O DISCIPULATO
Mat. 16:24-28
Então disse Jesus a os seus discípulos:
"Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e
siga-me. Pois aquele que quiser salvar a
sua vida, a perderá; mas o que perder
sua vida por mim, a achará. De fato que
aproveitará ao homem ganhar o mundo inteiro mas arruinar sua vida? Ou o que poderá
o homem dar em troca de sua vida Pois o Filho do Homem há de vir na glória de
seu Pai, com seus anjos, e então retribuirá a cada um de acordo com seu
comportamento. Em verdade vos digo, que alguns dos aqui estão não provarão a
morte até que vejam o filho do homem vindo em seu reino.
Marc. 8:34-38 e 9:1
Chamando a multidão, juntamente com seus
discípulos disse-lhes: "Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo,
tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar a sua visa a perdera;
mas o que perder sua vida por causa de
mim e do Evangelho a salvara com efeito que aproveita o homem ganhar o mundo
inteiro e arruinar sua própria vida? De fato, aquele que, nesta geração
adúltera e pecadora se envergonhar de mim e de minhas palavras, também o filho
do homem se envergonhara dele, quando vier na gloria de seu Pai com os santos
anjos.
E dizia ainda:! Em verdade vos digo que estão
aqui presentes, alguns que não provarão a morte até que vejam o Reino de Deus,
chegando com poder.”.
Luc. 9:23-27
23. Dizia, ele, a todos: "Se alguém quer
vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia e siga-me. Pois aquele
que quiser salvar a sua vida, a perderá; mas o que perder sua vida por causa de
mim, a salvar com efeito o que aproveito ao homem ganhar o mundo inteiro, se se
perder ou arruinar a si mesmo? Pois quem se envergonhar de mim ou de minhas
palavras, o filho do homem dele se envergonharia quando vier na sua gloria e na
do Pai e dos santos anjos. eu vos digo verdadeiramente, que alguns dos que aqui estão
não provarão a morte antes de terem visto o Reino de Deus.
Depois do episódio narrado no último capítulo,
novamente Jesus apresenta uma lição seria, embora bem mais curta que as do
Evangelho de João. Segundo Mateus, a conversa foi mantida com seus discípulos.
Marcos, entretanto, revela que Jesus "chamou a multidão" para
ouvi-la, como que salientando que a aula era "para todos"; palavras, aliás,
textuais em Lucas.
Achava-se a comitiva no território não-israelita
("pagão") de Cesária de Filipe, e certamente os moradores locais
haviam observado aqueles homens e mulheres que perambulavam em grupo homogêneo.
Natural que ficassem curiosos, a "espiar" por perto. A esses, Jesus
convida que se aproximem para ouvir os ensinamentos e as exigências impostas a
todos os que ambicionavam o DISCIPULATO, o grau mais elevado dos três citados
pelo Mestre: justos (bons), profetas (médiuns) e discípulos. As exigências são
apenas três, bem distintas entre si, e citadas em sequência gradativa da menor
maior. Observamos que nenhuma delas se prende a saber, nem a dizer, nem a crer,
nem a fazer, mas todas se baseiam em SER. O que vale é a evolução interna, sem
necessidade de exteriorizais, nem de confissões, nem de ritos. No entanto, é
bem frisada a vontade livre: "se alguém quiser"; ninguém É obrigado;
a espontaneidade deve ser absoluta, sem qualquer coação física nem moral. Vamos
analisar: Vimos, o Mestre ordenar a Pedro que "se colocasse atrás
Dele". Agora esclarece: "se alguém QUER ser SEU discípulo, siga atrás
Dele". E se tem vontade firme e inabalável, se o QUER, realize estas três condições:
1. “ - negue-se a si mesmo (Lc. arnésasthô; Mat.
e Mr. aparnésasthô eautón).
2. “ - tome (carregue) sua cruz (Lc. "cada
dia": arátô tòn stáurou autoú kath'hêméran);
3. “ - e siga-me (akoloutheítô moi).
