seu fim estará decretado com a morte do Sol. Se
uma futuríssima humanidade ainda existir na Terra, neste longínquo horizonte,
mesmo que habitando suas esferas espirituais, facilmente ela poderá ser
transferida para outros mundos, em outras galáxias, é bem verdade. No entanto,
espírito algum poderá permanecer para sempre nas planícies do espaço-tempo,
mesmo que em corpos espiritualmente elevados, pois chegará o dia em que todos
assistirão ao fim absoluto decretado para o nosso cosmo. Assim, de uma forma ou
de outra, a previsão da completa dissolução de nosso universo, anunciada
pelo Apocalipse, também se cumprirá, uma vez que todos os valores e
potências que o integram deverão ser completamente reabsorvidos pelo S, de onde
vieram.
As
probabilidades para o "Fim do Mundo", segundo a ciência atual, em sua
possível ordem cronológica
1.
Excetuando-se uma hecatombe nuclear promovida pelo
próprio homem;
2.
A queda de um meteoro - a qualquer momento;
3.
Choque da Terra com um buraco negro - imprevisível;
4.
A prevista trombada com nossa galáxia vizinha,
Andrômeda 2,2 milhões de anos;
5.
A inevitável morte do Sol - 5 bilhões de anos.
6.
A morte térmica de todo o nosso Universo físico e
dinâmico, e a inevitável dissolução da matéria, decorrente da irreversível
expansão do espaço promovida pela energia negra - 25 bilhões de anos.
O
TOQUE DA 7ª TROMBETA: ESTÁ FEITO
“Está
feito (...). E tocou o sétimo anjo a sua trombeta, e houve no
céu grandes vozes, que diziam: O reino do mundo passou a ser de nosso Senhor e
do seu Cristo, e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap. 11:15).
Aqui
o Apocalipse é conclusivo: “cai a grande Babilônia” (Ap.
18:2). O AS já não existe mais, afirmam as vozes do Céu, festejando o fim do
grande tumor que representou o universo decaído.
Ubaldi,
seguindo essa estupenda interpretação, afirma-nos: “’está feito’ – tudo é
claro, conclusivo. Inimigos de Deus não existem mais, o drama está completo com
a vitória de Deus, o reino de Satanás foi destruído, aponta a alvorada do novo
Reino de Deus” (pág. 265).
Pelo
menos para nós, espíritos que evoluem nas plagas humanas, a revelação
apocalíptica determina aqui, categoricamente, a extinção do AS. Encerrar-se-iam
todas as oportunidades para o definitivo retorno do espírito caído, os “filhos
pródigos” terrenos, à Casa Paterna. Embora pareça-nos por demais incisiva e
ameaçadora, a palavra profética de João não nos deixa outra forma de entender a
sua mensagem. Para aqueles que, até esse tempo, não conseguirem amadurecer em
si o fruto divino do verdadeiro amor, restará a “segunda morte”.
Como
já propusemos, é bem provável que a “queda da Babilônia”, a que nos referimos,
concerna apenas ao fim de nossa participação no AS. Caso a revelação aponte de
fato o término do todo o complexo e imenso universo em que estamos inseridos,
com seus infinitos seres contidos em seus incontáveis mundos e átomos, então
teríamos de situar esse determinístico aniquilamento muito mais distante em
nossos horizontes temporais. Se nosso universo despendeu 13,7 bilhões de anos
para chegar até o ponto em que se encontra e, segundo nos informam as vozes
superiores, ele está no meio de sua longa caminhada, então outro tanto ele
gastará para conduzir os seus remanescentes habitantes, aqueles que ainda hoje
se prendem nos túmulos atômicos, ao ponto de reentrada no S. Naturalmente que
estacionamos aqui em um ponto de interrogação que nosso míope psiquismo atual
não pode ainda solucionar – faltam-nos subsídios para uma mais perfeita
compreensão do término dos fenômenos evolutivos do nosso universo.
Interpretemos,
portanto, o “toque da 7ª trombeta” como uma alegoria de nosso particular
reingresso na Casa Paterna, ou seja, o encerramento das chances para que nossa
humanidade atinja tal condição. A conclusiva afirmação do Apocalipse –“está
feito”– diria respeito então unicamente ao fim da particular estada de nossa
raça nas planícies do espaço-tempo. E então teremos a oportunidade de deixar de
sofrer as intempéries da energia e da matéria, nos quase infindáveis ciclos reencarnatorios
a que estamos sujeitos.
De
qualquer forma, faz-se muito claro que o Apocalipse é
determinístico e não nos deixa dúvidas: ele não está nos falando de mera
passagem de uma fase de ciclo, mas do fim de todos os ciclos possíveis. Ao
retornarmos para o S, participaremos da vida no Absoluto divino, onde não é
possível a existência de qualquer movimentação fenomênica, tal qual a
conhecemos.
