NICODEMUS
No diálogo ocorrido
entre Jesus e Nicodemos extraímos, entre outras, uma valiosa lição: A lei da
reencarnação estava proclamada para sempre, no Evangelho do Reino. (“ Sem o
princípio da preexistência da alma e da pluralidade das existências, são
ininteligíveis, em sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que hão dado
lugar a tão contraditórias interpretações”). (“Está nesse princípio a chave que
lhe restituirá o sentido verdadeiro”.)
Texto evangélico:
E havia, entre os
fariseus, um homem chamado Nicodemos, um notável entre os judeus; a noite ele
veio encontrar jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que vens da parte de Deus, como
Mestre, pois ninguém pode fazer os sinais que fazes, se Deus não estiver com
ele.
Jesus lhe respondeu:
em verdade, em verdade te digo quem não nascer de novo, não pode ver o Reino de
Deus.
Disse-lhe Nicodemos:
Como pode um homem nascer, sendo já velho? Poderá entrar segunda vez no seio de
sua mãe e nascer?
Respondeu-lhe Jesus:
em verdade, em verdade te digo quem não nascer da água e do Espírito não pode
entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do
Espírito é espírito (João 3:1-6).
Registra Humberto de
Campos, no livro Boa nova, como ocorreu o encontro e o elucidativo diálogo
entre Jesus e Nicodemos, registrado pelo apóstolo João.
Uma noite, ao cabo
de grandes preocupações e longos raciocínios, procurou Jesus, em particular,
seduzido pela magnanimidade de suas ações e pela grandeza de sua doutrina
salvadora. O Messias estava acompanhado apenas de dois dos seus discípulos e
recebeu a visita com a sua bondade costumeira. Após a saudação habitual e
revelando as suas ânsias de conhecimento, depois de fundas meditações, dirigiu-lhe
a palavra respeitoso: Tenho empregado a minha existência em interpretar a lei,
mas desejava receber a vossa palavra sobre os recursos de que deverei lançar
mão para conhecer o Reino de Deus! ”. O Mestre sorriu e esclareceu: “Primeiro
que tudo, Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a lei. Antes de
raciocinar sobre as suas disposições, deverias ter-lhe sentido os textos”. É importante destacar as últimas palavras do
diálogo: “deverias ter-lhe sentido os textos”. Trata-se, naturalmente, de
valiosa observação feita por Jesus, uma vez que é muito difícil o êxito, em
qualquer empreendimento, se os sentimentos não estão envolvidos. Da mesma
forma, devemos agir perante os ensinamentos do Cristo: é preciso se deixar
envolver por um sentimento puro para que possamos compreender, de acordo com as
nossas possibilidades, o significado das narrativas evangélicas.
Interpretação do
texto evangélico
“ E havia entre os
fariseus, um homem, chamado Nicodemos, um notável entre os judeus (Jo 3:1).
Nicodemos pertencia à casta dos fariseus, ordem religiosa e política, caracterizada
pela intolerância, pelo apego às leis mosaicas e pelas manifestações de culto
externo.
Os fariseus
apresentavam as seguintes características: Tomavam parte ativa nas
controvérsias religiosas. Servis cumpridores das práticas exteriores do culto e
das cerimônias; cheios de um zelo ardente de proselitismo, inimigos dos
inovadores, afetavam grande severidade de princípios; mas, sob as aparências de
meticulosa devoção, ocultavam costumes dissolutos, muito orgulho e, acima de
tudo, excessiva ânsia de dominação. Tinham a religião mais como meio de
chegarem a seus fins, do que como objeto de fé sincera. Da virtude nada
possuíam, além das exterioridades e da ostentação; entretanto, por umas e
outras, exerciam grande influência sobre o povo, a cujos olhos passavam por
santas criaturas. Daí o serem muito poderosos em Jerusalém.
Encontramos, ainda
hoje, pessoas que, à semelhança dos fariseus, têm conhecimento das coisas
espirituais, mas as mantêm ocultas sob o símbolo das práticas exteriores ou se
deixam conduzir pelos meandros da política religiosa. A expressão “um homem” imprime,
no ensino, uma característica universal representativa do ser humano
imperfeito. Este, em processo de evolução, transita por diferentes ambientes,
ao longo das reencarnações. Usa, em cada uma delas, um tipo de vestimenta, mas
o processo evolutivo é lento, porque, se de um lado acumula considerável
bagagem de conhecimento, revela dificuldades para aplicá-la.