Se excetuarmos a negação de si mesmo, já ouvíramos
essas palavras em Mat. 10:38. O verbo "negar-se" ou
"renunciar-se" (aparnéomai) é empregado por Isaías (31:7-“porque
naqueles dias todos porão fora seus ídolos de prata e seus ídolos de ouro que
vossas mãos pecaminosas fizeram para vós”)) para descrever o gesto dos
israelitas infiéis que, esclarecidos pela derrota dos assírios, rejeitaram ou
negaram ou renunciaram a seus dolos. E essa É a atitude pedida pelo Mestre aos
que QUEREM ser seus discípulos: rejeitar o ídolo de carne que É o próprio corpo
físico, com sua sequela de sensações, emoções e intelectualismo, o que tudo
constitui a personagem transitória a pervagar alguns segundos na crosta do
planeta. Quanto ao "carregar a própria cruz", já vimos, o que
significava. E os habitantes da Palestina deviam estar habituados a assistir
cena degradante que se vinha repetindo desde o domínio romano, com muita frequência.
Para nos reportarmos a Flávio Josefo, ele cita-nos quatro casos em que as crucificações
foram em massa: Varus que fez crucificar 2.000 judeus, por ocasião da morte, em
4 A.C., de Herodes o Grande (Ant. Jud. 17.10-4-10); Quadratus, que mandou
crucificar todos os judeus que se haviam rebelado (48-52 A.D.) e que tinham
sido aprisionados por Cumarus (Bell. Jud. 2. 12.6); em 66 A.D. até personagens
ilustres foram crucificadas por Gessius Florus (Bell. Jud. 2.14.9); e Tito que,
no assédio de Jerusalém, fez crucificar todos os prisioneiros, tantos que não
havia mais nem madeira para as cruzes, nem lugar para plantá-las (Bell. Jud.
5.11.1). Pois se calcula quantos milhares de crucificações foram feitas antes;
e o espetáculo do condenado que carregava as costas o instrumento do próprio suplício
era corriqueiro. Não se tratava, portanto, de uma comparação vazia de sentido,
embora constituindo uma metáfora. E que o era, Lucas encarrega-se de esclarecê-lo,
ao acrescentar "carregue cada dia a própria cruz". Vemos a exigência
da estrada de sacrifícios heroicamente suportados na luta do dia-a-dia, contra
os próprios pendores ruins e vícios. A terceira condição, "segui-Lo",
revela-nos a chave final ao discipulado de tal Mestre, que não alicia discípulos
prometendo-lhes facilidades nem privilégios: ao contrário. Não basta estudar-lhe
a doutrina, aprofundar-Lhe a teologia, decorra-lhe as palavras, pregar-Lhe os
ensinamentos: É mister SEGUI-LO, acompanhando-O passo a passo, colocando os pés
nas pegadas sangrentas que o Rabi foi deixando ao caminhar pelas Ásperas
veredas de sua peregrinação terrena. Ele é nosso exemplo e também nosso modelo
vivo, para ser seguido até o topo do calvário. Aqui chegamos a compreender a
significação plena da frase dirigida a Pedro: “ainda és meu adversário (porque
caminhas na direção oposta a mim, e tentas impedir-me a senda dolorosa e
sacrificial): vai para trás de mim e segue-me; se queres ser meu discípulo, terás
que renunciar a ti mesmo (não mais pensando nas coisas humanas); que carregar também
tua cruz sem que me percas de vista na dura, laboriosa e dorida ascensão ao
Reino". Mas isto, "se o QUERES" ... Valerá a pena trilhar esse Áspero
caminho cheio de pedras e espinheiros? O versículo seguinte (repetição, com
pequena variante de Mat. 10:39 –“aquele que acha a sua vida, a perdera, mas
quem perde sua vida por causa de mim, a achará”) responde a essa pergunta. As
palavras dessa lição são praticamente idênticas nos três sinópticos,
demonstrando a impressão que devem ter causado nos discípulos. Sim, porque quem
quiser preservar sua alma (hs eán thélei tên psychên autòn sõsai) a perderá
(apolêsei autên). Ainda aqui encontramos o verbo sôzô, cuja tradução
"salvar" dá margem a tanta ambiguidade atualmente. Neste passo, a
palavra portuguesa "preservar" (conservar, resguardar) corresponde
melhor ao sentido do contexto. O verbo apolesô "perder", só poderia
ser dado também com a sinonímia de "arruinar" ou "degradar"