Para
o estudioso espírita que permanece apregoando a infinitude da evolução,
estacionado nos conceitos relativistas de espaço-tempo, lembramos que a questão
169 de O Livro dos Espíritos diz-nos que, “embora as
encarnações sucessivas sejam muito numerosas, o progresso é quase
infinito”. Ou seja, a progressão das almas não é interminável – ela encerra-se
no Reino de Deus, como determina o Evangelho.
A SEGUNDA MORTE
Então
o Apocalipse nos acena com a possibilidade da “segunda morte”.
Atingimos aqui, seguramente, a mais tocante asserção das previsões de João.
Diz-nos a sua palavra: “Mas, quanto aos medrosos, e aos incrédulos, e aos
abomináveis, e aos homicidas, e aos adúlteros, e aos feiticeiros, e aos
idólatras, e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago ardente de fogo e
enxofre, que é a segunda morte (Ap. 21:8) ”.
Desse
modo, aqueles que não atingirem a esperada ressurreição no Mundo divino,
forçosamente, por quesito de Lei, deverão experimentar a chamada “segunda
morte”. A confiarmos na palavra de João, impossível não nos abalarmos ante tal
assustadora possibilidade. Ela poderá significar o nosso maior temor: deixar de
existir.
Sim,
Ubaldi interpreta a segunda morte como a extinção do espírito.
Segundo o missionário de Jesus, o espírito que persistir na revolta, na véspera
de nossa reentrada no S, teria a substância que o individua completamente
reabsorvida pelo manancial divino – algo muito mais terrível e fatal que a
simples desencarnação ou mesmo a reclusão temporária em mundos primitivos.
Seria exatamente a exclusão do espírito do palco da vida, com a dissolução de
sua individualidade. Compreendamo-la como o desfazimento de uma estátua: seu
substrato constitutivo não pode ser destruído, mas sim sua forma, que deixa de
individuar-se em específica conformação e se desfaz nos indistintos átomos que
a constituem. A segunda morte pode então ser compreendida como
a diluição da gota no grande oceano da vida, de onde proveio – fato que define
para nós o próprio panteísmo.
Ubaldi
falou-nos dessa segunda morte em Deus e Universo,
antevendo-a como uma possibilidade apenas teórica, pois, segundo o visionário
da Nova Era, a dor suscitada no espírito sob descenso involutivo é tamanha que
ela lhe induz à automática inversão das forças destrutivas induzidas pelo
próprio mal que o aniquila.
Sigamos,
entrementes, o que Ubaldi nos agrega em Profecias: “O grande
drama do Apocalipse está em seu epílogo e fecha-se, em sua
terceira parte, com a cena grandiosa da Ressurreição dos mortos e do Juízo Universal.
Satanás está definitivamente derrotado. Diante do trono de Deus comparecem os
mortos. Abre-se o livro da vida, em que tudo está escrito e cada um é julgado
segundo suas obras. O mar entrega os seus mortos. A morte e o inferno entregam
seus mortos. Depois ‘(...) a morte e o
inferno foram lançados no lago de fogo; esta é a segunda morte. E aquele que
não foi achado escrito no livro da vida, foi lançado no lago de fogo’ (Ap.
20:14-15). Há, pois, uma absoluta destruição final, em que são anulados
também a morte e o inferno, uma segunda morte, última e definitiva, em que são
precipitados todos os que não foram achados escritos no livro da vida. E a vida
é Deus. Eles são eliminados do sistema, anulados mesmo como espíritos. Essa não
é a habitual morte do corpo, não é a normal decadência de todas as coisas,
para renovar-se e evoluir. Não é a costumeira morte temporária, de que tudo
ressurge. Essa é a segunda morte, a definitiva, a do espírito. ” (Pág. 238)2
Ao
reiterar a assertiva muito bem delineada no Apocalipse, muitos
acusaram Ubaldi de estar restituindo o conceito medieval de “inferno eterno”,
semeando temores infundados em nosso imo, além de derruir a imagem de Deus que
aprendemos do Cristo, como a de um Pai infinitamente misericordioso e bom. No
entanto, quem nos afiança o conceito da segunda morte não é
propriamente Ubaldi, mas sim João, o qual nos afirma estar transmitindo
palavras do próprio Cristo. Portanto, negue o critério de segunda morte quem
o quiser, sabendo, no entanto que estará rejeitando não exatamente as
conclusões de Ubaldi, mas um dos fundamentos da doutrina cristã.
