terça-feira, 28 de setembro de 2021

O grão de mostarda

 

O grão de mostarda

(Mt 13,31-33; Mc 4, 30-34; Lc 13,18-19)

O grão de mostarda. Propôs-lhes mais uma parábola: “O reino dos céus é semelhante a um grão de mostarda, que um homem tomou e semeou no seu campo esta a mais pequenina dentre todas as sementes; mas, quando crescida, fica maior que as outras hortaliças, chegando a ser árvore, de maneira que as aves do céu vêm habitar nos seus ramos”.

A aparente pequenez da grandeza do espírito. Na parábola do grão de mostarda, focaliza o Mestre a aparente impotência daonipotência espiritual, quase sempre oculta pelas ilusórias grandezas das coisas materiais. Os nossos sentidos e o nosso intelecto não percebem numa semente senão os contendedores externos, e nada sabem do conteúdo interno, da vida invisível, que creou esses invólucros visíveis. O conteúdo vivo vivifica os contendedores mortos, mas o homem profano só enxerga os envoltórios vivificados e ignora o centro vivificante. O homem empírico-analítico nada sabe da Vida, só conhece os vivos e, enquanto não entrar numa nova dimensão de consciência, nunca saberá o que é a Vida que produz os vivos, o Creador que crea as creaturas, a Realidade que causa as facticidades.

A parábola do grão de mostarda é um convite para descobrirmos a Realidade da Vida em todas as facticidades vivas. A Vida é imanente em todos os vivos. A Vida não é algo justaposto aos vivos, mas é sua alma, sua íntima essência, é o Uno que produz o Verso, formando o Universo.

A melhor palavra para designar Deus seria Vida. Em face da Vida não há ateus.

A Vida é a Realidade universal do cosmos, que nunca foi negada por ninguém.

Deus não é algo transcendente ao mundo, ele, a Vida, é imanente ao mundo, como a Vida; Deus é a alma do Universo, e o Universo é o corpo de Deus, como dizia Spinoza.

De forma semelhante, o Reino de Deus no homem não é algo adicionado ao homem, algo como um artigo de luxo que o homem use de vez em quando, como enfeite festivo. “O Reino de Deus está dentro de vós”, assim como a Vida está dentro dos vivos; é a alma, essência e quintessência do homem. Nenhum vivo seria vivo se nele não estivesse a Vida, e se ele não estivesse na Vida; todo vivo pode dizer: eu e a Vida somos um; a Vida está em mim, e eu estou na Vida –mas a Vida é maior que eu.

Deus é a Vida, e nós somos os vivos. Essencialmente, cada um de nós é Vida; existencialmente, somos vivos.

Quando os vivos se deixam penetrar totalmente pela Vida, então os próprios vivos, a princípio pequeninos como um grãozinho de semente, serão engrandecidos pela Vida, e os vivos pequenos serão a tal ponto beneficiados ela Vida que se tornarão vivos grandes. O maior benefício que o vivo pode fazer a si mesmo é deixar-se penetrar pela Vida. A Vida é o maior benfeitor dos vivos.

O Eu divino é o maior benfeitor do ego humano, embora este, na sua ignorância, muitas vezes seja inimigo do Eu. Neste sentido diz Krishina na Bhagavad Gita: “O Eu é o maior amigo do ego, embora o ego seja o pior inimigo do Eu”.

E o próprio Cristo, no Evangelho, afirma: “Quem quiser salvar a sua vida (ego), perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim e do Evangelho (Eu) salvá-la-á”.

O maior benefício que o ego humano pode fazer a si mesmo é entregar-se e integrar-se totalmente no eu divino; e o maior malefício que o ego humano pode fazer a si mesmo é isolar-se em si mesmo e resistir à sua integração no Eu divino.

O ego que não se integra no eu se desintegra. O ego que tenta realizar-se sem o Eu se desrealiza. Mas o ego que se integra no Eu, que integra o seu pequeno finito no grande Infinito, esse eterniza o próprio ego, graças à sua integração no Eterno. E quando o ego humano se integra voluntariamente no Eu divino, pela mística do primeiro e maior de todos os mandamentos, então não somente se beneficia a si mesmo, mas torna-se benfeitor também de outros egos humanos,

pela ética do segundo mandamento, amando o seu próximo como a si mesmo.

Por isto diz o Mestre que as aves do espaço fazem os seus ninhos nos ramos da mostardeira – outros homens encontram refúgio e refrigério no homem que se refugiou e realizou em Deus, que atingiu a sua maturidade e plenitude no Infinito.

Para fazer bem aos outros é necessário ser bom em si mesmo. Quem não é bom não pode fazer bem. Para ser benfeitor alheio é necessário o homem ser ele próprio auto realizado. É esta a inexorável matematicidade da mística.

É uma velha e funesta ilusão querer fazer bem aos outros sem ser bom em si mesmo. A ética sem a mística é uma pseudo-ética, uma funesta utopia; pode ser que seja moralidade, altruísmo, filantropia, mas não é verdadeira ética, que é sempre um transbordamento espontâneo da mística. A consciência da paternidade única de Deus transborda irresistivelmente na vivência da

fraternidade universal dos homens – e só isto é ética genuína e verdadeira.

No Oriente, há uma espécie de mostardeira que chega a dar uma árvore de alguns metros de altura, oferecendo guarida às aves, como diz a parábola.

O homem, quando plenamente desenvolvido no seu ser-bom místico, é sempre um benfeitor no seu fazer bem ético, muitas vezes sem o saber.

Ser bom não é ser bonzinho, menos ainda ser bom bonzinho. Muitas vezes ser bom parece até ser mau; por vezes o nosso ser-bom exige rigor, disciplina, aparente crueldade. Quem permite passivamente todos os abusos ao redor de si, sob pretexto de ser bom, não é bom. Ser bom é ser intransigente amigo da verdade, de retitude, da justiça, da ordem e disciplina.

Quando Jesus expulsou os vendilhões do templo revelou-se um homem realmente bom.

Nós, quando agimos com severidade e rigor, agimos muitas vezes em defesa do nosso ego humano, ofendido, e isto não é ser bom. Mas quem age com rigor e severidade em defesa de uma causa sagrada, esse é realmente bom, talvez cruelmente bom, embora os homens mundanos o tachem de mau.

O homem realmente bom deve ter a coragem de ser considerado mau por aqueles que não são bons. Ser bem-bom é, muitas vezes, o contrário de ser bom.

O homem realmente bom é o maior benfeitor da humanidade. Homens realmente bons, auto realizados, irradiam poderosas auras, mesmo que ninguém saiba da sua existência. Um homem que chegou à plenitude do amor, dizia Gandhi, neutraliza o ódio de muitos milhões.

Na parábola do grão de mostarda, focaliza o Mestre, mais uma vez, os dois mandamentos da mística revelada em ética, “nos quais estão toda a lei e os profetas”, nos quais está toda a religiosidade, toda a auto-realização do homem.

Um átomo de metafísica produz um mundo de física.

Se a vida do grão de mostarda eclodir na vitalidade da planta e beneficiar outros homens, então o Reino de Deus será proclamado sobre a face da terra, e haverá um novo céu – e também uma nova terra.

 “Quem não renunciar a tudo o que tem não pode ser meu discípulo. ”

FONTE:

Huberto Rodhen

Carlos T. Pastorino

 

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