(no sentido etimológico de "diminuir o grau"). E o inverso é
salientado: "mas quem a perder "hós d'án apolésêi tên psychên autoú),
por minha causa (héneken emoú) - e Marcos acrescenta "e da Boa Nova"
(kaì toú euaggelíou) - esse a preservará (sósei autén, em Marcos e Lucas) ou a achará
(heurêsei autén, em Mateus). A seguir pergunta, como que explicando a antinomia
verbal anterior: "que utilidade terá o homem se lucrar todo o mundo físico
(kósmos), mas perder - isto É, não evoluir - sua alma? E qual o tesouro da
Terra que poderia ser oferecido em troca (antállagma) da evolução espiritual da
criatura? Não há dinheiro nem ouro que consiga fazer um mestre, riem que possa
dar-se em troca de uma iniciação real. Bens espirituais não podem ser comprados
nem trocados por quantias materiais. A matemática possui o axioma válido também
aqui: quantidades heterogêneas não podem somar-se. O versículo seguinte
apresenta variantes. MATEUS traz a afirmação de que o Filho do Homem vira com a
glória de seu Pai, em companhia de Seus Mensageiros (anjos), para retribuir a
cada um segundo seus atos. Traduzimos aqui dóxa por "glória", porque É
o melhor sentido dentro do contexto. E entendemos essa glória como sinônimo
perfeito da "sintonia vibratória" ou a frequência da túnica do Pai
(Verbo, Som). A atribuição a cada um segundo seus atos" (tên práxin autoú)
ou talvez, bem melhor, de acordo com seu comportamento, com a "prática"
da vida diária. Não são realmente os atos, sobretudo isolados (mesmo os heroicos)
que atestarão a Evolução de uma criatura, mas seu comportamento constante e
diuturno. MARCOS diz que se alguém, desta geração "adúltera", isto É,
que se tornou "infiel" a Deus, traindo-O por amar mais a matéria que
o espírito, e "errada" na compreensão das grandes verdades, "se
envergonhar" (ou seja "desafinar", não-sintonizar), também o
Filho do Homem se envergonhará dele, quando vier com a glória do Pai, em
companhia de Seus mensageiros (anjos). LUCAS repete as palavras de Marcos
(menos a referência Boa Nova), salientando, porém, que o Filho do Homem vira com
sua própria glória, com a glória do Pai, e com a glória dos santos mensageiros
(anjos). E finalmente o último versículo, em que s Mateus difere dos outros
dois, os quais, no entanto, nos parecem mais conformes s palavras originais.
Afirma o Mestre "alguns dos aqui presentes" (eisin tines tõn hõde
hestótõn), os quais não experimentarão (literalmente: "não saborearão, ou
mê geúsôntai) a morte, até que vejam o reino de Deus chegar com poder. Mateus
em vez de "o reino de Deus", diz "o Filho do Homem", o que
deu margem expectativa da Parusia, ainda para os indivíduos daquela geração.
Entretanto, não se trata aqui, de modo algum, de uma Parusia escatológica
(Paulo avisa aos tessalonicenses que não o aguardem "como se já estivesse
perto”; mas da descoberta e conquista do "reino de Deus DENTRO de cada
um" (cfr. Luc. 17:21), prometido para alguns "dos ali presentes"
para essa mesma encarnação. A má interpretação provocou confusões. Os gnósticos
(como Teodósio), João Crisóstomo, Teofilacto e outros - e modernamente o
cardeal Billot, S.J. (cfr. "La Parousie", pág. 187), interpretam a
"vinda na glória do Filho do Homem" como um prenúncio da Transfiguração;
Cajetan diz ser a Ressurreição;
Godet acha que foi Pentecostes; todavia, os próprios
discípulos de Jesus, contemporâneos dos fatos, não interpretaram assim, já que após
a tudo terem assistido, inclusive ao Pentecostes, continuaram esperando, para
aqueles próximos anos, essa vinda espetacular. Outros recuaram mais um pouco no
tempo, e viram essa "vinda gloriosa" na destruição de Jerusalém, como
"vingança" do Filho do Homem; isso, porém, desdiz o perdão que Ele
mesmo pedira ao Pai pela ignorância de Seus algozes (D. Calmet, Knabenbauer,
Schanz, Fillion, Prat, Huby, Lagrange); e outros a interpretaram como sendo a difusão
do cristianismo entre os pagãos (Gregório Magno, Beda, JansÊnio, Lamy).