A
gravidade do tema induz-nos à ousadia de ir um pouco além do que nos trouxe
Ubaldi. As correntes noúricas que nos perpassam o frágil intelecto neste
momento e assistem a todos quantos se disponham a ouvi-las, induzem-nos a
avançar no entendimento desse grande mistério. Precipitemo-nos a aferir os
elevados conceitos que nos deixou Ubaldi, ainda que corramos, mais uma vez, o
risco de equivocar-nos. É evidente que aqui tratamos de mero esforço de
aproximação da realidade, pois estamos cientes de que nossa imensa ignorância é
completamente insuficiente para fixar verdades, sobretudo, na interpretação de
tão sagradas revelações. E se o fazemos é pela certeza de que o leitor saberá
encará-las como simples elucubrações e aguardará nossa evolução para melhor
esclarecê-las.
Podemos
considerar como a primeira morte a condensação que nossa
consciência sofreu com a Queda. Morremos na inconsciência da matéria, onde
dormimos por incontáveis milênios até conseguir despertar parcialmente na massa
orgânica, a qual nos permitiu restituir parte do substrato consciencial que
herdamos do Criador. Como passamos por milhões e milhões de desencarnações, ao
fim de cada trânsito carnal, muito provavelmente o desenlace físico não
represente a nossa primeira morte, como muitos estudiosos
supuseram. A desencarnação habitual é até mesmo uma parcial libertação, e o
túmulo nada mais significa para nós do que uma incompleta ressurreição do
espírito, prenunciando a última e verdadeira, a Ressurreição
gloriosa no S. E deixemos claro, para aqueles que ainda não se deram conta
do fato: aprendemos com Ubaldi que ressurreição não é simplesmente
reencarnação, como interpretado pelos fundamentos espíritas. Ressurreição é,
sim, nosso definitivo retorno ao Universo Absoluto, o Reino de Deus. Verdade
que pode muito bem ser aferida nas palavras do Evangelho. Cristo a empreendeu
aos nossos olhos para demonstrar-nos como realizá-la, conforme nos esclarece
Ubaldi na obra Cristo, o último de seus livros.
Basta
uma citação do Evangelho para aferirmos, num átimo, os importantes conceitos de
“morte” e “ressurreição” com os quais estamos lidando: “Jesus lhes respondeu: os
filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento; mas os que forem julgados
dignos deter parte no outro mundo, e na ressurreição dos mortos, não tomam nem
mulher nem marido; como também não podem morrer; são semelhantes aos anjos, e
são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição” (Jesus, Lc 20:34-36). O
“mundo vindouro” a que se refere o Divino Mestre não é simplesmente o plano
espiritual que encontraremos após o túmulo (o Hades dos
antigos gregos), mas sim o Reino Celestial, o plano do Absoluto, fora do tempo
e do espaço. Nas esferas do post-mortem, como nos afirma a Doutrina
dos Espíritos, continuamos a seguir os passos da evolução, que assim se dá
nesses “dois mundos”, o físico e o extra físico. E nesse plano dos
desencarnados, seguimos “dando-nos em casamento”, como muito bem nos relatam as
obras mediúnicas. Ao referir-se à “morte e mortos”, o Evangelho fala-nos, como
se pode denotar em uma leitura mais atenta, dos espíritos presos na matéria, ou
seja, os caídos no AS. E ao mencionar a “ressurreição”, a Boa Nova caracteriza
o ressurgir na Vida Eterna, a real eternidade, fora do tempo e do espaço, onde
não se nasce e não se morre mais, ou seja, não se segue mais o ritmo reencarnatório,
cessando-se todo e qualquer possível movimento evolutivo. Essa é a verdadeira
Vida Eterna, a dimensão do Espirito puro, que em nada se compara às nossas
acanhadas existências, entrecortadas por renascimentos e desencarnações.
Logo,
entendemos que, de acordo com o Evangelho, “morte” é o mesmo que “queda na
matéria” – o exato oposto de “ressurreição”, que é a “libertação da matéria”.
Em consonância com esse conceito, podemos deduzir que o Apocalipse,
ao anunciar o fim do “tempo dos mortos” (11:18), demarca o término da
vilegiatura evolutiva dos espíritos que caíram; e ao reverenciar os
“bem-aventurados mortos que ressurgirão no Reino do Senhor”
(14:13), declara-os reintegrados na unicidade divina.
Seguindo
essa linha de interpretação poderemos conferir à “segunda morte” o significado
de uma “segunda queda” na matéria bruta e não propriamente a fatal destruição
da individualidade, como a compreendemos em uma primeira aproximação do
assombroso tema.
