O grão de mostarda
(Mt 13,31-33; Mc 4, 30-34; Lc 13,18-19)
O
grão de mostarda. Propôs-lhes mais uma parábola: “O reino dos céus é semelhante
a um grão de mostarda, que um homem tomou e semeou no seu campo esta a mais
pequenina dentre todas as sementes; mas, quando crescida, fica maior que as
outras hortaliças, chegando a ser árvore, de maneira que as aves do céu vêm
habitar nos seus ramos”.
A
aparente pequenez da grandeza do espírito. Na parábola do grão de mostarda,
focaliza o Mestre a aparente impotência daonipotência espiritual, quase sempre
oculta pelas ilusórias grandezas das coisas materiais. Os nossos sentidos e o
nosso intelecto não percebem numa semente senão os contendedores externos, e
nada sabem do conteúdo interno, da vida invisível, que creou esses invólucros
visíveis. O conteúdo vivo vivifica os contendedores mortos, mas o homem profano
só enxerga os envoltórios vivificados e ignora o centro vivificante. O homem
empírico-analítico nada sabe da Vida, só conhece os vivos e, enquanto não
entrar numa nova dimensão de consciência, nunca saberá o que é a Vida que
produz os vivos, o Creador que crea as creaturas, a Realidade que causa as
facticidades.
A
parábola do grão de mostarda é um convite para descobrirmos a Realidade da Vida
em todas as facticidades vivas. A Vida é imanente em todos os vivos. A Vida não
é algo justaposto aos vivos, mas é sua alma, sua íntima essência, é o Uno que
produz o Verso, formando o Universo.
A
melhor palavra para designar Deus seria Vida. Em face da Vida não há ateus.
A
Vida é a Realidade universal do cosmos, que nunca foi negada por ninguém.
Deus
não é algo transcendente ao mundo, ele, a Vida, é imanente ao mundo, como a
Vida; Deus é a alma do Universo, e o Universo é o corpo de Deus, como dizia
Spinoza.
De
forma semelhante, o Reino de Deus no homem não é algo adicionado ao homem, algo
como um artigo de luxo que o homem use de vez em quando, como enfeite festivo.
“O Reino de Deus está dentro de vós”, assim como a Vida está dentro dos vivos;
é a alma, essência e quintessência do homem. Nenhum vivo seria vivo se nele não
estivesse a Vida, e se ele não estivesse na Vida; todo vivo pode dizer: eu e a
Vida somos um; a Vida está em mim, e eu estou na Vida –mas a Vida é maior que
eu.
Deus
é a Vida, e nós somos os vivos. Essencialmente, cada um de nós é Vida;
existencialmente, somos vivos.
Quando
os vivos se deixam penetrar totalmente pela Vida, então os próprios vivos, a
princípio pequeninos como um grãozinho de semente, serão engrandecidos pela
Vida, e os vivos pequenos serão a tal ponto beneficiados ela Vida que se
tornarão vivos grandes. O maior benefício que o vivo pode fazer a si mesmo é
deixar-se penetrar pela Vida. A Vida é o maior benfeitor dos vivos.
O
Eu divino é o maior benfeitor do ego humano, embora este, na sua ignorância,
muitas vezes seja inimigo do Eu. Neste sentido diz Krishina na Bhagavad Gita:
“O Eu é o maior amigo do ego, embora o ego seja o pior inimigo do Eu”.
E
o próprio Cristo, no Evangelho, afirma: “Quem quiser salvar a sua vida (ego),
perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho (Eu)
salvá-la-á”.
O
maior benefício que o ego humano pode fazer a si mesmo é entregar-se e
integrar-se totalmente no eu divino; e o maior malefício que o ego humano pode
fazer a si mesmo é isolar-se em si mesmo e resistir à sua integração no Eu
divino.
O
ego que não se integra no eu se desintegra. O ego que tenta realizar-se sem o
Eu se desrealiza. Mas o ego que se integra no Eu, que integra o seu pequeno
finito no grande Infinito, esse eterniza o próprio ego, graças à sua integração
no Eterno. E quando o ego humano se integra voluntariamente no Eu divino, pela mística
do primeiro e maior de todos os mandamentos, então não somente se beneficia a
si mesmo, mas torna-se benfeitor também de outros egos humanos,
pela
ética do segundo mandamento, amando o seu próximo como a si mesmo.
Por
isto diz o Mestre que as aves do espaço fazem os seus ninhos nos ramos da
mostardeira – outros homens encontram refúgio e refrigério no homem que se
refugiou e realizou em Deus, que atingiu a sua maturidade e plenitude no
Infinito.
Para
fazer bem aos outros é necessário ser bom em si mesmo. Quem não é bom não pode
fazer bem. Para ser benfeitor alheio é necessário o homem ser ele próprio auto
realizado. É esta a inexorável matematicidade da mística.
É
uma velha e funesta ilusão querer fazer bem aos outros sem ser bom em si mesmo.
A ética sem a mística é uma pseudo-ética, uma funesta utopia; pode ser que seja
moralidade, altruísmo, filantropia, mas não é verdadeira ética, que é sempre um
transbordamento espontâneo da mística. A consciência da paternidade única de
Deus transborda irresistivelmente na vivência da
fraternidade
universal dos homens – e só isto é ética genuína e verdadeira.
No
Oriente, há uma espécie de mostardeira que chega a dar uma árvore de alguns
metros de altura, oferecendo guarida às aves, como diz a parábola.
O
homem, quando plenamente desenvolvido no seu ser-bom místico, é sempre um
benfeitor no seu fazer bem ético, muitas vezes sem o saber.
Ser
bom não é ser bonzinho, menos ainda ser bom bonzinho. Muitas vezes ser bom
parece até ser mau; por vezes o nosso ser-bom exige rigor, disciplina, aparente
crueldade. Quem permite passivamente todos os abusos ao redor de si, sob
pretexto de ser bom, não é bom. Ser bom é ser intransigente amigo da verdade,
de retitude, da justiça, da ordem e disciplina.
Quando
Jesus expulsou os vendilhões do templo revelou-se um homem realmente bom.
Nós,
quando agimos com severidade e rigor, agimos muitas vezes em defesa do nosso
ego humano, ofendido, e isto não é ser bom. Mas quem age com rigor e severidade
em defesa de uma causa sagrada, esse é realmente bom, talvez cruelmente bom,
embora os homens mundanos o tachem de mau.
O
homem realmente bom deve ter a coragem de ser considerado mau por aqueles que
não são bons. Ser bem-bom é, muitas vezes, o contrário de ser bom.
O
homem realmente bom é o maior benfeitor da humanidade. Homens realmente bons, auto
realizados, irradiam poderosas auras, mesmo que ninguém saiba da sua
existência. Um homem que chegou à plenitude do amor, dizia Gandhi, neutraliza o
ódio de muitos milhões.
Na
parábola do grão de mostarda, focaliza o Mestre, mais uma vez, os dois
mandamentos da mística revelada em ética, “nos quais estão toda a lei e os
profetas”, nos quais está toda a religiosidade, toda a auto-realização do
homem.
Um
átomo de metafísica produz um mundo de física.
Se
a vida do grão de mostarda eclodir na vitalidade da planta e beneficiar outros
homens, então o Reino de Deus será proclamado sobre a face da terra, e haverá
um novo céu – e também uma nova terra.
“Quem não renunciar a tudo o que tem não pode
ser meu discípulo. ”
FONTE:
Huberto
Rodhen
Carlos
T. Pastorino
Nenhum comentário:
Postar um comentário