Penetremos mais a fundo o sentido.
Na vida literária e artística, em geral,
distinguimos nitidamente o "aluno" do "discípulo". Aluno é
quem aprende com um professor; discípulo é quem segue a trilha antes
perlustrada por um mestre. Só denominamos "discípulo" aquele que
reproduz em suas obras a técnica, a "escola", o estilo, a
interpretação, a vivência do mestre. Aristóteles foi aluno de Platão, mas não
seu discípulo. Mas Platão, além de ter sido aluno de Sócrates, foi também seu
discípulo. Essa distinção já era feita por Jesus há vinte séculos; ser Seu
discípulo é segui-Lo, e não apenas "aprender" Suas lições. Aqui
podemos desdobrar os requisitos em quatro, para melhor explicação. Primeiro: é
necessário QUERER. Sem que o livre-arbítrio espontaneamente escolha e decida,
não pode haver discipulado.
Daí a importância que assume, no progresso
espiritual, o aprendizado e o estudo, que não podem limitar-se a ouvir rápidas
palavras, mas precisam ser sérios, contínuos e profundos. Pois, na realidade,
embora seja a intuição que ilumina o intelecto, se este não estiver preparado
por meio do conhecimento e da compreensão, não poderá esclarecer à vontade,
para que esta escolha e resolva para o ou contra. O segundo é NEGAR-SE a si
mesmo. Hoje, com a distinção que conhecemos entre o Espírito (individualidade)
e a personagem terrena transitória (personalidade), a frase mais compreensível
será: "negar a personagem", ou seja, renunciar aos desejos terrenos,
conforme ensinou Sidarta Gautama, o Buda. Cientificamente poderíamos dizer:
superar ou abafar a consciência atual, para deixar que prevaleça a supraconsciência.
Essa linguagem, entretanto, seria incompreensível àquela época. Todavia, as
palavras proferidas pelo Mestre são de meridiana clareza: "renunciar a si
mesmo". Observando-se que, pelo atraso da humanidade, se acredita que o
verdadeiro eu é a personagem, e que a consciência atual é a única, negar essa
personagem e essa consciência exprime, no fundo, negar-se "a si
mesmo". Diz, portanto, o Mestre: "esse eu, que vocês julgam ser o
verdadeiro eu, precisa ser negado". Nada mais esclarece, já que não teria
sido entendido pela humanidade de então. No entanto, aqueles que seguissem fielmente
sua lição, negando seu eu pequeno e transitório, descobririam, por si mesmos,
automaticamente, em pouco tempo, o outro Eu, o verdadeiro, coisa que de fato
ocorreu com muitos cristãos. Talvez no início possa parecer, ao experimentado:
desavisado, que esse Eu verdadeiro seja algo "externo". Mas quando,
por meio da evolução, for atingido o "Encontro Místico", e o Cristo
Interno assumir a supremacia e o comando, ele verificará que esse Divino Amigo
não é um TU desconhecido, mas antes constitui o EU REAL. Além disso, o Mestre
não se satisfez com a explanação teórica verbal: exemplificou, negando o eu personalistico
de "Jesus", até deixá-lo ser perseguido, preso, caluniado, torturado
e assassinado.