Recordemos
que no livro Renúncia, de autoria de Chico Xavier/Emmanuel,
encontramos a curiosa afirmação de que “a morte mais terrível é a da queda”. E
que muitos estudiosos do espírito (veja-se a obra O Abismo, de R.A.
Ranieri, orientado por André Luiz) acenaram-nos com a possibilidade da chamada
“petrificação perispiritual”, ou seja, a completa mineralização do campo de
expressão do eu, como um grave retrocesso para aquele que se detém na revolta e
na infrene prática do mal.
Consequentemente,
podemos elucubrar que a segunda morte, a que se refere o Apocalipse,
poderia significar uma “segunda Queda”, ou seja, os espíritos integrantes da
raça humana que não atingirem a condição necessária ao reingresso no S
sofreriam nova e grave contração involutiva. E então o “fogo do inferno”
representaria nova reclusão na matéria bruta. Macerados pelas ciclópicas
condensações de matéria e energia que se seguem às grandes hecatombes cósmicas,
e, possivelmente, sugados por buracos negros, essas almas estacionariam
novamente na perda da consciência, necessitando reiniciar nova ascensão
evolutiva, através de outros incontáveis milênios, em nova oportunidade
conferida pela misericórdia divina para atingirem, enfim, o S. Seria outra
“terrível morte” que, no entanto, não representaria o fim absoluto dessas
almas, o desfazimento do espírito, como nos faz supor o texto apocalíptico e
foi interpretado por Ubaldi.
Sabemos
que para se gerar condensados de matéria faz-se necessária intensa potência
egoica – a força propulsora da compactação da substância divina que nos
constitui. Revolta e egoísmo são exatamente os impulsores que constrangem o
arcanjo a se prender no átomo, pois somente um descomunal egocentrismo,
alimentado pelo ódio, é capaz de adensar a divina substância e confiná-la em
restritos redemoinhos atômicos. Isso nos leva a concluir que apenas os
espíritos que, na época demarcada pelo Apocalipse, persistirem,
depois de três mil anos de Evangelho, em imane sentimento de rebeldia contra as
Leis de Deus deverão deixar-se consumir no caos dinâmico das grandes macerações
siderais, sofrendo a segunda morte.
Assim,
entendemos que, se estamos na rota do Evangelho, não precisamos nos deixar
consumir por descabido temor a essa “segunda morte”. Embora a mensagem do Apocalipse se
mostre entretecida em aterrorizante linguagem, própria para abalar as
profundezas da alma, ela visa seguramente a prevenir-nos de tamanho desastre. E
se o tememos, é exatamente porque já o experimentamos. Trazemos, todos,
indubitavelmente, nos arcanos do inconsciente, as indeléveis cicatrizes dessa
grande desventura, pois passamos pela primeira morte, a Queda de
origem. A palavra de João objetivaria então nada mais que alertar almas ainda
rudes, como única forma de atiçá-las ao progresso espiritual. E ao lê-las,
deveríamos suscitar em nós o mais sagrado ímpeto de ascensão evolutiva,
adotando-as como um seriíssimo alerta dirigido às nossas consciências
adormecidas na comodidade. Usemo-las para despertar em nós as divinas forças
salvadoras, precavendo-nos de tão lamentável desventura, ao fim de nossa longa
jornada pelos evos.
Isso
assegura-nos aquietar um pouco os intelectos e refazer nosso conceito de um
Deus infinitamente bondoso, justo e misericordioso, que haverá de
proporcionar-nos todas as oportunidades possíveis para retornarmos ao seu
Regaço de amor. Basta imaginarmo-nos adentrando a Eterna Bem-aventurança,
perdendo para sempre algum de nossos entes queridos – não teríamos a paz
necessária para desfrutar das benesses do Paraíso divino. Logo, não podemos
supor que Deus os aniquilaria definitivamente, pois um pai jamais faria isso
com seu filho. Como exarou Paulo de Tarso, “porque o salário do pecado é a
morte, e a graça de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo nosso Senhor”
(Romanos 6:23). E agrega o Apóstolo dos Gentios, em sua missiva aos Coríntios I
(6:14): “Ora, Deus não ressuscitou o Senhor, ressuscitará a nós pelo seu
poder”.
Tudo
nos leva a crer então que, a darmos ouvidos ao Apocalipse, parte de
nossa humanidade deverá experimentar efetivamente nova e grande contração da
consciência. E será, sim, bastante provável que o pequeno rincão do universo
que habitamos sofra alguma parcial hecatombe, a qual não podemos ainda
apreciar. Possivelmente assistiremos a um big crush (grande
concentração) localizado, produzido por um choque com um buraco negro, por
exemplo, ocasionando uma maceração involutiva dos espíritos que permanecerem
atados a ele – representado no Apocalipse pelo “lago do fogo
do inferno”. Seria, para nós, o fim da porção do AS que nos assiste, a
destruição completa de nossa “grande Babilônia” local. O restante do imenso
universo físico e espiritual em que vivemos deverá seguir sua existência,
acolhendo os que sucumbiram em novo descenso involutivo e aqueles que ainda
seguem a passos lentos rumo à Morada do Divino.