Esta dicotomia entre
o que se sabe e o que se faz, produz profundos conflitos à consciência humana.
Em todo homem repousa a partícula da divindade do Criador, com a qual pode a
criatura terrestre participar dos poderes sagrados da Criação. O Espírito
encarnado ainda não ponderou devidamente o conjunto de possibilidades divinas
guardadas em suas mãos, dons sagrados tantas vezes convertidos em elementos de
ruína e destruição. Entretanto, os poucos que sabem crescer na sua divindade,
pela exemplificação e pelo ensinamento, são cognominados na Terra santos e
heróis, por afirmarem a sua condição espiritual, sendo justo que todas as
criaturas procurem alcançar esses valores, desenvolvendo para o bem e para a
luz a sua natureza divina.
Importa considerar
que a despeito de ser Nicodemos chamado “notável entre os judeus”, em razão de
ser alguém bem situado no campo social, politicamente influente e membro do
sinédrio, percebia que algo profundo e verdadeiro lhe faltava. Vemos nesse
personagem do Evangelho uma pessoa que, por contingências reencarnatórias,
estava presa às tradições religiosas vigentes, mas que procura superar as
barreiras das convenções e procura o Mestre, ainda que “tarde da noite”.
Nicodemos era, pois,
um homem bom, e, por esse motivo, desejava imensamente encontrar-se com Jesus,
para conversar com o Mestre sobre assunto religioso, porque tivera notícias das
pregações do Nazareno e das curas que ele fazia.
A história se
repete, semelhantemente, conosco. Convoca-nos à aproximação da mensagem do
Amor, depois das desilusões e da constatação da ineficiência dos títulos e
valores do mundo, procuramos outros padrões que possam nos colocar na rota
segura da existência. Investindo em novos conhecimentos espirituais, aprendemos
que qualquer vinculação a novas propostas, implica desvinculação das velhas,
como bem nos esclarece o orientador espiritual:
Cada um tem no
planeta o mapa das suas lutas e dos seus serviços. O berço de todo homem é o
princípio de um labirinto de tentações e de dores, inerentes à própria vida na
esfera terrestre, labirinto por ele mesmo traçado e que necessita palmilhar com
intrepidez moral. Portanto, qualquer alma tem o seu destino traçado sob o ponto
de vista do trabalho e do sofrimento, e, sem paradoxos, tem de combater com o
seu próprio destino, porque o homem não nasceu para ser vencido; todo Espírito
labora para dominar a matéria e triunfar dos seus impulsos inferiores.
Busquemos, pois, nos
guiar por esta lição do Evangelho, ilustrada no diálogo ocorrido entre Jesus e
Nicodemos, uma vez que é sempre útil vencer os obstáculos e procurar Jesus.
“Este, foi ter de
noite com Jesus e lhe disse: Rabi, bem sabemos que és Mestre vindo de Deus;
porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele
(Jo 3:2). Preso aos interesses do mundo e encoberto pelo manto das sombras,
oferecido pelas convenções sociais, Nicodemos apoia-se na esperança e vai até
Jesus. O mestre o acolhe sob o influxo de sua luz e sabedoria espirituais, a
fim de esclarecê-lo. Do ponto de vista histórico, o fato se deu à noite.
Entretanto, retirando da letra o sentido espiritual, entendemos que a palavra
“noite” indica trevas, escuridão, em oposição a “dia”, indicativo de luz,
claridade. No contexto da passagem evangélica, Nicodemos simboliza alguém que
já identificou os pontos obscuros (de trevas) existentes em si mesmo,
representados pela ignorância que ainda possuía.
Procurar Jesus foi
um ato de sabedoria, reconhecendo o Senhor como o Mestre capaz de conceder-lhe
as orientações seguras de que tanto necessitava. Se alguém é movido pelo
impulso de aprender, sempre parte de um ponto de referência. Foi o que aconteceu
a Nicodemos, ao afirmar: “Rabi, bem sabemos que és Mestre vindo da parte de
Deus”. Ora, “Rabi” é uma expressão cujo significado é, “meu mestre”. Quer dizer
que mesmo antes de conversar com Jesus, Nicodemos reconhecia a grandeza do
Senhor. Ele acreditava na origem divina de Jesus, na sua superioridade
espiritual, diferente do julgamento existente entre os seus irmãos de religião.