Que lhe importava o eu pequeno? O Cristo era o
verdadeiro Eu Profundo de Jesus (como de todos nós) e o Cristo, com a renúncia
e negação do eu de Jesus, pode expandir-se e assumir totalmente o comando da
personagem humana de Jesus, sendo, às vezes, difícil distinguir quando falava e
agia "Jesus" e quando agia e falava "o Cristo". Por isso em
vez de Jesus, temos nele O CRISTO, e a história o reconhece como
"Jesus", O CRISTO", considerando-o como homem (Jesus) e Deus
(Cristo). Essa anulação do eu pequeno fez que a própria personagem fosse
glorificada pela humildade, e o nome humano negado totalmente se elevasse acima
de tudo, de tal forma que "ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus,
na Terra e debaixo da terra" (Filip. 2:10).
Tudo isso provocou intermináveis discussões
durante séculos, por parte dos que não conseguiram penetrar a realidade dos
acontecimentos, caracterizados, então, de "mistério": são duas
naturezas ou uma? Como se realizou a união hipostática? Teria a Divindade
absorvido a humanidade? Por que será que uma coisa tão clara terá ficado
incompreendida por tantos luminares que trataram deste assunto? O Eu Profundo
de todas as criaturas é o Deus Interno, que se manifestará em cada um
exatamente na proporção em que este renunciar ao eu pequeno (personagem), para
deixar campo livre à expressão do Cristo Interno Divino. Todos somos deuses
(cfr. Salmo 81:6 e João, 10:34) se negarmos totalmente nosso eu pequeno
(personagem humana), deixando livre expansão à manifestação do Cristo que em
todos habita. Isso fez Jesus. Se a negação for absoluta e completa, poderemos
dizer com Paulo que, nessa criatura, "habita a plenitude da
Divindade" (Col. 2:9). E a todos os que o fizerem, ser-lhes-á exaltado o
nome acima de toda criação" (cfr. Filip. 2:5-11). Quando isto tiver sido
conseguido, a criatura "tomará sua cruz cada dia" (cada vez que ela
se apresentar) e a sustentará galhardamente - quase diríamos triunfalmente -
pois não mais será ela fonte de abatimentos e desânimos, mas constituirá o
sofrimento-por-amor, a dor-alegria, já que é a "porta estreita" (Mat.
7:14) que conduzirá à felicidade total e infindável (cfr. Pietro Ubaldi,
"Grande Síntese, cap. 81). No entanto, dado o estágio atual da humanidade,
a cruz que temos que carregar ainda é uma preparação para o
"negar-se". São as dores físicas, as incompreensões morais, as
torturas do resgate de carmas negativos mais ou menos pesados, em vista do
emaranhado de situações aflitivas, das "montanhas" de dificuldades que
se erguem, atravancando nossos caminhos, do sem-número de moléstias e
percalços, do cortejo de calúnias e martírios inomináveis e inenarráveis. Tudo
terá que ser suportado - em qualquer plano - sem malsinar a sorte, sem
desesperos, sem angústias, sem desfalecimentos nem revoltas, mas com aceitação
plena e resignação ativa, e até com alegria no coração, com a mais sólida, viva
e inabalável confiança no Cristo-que-é-nosso-Eu, no Deus Imanente, na
Força-Universal-Inteligente e Boa, que nos vivifica e prepara, de dentro de
nosso âmago mais profundo, a nossa ascensão real, até atingirmos TODOS, a
"plena evolução cristica" (Ef. 4:13). A quarta condição do discipulado
é também clara, não permitindo ambiguidade: SEGUI-LO. Observe-se a palavra
escolhida com precisão. Poderia ter sido dito “imitá-Lo". Seria muito mais
fraco. A imitação pode ser apenas parcial ou, pior ainda, ser simples
macaqueação externa (usar cabelos compridos, barbas respeitáveis, vestes
talares, gestos estudados), sem nenhuma ressonância interna. Não. Não é imitá-Lo
apenas, é SEGUI-LO. Segui-Lo passo a passo pela estrada evolutiva até atingir a
meta final, o ápice, tal como Ele o FEZ: sem recuos, sem paradas, sem demoras
pelo caminho, sem descanso, sem distrações, sem concessões, mas marchando
direto ao alvo. SEGUI-LO no AMOR, na DEDICAÇÃO, no SERVIÇO, no AUTO-SACRIFÍCIO,
na HUMILDADE, na RENÚNCIA, para que de nós se possa afirmar como dele foi
feito: "fez bem todas as coisas" (Marc. –“pois que daria o homem em troca de sua
vida?”) E: "passou pela Terra fazendo o bem e curando" (At. 10:38).