Resta-nos,
desse modo, conquistar a “Vida Eterna”, ou seja, a condição de viver no
S, em um período aproximado de mais mil anos de oportunidades evolutivas. E
estamos certos de que a misericórdia divina nos e envolve-nos alcança em Seu
infindo amor, conferindo-nos múltiplas chances para atingirmos, enfim, o Reduto
da paz no desdobrar desses novos dez séculos de progresso.
De
qualquer forma, lendo o Apocalipse sob as luzes de Ubaldi, tornasse-nos
bem claro que a “segunda morte” não significaria mera evasão para humanidades
mais primitivas que a nossa, como muitos estudiosos do espírito propuseram. Não
estamos negando tal possibilidade, que se daria ao fim de cada etapa cumprida
pela nossa evolução moral, através da evasão dos espíritos que não alcançaram a
condição de seguir os passos da maioria. A segunda morte evidencia
ser algo muito mais drástico do que um exílio planetário, pois evidencia
tratar-se de grave retorno às bases do universo físico, ou seja, à matéria
bruta. No cerne atômico, o espírito perde sua consciência ativa e o senso de
organicidade, dádivas que terá de reconquistar com enorme esforço em nova e
fatigante escalada evolutiva.
E
não podemos deixar de frisar que essa interpretação não afasta a proposição da
completa extinção do espírito, levantada por Ubaldi. Faz-se compreensível que,
do ponto de vista teórico, se o espírito caído nunca quiser aceitar o regime de
vida embasado no amor, proposto pelo Criador, e insistir para sempre na ímpia e
imane prática do mal, ele irá, sim, terminar por decretar a sua dissolução como
individualidade. Espírito algum poderá manter eternamente sua ingente revolta
contra Deus e Sua ordem. Entendemos, no entanto, que o amor de Deus pelos seus
filhos foi tanto que, ao lhes dar o livre-arbítrio, Ele respeita suas escolhas
e jamais os obriga a segui-Lo. Portanto, se um de seus filhos negar-se a voltar
ao seu amoroso Reduto, é bem provável que termine por extinguir a si próprio,
por quesito de Lei e não por vontade do Pai. Como sabemos, o mal desejado e
praticado é força antiviral que corrói a vida daquele que o perpetua.
Exatamente por isso, a Lei faz com que a dor do espírito rebelde aumente na
mesma proporção de sua revolta, de modo a cercear suas possibilidades de ação e
estimulá-lo à impreterível subida, resguardando-o assim de fatal
autodestruição.
Muitos,
neste momento, recordar-se-ão das palavras do Cristo ao nos prometer que “mas nem
um só cabelo das vossas cabeças se perderá ” (Lc 21:18). E que “as minhas
ovelhas escutam minha voa, eu as conheço e elas me seguem e elas jamais
perecerão; e ninguém as arrebatará de minha mão” (João 10:27-28). E
entregam-se à cômoda posição de se deixar conduzir pela vida, sem se esforçar
ao máximo por empreender a reforma íntima indispensável à emersão nos planos
superiores do espírito. Esquecem-se de que o versículo 26 do mesmo capítulo de
João alerta-nos: “Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas”.
Ou seja, podemos estar entre aqueles que não se interessam por seguir as
pegadas do Salvador e a subir pelo Calvário da Redenção, de modo que
deixaríamos de pertencer ao Seu rebanho.
Não
sabemos ainda se somos ou não ovelhas do Divino Pastor, pois não nos vestimos
até então com o sagrado manto da santidade. Se o seu aprisco representa toda a
humanidade terrena, temos então motivos para nos alegrar, pois com certeza
pertencemos ao seu rebanho. Mas ainda assim, o Redentor deixou-nos bem claro
que, se não praticarmos a suas lições, não seremos chamados seus discípulos. “Nem
todo aquele que diz: Senhor, Senhor! Entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele
que pratica a vontade de meu Pai, que está nos Céus” (Mt 7:21).