É oportuno destacar também a postura humilde desse doutor da lei. Dizendo: “bem
sabemos que és Mestre”, Nicodemos dá testemunho das limitações espirituais que
possuía, embora fosse orientador em Israel; acreditava em Jesus, mas ainda não
compreendia a sua mensagem. Por meio de reflexões íntimas consequentes da fé
raciocinada, entendeu que as ações de Jesus tinham procedência divina. Não
basta dizer que os fatos vêm de Deus. E para chegar ao conhecimento desses
fatos, temos de estudar justamente o que Jesus fazia questão que fosse
estudado, ou seja, a Vida Eterna.
A atitude de
Nicodemos nos transmite outra lição, não menos valiosa: a de alguém que, tendo
como base as noções espirituais que possuía, soube observar Jesus, refletir
sobre os seus ensinamentos para, convicto, afirmar que o Senhor era um Espírito
“vindo de Deus” porque “ninguém pode fazer estes sinais [...], se Deus não for
com ele”. » Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que
aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (Jo 3:3). Jesus
repete a expressão “na verdade” duas vezes. Trata-se de uma forma de mostrar
firmeza ou convicção. De constatar a evidência de um fato. É forma de
demonstrar também a autoridade moral de Jesus, Guia e Modelo da Humanidade, é
como se o Mestre dissesse: “Se vós permanecerdes na minha palavra,
verdadeiramente sereis meus discípulos e conhecereis a verdade, e a verdade vos
libertará” (Jo 8:31-32). Quando Jesus transmite a Nicodemos o ensinamento
espiritual básico — “Se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de
Deus” — causa perplexidade ao doutor da lei que, admitindo sua ignorância, não
entende como é possível alguém nascer de novo. Nicodemos, como se vê no texto
do Evangelho, embora não fosse mau homem, [...] estava tão impregnado dos
ensinamentos da Religião Farisaica, consistentes quase que só de cultos e
práticas exteriores, que vacilava a respeito da outra vida, duvidava que o
homem, depois de morto o corpo, pudesse continuar a viver, e que houvesse, de
fato, uma vida real além do túmulo. Não obstante o texto demonstrar,
igualmente, o sentido renova- dor do nascimento espiritual, sob as luzes do
Evangelho, o conteúdo explícito é, sem dúvida, relativo à ideia
reencarnacionista, mecanismo de progresso espiritual e instrumento de
manifestação da justiça de Deus.
Sem a reencarnação
não é possível atingir o aperfeiçoamento, segundo nos esclarece a questão 132
de O livro dos espíritos: “Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los
chegar à perfeição. ”
Sem a reencarnação,
o homem “Não pode ver o reino de Deus”, o que significa dizer: não alcançaremos
a plenitude espiritual se nos mantivermos presos aos dogmas, aos cultos, aos
falsos ensinamentos, às sensações da matéria. Com a reencarnação, abrem-se
novas oportunidades de aprendizado e de renovação espirituais, propiciando
impulsos evolutivos significativos. As reencarnações nos propiciam oportunidades
para entender que o reino de Deus está em nós (Lc 17:21), não alhures. »
Disse-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Por ventura, pode
tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer? (Jo 3:4). A expressão:
“Perguntou-lhe Nicodemos” evidencia a relação de respeito e de fraternidade
que, usualmente, se estabelece entre orientador e orientado. Esta interação é
mais verdadeira e harmônica quando existem respeito, confiança e humildade.
Percebe-se que a conversação se desenvolvia entre duas autoridades, obviamente
cada uma situada em planos evolutivos diferentes. Entre Jesus e Nicodemos há
uma distância evolutiva inimaginável. Entretanto, Jesus chega até o
representante da autoridade da Terra, envolve-o amorosamente, e lhe presta orientações
seguras.
Nicodemos, por sua
vez, curva-se humilde e reverente à autoridade celestial, submetendo-se aos
seus esclarecimentos. Na continuação do diálogo, vemos o “homem velho” surgir
quando pergunta ao Mestre: “como pode um homem nascer, sendo velho? ”. E o
Filho do homem, com humildade e sabedoria, lhe esclarece devidamente. A
pergunta de Nicodemos retrata o que acontece, na atualidade, quando o
Espiritismo nos revela quem somos, donde viemos e para onde vamos. Ante essas
informações queremos saber: “Como isso se dá? ”, “Qual é o mecanismo? ”, “Como
pode A resposta dada por Jesus à perplexa pergunta de Nicodemos suscitar novas
dúvidas, produzindo novos ensinamentos. Nicodemos, arraigado aos elementos
restritivos da lei de Moisés, indaga a Jesus. O Filho do homem, reunindo
componentes simples e eficientes, mas de natureza sublime, responde,
afastando-o da horizontalidade simplista dos interesses imediatos e
passageiros. A forma de indagação utilizada pelo doutor da lei reflete uma
mente ainda presa às tradições religiosas. Jesus ouve com a paciência de quem
sabe e prontifica-se a atendê-lo. Continua Nicodemos em seus argumentos: “Por
ventura, pode tornar a entrar no ventre de sua mãe e nascer? ”.