Como Mestre de boa didática, não apresenta exigências sem dar as razões. Os
versículos seguintes satisfazem a essa condição. Aqui, como sempre, são
empregados os termos filosóficos com absoluta precisão vocabular (elegantia), não
deixando margem a qualquer dúvida. A palavra usada é psychê, e não pneuma; é
alma e não "espírito" (em adendo a este capítulo daremos a
"constituição do homem" segundo o Novo Testamento). A alma (psychê) é
a personagem humana em seu conjunto de intelecto-emoções, excluído o corpo
denso e as sensações do duplo eterico. Daí a definição da resposta 134 do
"Livro dos Espíritos": "alma é o espírito encarnado", isto
é, a personagem humana que habita no corpo denso. Aí está, pois, a chave para a
interpretação do "negue-se a si mesmo": esse eu, a alma, é a
personagem que precisa ser negada, porque, quem não quiser fazê-lo, quem
pretender preservar esse eu, essa alma, vai acabar perdendo-a, já que, ao
desencarnar, estará com "as mãos vazias". Mas aquele que Por causa do
Cristo Interno - renunciar e perder essa personagem transitória, esse a
encontrará melhorada (Mateus), esse a preservará da ruína (Marcos e Lucas). E
prossegue: que adiantará acumular todas as riquezas materiais do mundo, se a
personalidade vai cair no vazio? Nada de material pode ser-lhe comparado. No
entanto, se for negada, será exaltada sobre todas as coisas (cfr. O texto acima
citado, Filip. 2:5-11-“quando estávamos mortos, em nossos delitos, nos
vivificou juntamente com isto - pela
graça foste salvos! E com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos céus em
Cristo Jesus. Pela graça sois salvos por meio da fé e isso não vem de vós é o
dom de Deus; não vem das obras para que ninguém se encha de orgulho. Pois somos
criaturas dele criados em Cristo jesus para as boas obras que Deus já antes
preparara para nelas andássemos).
Toda e qualquer evolução do Espírito é feita
exclusivamente durante seu mergulho na carne (veja atrás). Só através das
personagens humanas haverá ascensão espiritual, por meio do "ajustamento
sintônico". Então, necessidade absoluta de consegui-lo, não "se
envergonhando", isto é, não desafinando da tônica do Pai (Som) que tudo
cria, governa e mantém. Enfrentar o mundo sem receio, sem "respeitos
humanos", e saber recusá-lo também, para poder obter o Encontro Místico
com o Cristo Interno. Se a criatura "se envergonha" e se retrai, (não
sintoniza) não é possível conseguir o Contato Divino, e o Filho do Homem também
a evitará ("se envergonhará" dessa criatura). Só poderá haver a
"descida da graça" ou a unificação com o Cristo, "na glória
(tônica) do Pai (Som-Verbo), na glória (tônica) do próprio Cristo (Eu Interno),
na glória de todos os santos mensageiros", se houver a coragem
inquebrantável de romper com tudo o que é material e terreno, apagando as
sensações, liquidando as emoções, calando o intelecto, suplantando o próprio
"espírito" encarnado, isto é, PERDENDO SUA ALMA: só então “a achará”,
unificada que estará com o Cristo, Nele mergulhada (batismo), “como a gota no
oceano" (Bahá'u'lláh). Realmente, a gota se perde no oceano, mas,
inegavelmente, ao deixar de ser gota microscópica, ela se infinitiva e se
eterniza tornando-se oceano ... Em Mateus é-nos dado outro aviso: ao entrar em
contato com a criatura, esta “receberá de acordo com seu comportamento"
(pláxin). De modo geral lemos nas traduções correntes “de acordo com suas
obras". Mas isso daria muito fortemente a ideia de que o importante seria
o que o homem FAZ, quando, na realidade, o que importa é o que o homem é: e a
palavra comportamento exprime-o melhor que obras; ora, a palavra do original