Costumamos
dizer para nós mesmos que seremos salvos, pois não somos mais criminosos, não
agredimos fisicamente a ninguém, não roubamos e temos feito continuado esforço
para melhorar-nos. Ignoramos, no entanto, os enormes erros que ainda se
consorciam aos baixos interesses do nosso ego, os quais permanecem ativos,
estruturando e sustentando nossa mórbida personalidade. E, sobretudo, as
motivações de nossos desejos seguem estritamente filiadas às aspirações da
“grande Babilônia”. Algemados às paixões da “grande prostituta” e imantados,
por vontade própria, às falsas riquezas da “besta”, custa-nos libertar das
teias do AS, mesmo depois de frequentarmos por dois mil anos a escola
reformatória do Evangelho. Nutridos por uma espécie de apatia evolutiva e
acomodados em nossos desmandos, dormimos na ilusão de que não precisamos nos
afadigar, convencidos de que teríamos toda a eternidade para progredir e a
marcha dos milênios haverá de reconduzir-nos, automaticamente e sem grandes
esforços, aos altiplanos do progresso. Apáticos e indiferentes, não nos
empenhamos como convém a fazer morrer o doentio ego e a despertar em nós as
adormecidas virtudes divinas. É para os acomodados, que a palavra do Apocalipse (3:15-16)
se dirige, ao afirmar categoricamente: “Conheço as tuas obras, que nem és
frio nem quente; oxalá foras frio ou quente! Assim, porque és morno, e não és
quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca”.
Outros,
distraídos pelas posses e luxúrias da vida, passam ao léu, sem dar a atenção
devida às profecias apocalípticas. A estes também o texto profético (3:17-21)
alerta, dizendo: “Porquanto dizes: rico sou, e estou enriquecido, e de nada
tenho falta; e não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu;
aconselho-te que de mim compres ouro refinado no fogo, para que te enriqueças;
e vestes brancas, para que te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua
nudez; e colírio, a fim de ungires os teus olhos, para que vejas. Eu repreendo
e castigo a todos quantos amo: sê, pois, zeloso e arrepende-te. Eis que estou à
porta e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua
casa, e com ele cearei, e ele comigo. Ao que vencer, eu lhe concederei que se
assente comigo no meu trono”.
Libertarmo-nos das multimilenárias amarras
do AS muito nos exige, é bem verdade. A Lei e sua providência guarda, no
entanto, seus limites e sua tolerância. Por isso, o Cristo excitou-nos com
veemência ao necessário exercício da renúncia aos irrisórios bens do AS e às
modificações de hábitos, necessários à grande aventura de desprendimento da
alma: desfazer-se do pesado fardo da matéria e de seus irrisórios interesses.
A maioria de nós, na atualidade, acha-se
estacionada na apatia moral – a “mornidão evolutiva”, poderíamos chamá-la.
Apraz-nos habitar o castelo do ego, o qual não queremos deixar. Desfrutamos ao
máximo nossos bens e comodidades, enquanto ao nosso derredor há choros e
lamentos. Chafurdamo-nos no desperdício de toda sorte, ainda que a miséria
grasse ao largo de nossos passos. A infelicidade do outro não nos importa, pois
não a vemos como nossa também. Continuamos fazendo a guerra, ainda que no campo
sutil da egolatria e dos interesses monetários. Nossas mesas estão fartas de
vísceras dos nossos irmãos menores e refestelamo-nos nos prazeres da
sexualidade sem lindes. “Não quereis o amor evangélico e só concordais
numa coisa: na mentira, no egoísmo, no trair-vos todos uns aos outros? Pagareis
todos juntos. A punição, realizá-la-eis vós mesmos, porque a trazeis em vós.
Matar-vos-eis reciprocamente, porque a isso vos leva vosso próprio sistema.
Quereis fazer do poder não uma função de vida e uma missão, mas um meio para
esmagar indivíduos e povos? Fazei-o. Experimentai, experimentai. Sois livres.
Assim vos massacrareis todos, mas, já que não sabeis aprender de outro modo, e
é preciso aprender, ireis à dura escola que escolhestes” – adverte-nos a
voz que inspira Ubaldi, em Profecias (pág. 266)2.
Fazei-nos
imprescindível, portanto, uma séria mudança de postura diante de nossas vidas,
pois os “tempos são chegados” e a evolução urge. Se a palavra sagrada que ecoa
dos séculos toca-nos a alma, então é hora de atirarmo-nos ao esforço de reforma
de hábitos. Não deixemos escoar a areia do tempo sem doar à vida o nosso
sincero empenho de alcançar o Reino de Deus. A Lei cobrar-nos-á atitudes de
verdadeira reforma de valores morais. Acorramos a adquirir o “refinado ouro” do
Evangelho e a vestir-nos com as “vestes nupciais” da elevada ética do amor,
para então receber no imo a visita do Senhor, convocando-nos ao imperativo
regresso à sua Morada Eterna.