O texto evidencia
que, ao mesmo tempo em que ele faz inquirições, também tira as próprias
conclusões, sem medo do ridículo, nos mostrando que estamos diante de um
discípulo, ávido por conhecimento, que encontrou o seu Mestre. O registro feito
pelo apóstolo João nos faz refletir sobre a imensa capacidade de ensinar,
revelada por Jesus. Jesus não só esclareceu as dúvidas imediatas do doutor da
lei, como estende o ensinamento para ângulos jamais imaginados pelo indagador;
não enfoca apenas a ideia reencarnacionista, mas de forma sutil são apontadas
elucidações sobre a natureza do Espírito, a formação do corpo físico, origem,
existência e sobrevivência do Espírito etc. » Na verdade, na verdade te digo
que aquele que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de
Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é
espírito (Jo 3: 5-6). Nós, os Nicodemos da atualidade, podemos compreender,
pelos registros seguros da Doutrina Espírita, alguns detalhes a respeito da
reencarnação. Passados vários séculos desse admirável colóquio, podemos dizer
que muito se abriu ao entendimento dos homens. Entretanto, permanecem, ainda,
sob o véu da desinformação muitos outros. Felizes são aqueles que, apesar de
encobertos pelas trevas passageiras da desinformação, conseguem encontrar Jesus
e com ele dialogar. Nesse sentido, por obra e misericórdia do Senhor, chegou
até nós o Consolador prometido, representado na bênção do Espiritismo que
esclarece, ensina, alivia dores e sana aflições.
O “nascer da água” é
a forma simbólica de dizer que a água representa o elemento material de onde o
Espírito renascerá ou emergirá. As características naturais existentes no nosso
planeta determinam que os animais mamíferos, inclusive o ser humano, estejam
protegidos dentro de uma bolsa (placenta) que possui líquido (amniótico) em
abundância, durante o período gestacional. Por extensão, vemos que o planeta
Terra tem uma aparência física nitidamente aquática, formada de três partes de
água e uma parte de terra. O corpo humano é, igualmente, formado de maior
percentual de água (80%). A orientação de Jesus a Nicodemos de que “o que é
nascido de carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. “[...]
indica claramente que só o corpo procede do corpo e que o Espírito independe deste.
”
O “nascer da água”,
traz, pois, a ideia explícita da reencarnação, ou seja, o retorno em um novo
corpo físico. O “nascer do Espírito”, tem significação mais ampla: reporta-se à
capacidade de transformação ou de renovação moral e intelectual. No primeiro
caso (“nascer da água”) estão evidentes os processos de concepção biológica,
gestação e renascimento físico. No segundo (“nascer do Espírito”) temos as
possibilidades do progresso espiritual. A reencarnação e os benefícios
decorrentes indicam, também, a manifestação da justiça e misericórdia divinas,
as quais não condenam o Espírito infrator ao sofrimento eterno. Trazendo em
seus mecanismos, não apenas as propostas de aprendizado, mas, também os
impositivos da lei de causa e efeito, a reencarnação proporciona ao Espírito
devedor, na maioria das vezes, condições de refazimento do seu destino,
sobretudo se há empenho, deste, em se melhorar. Quando se trata de remontar dos
efeitos às causas, a reencarnação surge como de necessidade absoluta, como
condição inerente à Humanidade; numa palavra: como lei da Natureza. Pelos seus
resultados, ela se evidencia, de modo, por assim dizer, material, da mesma
forma que o motor oculto se revela pelo movimento. Só ela pode dizer ao homem
donde ele vem, para onde vai, porque está na Terra, e justificar todas as anomalias
e todas as aparentes injustiças que a vida apresenta.
FONTES:
Bíblia de Jerusalém
Carlos T. Pastorino
Humberto de Campos:
Boa nova.
O evangelho segundo
o espiritismo.
O livro dos
espíritos
Parábolas e ensinos
de Jesus.
Boa nova.
O consolador.
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