práxis tem um e outro sentido. Evidentemente, cada ser só poderá receber de
acordo com sua capacidade, embora todos devam ser cheios, replenos, com “medida
sacudida e recalcada” (cfr. Lc. 5:38). Mas há diferença de capacidade entre o
cálice, o copo, a garrafa, o litro, o barril, o tonel ... De acordo com a
própria capacidade, com o nível evolutivo, com o comportamento de cada um,
ser-lhe-á dado em abundância, além de toda medida. Figuremos uma corrente
imensa, que jorra permanentemente luz e força, energia e calor. O convite nos é
feito para aproximar-nos e recolher quanto quisermos. Acontece, porém, que cada
um só recolherá conforme o tamanho do vasilhame que levar consigo. Assim o
Cristo Imanente e o Verbo Criador e Conservador SE DERRAMAM infinitamente. Mas
nós, criaturas finitas, só recolheremos segundo nosso comportamento, segundo a
medida de nossa capacidade. Não há fórmulas mágicas, não há segredos
iniciáticos, não peregrinações nem bênçãos de "mestres", não há
sacramentos nem sacramentais, que adiantem neste terreno. Poderão, quando
muito, servir como incentivo, como animação a progredir, mas por si, nada resolvem,
já que não agem ex pere operantis nem ex opere operatus, mas sim ex opere
recipientis: a quantidade de recebimento estará de acordo com a capacidade de
quem recebe, não com a grandeza de quem dá, nem com o ato de doação. E pode
obter-se o cálculo de capacidade de cada um, isto é, o degrau evolutivo em que
se encontra no discipulado de Cristo, segundo as várias estimativas das
condições exigidas: a) pela profundidade e sinceridade na renúncia ao eu personalistico,
quando tudo é feito sem cogitar de firmar o próprio nome, sem atribuir qualquer
êxito ao próprio merecimento (não com palavras, mas interiormente), colaborando
com todos os "concorrentes", que estejam em idêntica senda evolutiva,
embora nos contrariem as ideias pessoais, mas desde que sigam os ensinos de
Cristo;
b) pela resignação sem queixas, numa aceitação
ativa, de todas as cruzes, que exprimam atos e palavras contra nós,
maledicências e calúnias, sem respostas nem defesas, nem claras nem veladas (já
nem queremos acenar à contra-ataques e vinganças). c) pelo acompanhar
silencioso dos passos espirituais no caminho do auto sacrifício por amor aos
outros, pela dedicação integral e sem condições; no caminho da humildade real,
sem convencimentos nem exterioridades; no caminho do serviço, sem exigências nem
distinções; no caminho do amor, sem preferências nem limitações. O grau dessas
qualidades, todas juntas, dará uma ideia do grau evolutivo da criatura. Assim
entendemos essas condições: ou tudo, à perfeição; ou pouco a pouco,
conquistando uma de cada vez. Mas parado, ninguém ficará. Se não quiser ir
espontaneamente, a dor o aguilhoará, empurrando-o para a frente de qualquer
forma. No entanto, uma promessa relativa à possibilidade desse caminho é feita
claramente: "alguns dos que aqui estão presentes não experimentarão a
morte até conseguirem isso". A promessa tanto vale para aquelas
personagens de lá, naquela vida física, quanto para os Espíritos ali presentes,
garantindo-se lhes que não sofreriam queda espiritual (morte), mas que
ascenderiam em linha reta, até atingir a meta final: o Encontro Sublime, na
União mística absoluta e total. Interessante a anotação de Marcos quando
acrescenta: O "reino de Deus chegado em poder". Durante séculos se
pensou no poder externo, a espetacularidade. Mas a palavra "en dynÁmei"
expressa muito mais a força interna, o "dinamismo" do Espírito, a
potencialidade cristica a dinamizar a criatura em todos os planos.
FONTE:
Estudo do evangelho
Carlos T Pastorino
Bíblia de Jerusalém
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