CIDADÃOS DO SISTEMA – A NOVA JERUSALÉM
O Apocalipse,
a despeito de seus fúnebres prenúncios e terríveis ameaças, termina com o
glorioso retorno dos “justos” ao Reino de Deus e a incondicional vitória do S
sobre o AS. Os eleitos, então, não passarão a viver em um mundo superior de
relativa paz e felicidade nas pobres planícies do espaço-tempo, em nosso
universo relativizado, como preconizado por alguns estudos. O vencedor será
integrado no Absoluto, o plano divino. Fixado na perfeição impreterível de
todos os valores possíveis, não lhe será mais possível movimento evolutivo algum,
pois ao que já é perfeito nada mais se poderá agregar. O vencedor não se
converterá em arquiteto de estrelas ou engenheiro sideral, amalgamando mundos
na caduca e deteriorada matéria, no palco de uma evolução interminável. Não, em
absoluto. O vencedor estacionará fora do tempo e do espaço e muito além das
lamentáveis procelas cósmicas que imperam em nosso pobre universo, “a suntuosa
construção de Satanás”, como já nos referimos.
“Venha
sem demora; guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa. A quem
vencer, eu o farei coluna no templo do meu Deus, donde jamais sairá; e
escreverei sobre ele o nome do meu Deus, e o nome da cidade do meu Deus, a Nova
Jerusalém, que desce do céu, da parte do meu Deus, e também o meu novo nome.
Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas” – diz-nos a voz do
Cristo no Apocalipse (3:11-13). Entendemos aqui que “coluna no
templo de meu Deus” é o significado exato da imobilidade plena que reina sobre
as forças constitutivas do Mundo divino, onde não é possível qualquer movimento
ou oscilação tal qual os conhecemos.
E
continua a palavra profética, enchendo-nos de esperanças: “Quem tem ouvidos,
ouça o que o Espírito diz às igrejas. Ao que vencer, dar-lhe-ei a comer da
árvore da vida, que está no paraíso de Deus“ (Ap. 2:7) – plenos de “Vida
Eterna”, os escolhidos não experimentarão mais qualquer tipo de necessidade e
não mais reencarnarão. Sustentados pelo verdadeiro amor, não conhecerão mais a
fome ou a sede, eternamente saciados pela divina substância do amor. Não sofrerão
mais a morte ou qualquer padecimento: “Ao que vencer, eu lhe concederei que
se assente comigo no meu trono. Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede;
nem cairá sobre eles o sol, nem calor algum; Porque o Cordeiro que está no
meio, diante do trono, os apascentará e os conduzirá às fontes das águas da
vida; e Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima” (Ap. 3:21 e 7:16 e 17).
Libertos
de qualquer tipo dos nossos conhecidos envoltórios orgânicos, ainda que
energéticos, paramentar-se-ão como noivos, envoltos em puro substrato divino: “O
que vencer será vestido de vestes brancas, e de maneira nenhuma riscarei o seu
nome do livro da vida; antes confessarei o seu nome diante de meu Pai e diante
dos seus anjos” (Ap. 3:5).
E
viverão, os novos cidadãos do S, em um eterno presente, sem passado e sem
futuro, albergados no oceano divino, jungidos ao Pai, sem, no entanto, perderem
a individualidade.
A “Jerusalém”, claro símbolo de nossa
civilização, será enfim libertada das garras do AS e alcançará o Absoluto. João
anteviu, sob os olhos da alma, a humanidade resgatada da Queda, simbolizada
na gloriosa Nova Jerusalém, então “instalada” no Reino celestial: “E
vi um novo céu e uma nova terra. Porque já se foram o primeiro céu e a primeira
terra, e o mar já não existe. E vi a santa Cidade, a Nova Jerusalém, que descia
do céu da parte de Deus, adereçada como uma noiva ataviada para o seu
noivo. E ouvi uma grande voz, vinda do trono, que dizia: Eis que o
tabernáculo de Deus está com os homens, pois com eles habitará, e eles serão o
seu povo, e Deus mesmo estará com eles” (Ap. 21:1-3).
Compreendemos,
assim, que o mais glorioso dos símbolos apocalípticos, a “Nova Jerusalém”, é a
mais explícita analogia da nova humanidade ressurreta, constituída pelos
espíritos purificados que então deixam as penumbras do AS para integrarem-se à
divina realidade do S. Aqui, a “Nova Jerusalém” antepõe-se com justeza à
“grande Babilônia”, a carcomida civilização humana composta pelos espíritos
caídos, confirmando-nos a clara simbologia apocalíptica. Extingue-se a “grande
confusão”, ressuscita-se a “nova ordem”. A palavra de João exalta-se, ao
descrever o nascimento dessa nova civilização do espírito puro, nos domínios do
S, planificando-nos de admiração: “E levou-me em espírito a um grande e alto
monte, e mostrou-me a santa cidade de Jerusalém, que descia do céu da parte de
Deus, tendo a glória de Deus; e o seu brilho era semelhante a uma pedra
preciosíssima, como se fosse jaspe cristalino. (...). Nela não vi
santuário, porque o seu santuário é o Senhor Deus Todo-Poderoso, e o Cordeiro.
A cidade não necessita nem do sol, nem da lua, para que nela resplandeçam, porém,
a glória de Deus a tem alumiado, e o Cordeiro é a sua lâmpada. As nações
andarão à sua luz; e os reis da terra trarão para ela a sua glória. As suas
portas não se fecharão de dia, e noite ali não haverá; e a ela trarão a glória
e a honra das nações. E não entrará nela coisa alguma impura, nem o que pratica
abominação ou mentira; mas somente os que estão inscritos no livro da vida do
Cordeiro” (Ap. 21:10-11, 22-27).
Finaliza-se
então o Apocalipse com seu emocionante desfecho,
demonstrando-nos o enorme esforço empreendido por João para traduzir em
palavras humanas a excelsa mensagem do Cristo, estacionado no Absoluto: “Eu
sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro, o princípio e o fim.
Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestes no sangue do Cordeiro para que
tenham direito à arvore da vida, e possam entrar na cidade pelas portas.
Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas, os
idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira. Eu, Jesus, enviei o meu anjo
para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a raiz e a geração
de Davi, a resplandecente estrela da manhã. E o Espírito e a noiva dizem: Vem.
E quem ouve, diga: Vem. E quem tem sede, venha; e quem quiser, receba de graça
a água da vida” (Ap. 22:13-17).
Quem
tem “ouvidos de ouvir” que silencie os desarmônicos ruídos de sua alma e ouça o
que nos anunciam as peremptórias e altissonantes palavras do Apocalipse,
abastecidas de verdades eternas. E siga, resoluto, os passos que Jesus nos
indica, rumo ao glorioso porvir que nos aguarda na revoada dos séculos.
DANIEL E JOÃO EVANGELISTA
Antes
de encerrarmos essa pequena digressão em torno do palpitante tema do Apocalipse,
recordamos que Daniel aferiu em suas visões exatamente o que João veio
confirmar. Por exemplo, no capítulo 12, versículos 2 e 3 de seu livro podemos
ler: “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida
eterna, e outros para vergonha e desprezo eterno. Os que forem sábios, pois,
resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que converterem a muitos para
a justiça, como as estrelas sempre e eternamente”. Palavras que parecem
retiradas da boca de João. Alguns dos símbolos utilizados no Apocalipse repetem-se
em ambas os livros e são devidamente explicados nos relatos de Daniel. Curiosamente,
a obra mediúnica Universo e Vida, de Hernani T. Sant’Anna, ditada
pelo espírito Áureo e publicada pela FEB, afere-nos que Daniel é a prévia
encarnação do mesmo João Evangelista. Informação que nos parece coerente pela
semelhança das visões e até mesmo dos termos utilizados por Daniel e João. E
como já nos anunciaram muitas vozes do Além, João Evangelista voltaria mais
tarde, na Idade Média, como Francisco de Assis. Fechando o circuito dessas
curiosas informações, ressalta-se o fato de que Daniel permaneceu na cova dos
leões sem ser por eles devorado, demonstrando a mesma “amizade” pelas feras que
caracterizou o doce Poverello de Assis.
Belo
Horizonte, 15 de abril de 2012
Gilson
Freire
Nota:
agradeço a Rosane Fiuza pelo seu excelente trabalho de revisão ortográfica
deste texto.
OBS:
(*)
Protágoras de Abdera foi
um dos grandes filósofos sofistas na Grécia Antiga. É conhecido por sua célebre
frase “O homem é a medida de
todas as coisas”.
Foi um
agnóstico e um homem cético, duvidando da existência dos deuses. Esse fato o
levou a ser perseguido, processado, condenado e rechaçado por muitos. Por isso,
teve muitas obras queimadas em praça pública.
REFERÊNCIAS:
Freire,
Gilson
Kardec,
Allan. A Gênese.
Xavier,
F C /Emmanuel,
Bíblia de Jerusalém
Todamateria
UBALDI,
Pietro, Profecias.
UBALDI,
Pietro, Deus e Universo.
UBALDI,
Pietro, O Sistema.
UBALDI,
Pietro, Cristo.
UBALDI,
Pietro, Comentários.
XAVIER, F C /Emmanuel, Renúncia.
XAVIER,
FC/André Luiz, Entre a Terra e o Céu.
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