FIGUEIRA ESTÉRIL
(Mt 21, 18-22;)
De manhã ao voltar para a cidade teve fome e vendo uma figueira à
beira do caminho foi até ela, mas não encontrou, senão folhas. E disse a
figueira: nunca mais produzas fruto! E a figueira secou no mesmo instante. Os
discípulos vendo isso diziam espantados. Como assim a figueira secou de repente?
Jesus respondeu: em verdade vos digo; se tiverdes fé, sem duvidar, fareis não
só o que fiz com a figueira, mas até mesmo se disserdes a essa montanha. ergue-te
e lança-te ao mar, isso acontecera. E tudo o que pedirdes com fé em oração, vós
o recebereis.
O homem deve ser espiritualmente fecundo, mesmo em ambiente desfavorável.
Esta parábola, a par da do administrador desonesto e dos trabalhadores na vinha,
tem causado desapontamento e até revolta a muitos leitores.
É que toda parábola é incompreensível e paradoxal quando visualizada
da
perspectiva da inteligência unilateralmente analítica, em que se
encontra o
grosso da humanidade. As parábolas nasceram de uma intuição espiritual,
e somente dessa altura é que podem ser realmente compreendidas.
Tentemos compreender o sentido real das palavras do Mestre: a maldição
da figueira estéril.
O texto, referido por Mateus, é bem conhecido: certo dia, passava
Jesus com seus discípulos por uma figueira à beira da estrada e aproximou-se
dela para procurar frutos, porque estava com fome. Mas não encontrou fruto algum,
pois, diz o texto, não era tempo de figos. A figueira cultivada produz figos na
primavera ou no verão; no outono e no inverno perde as folhas e não produz
frutos.
Jesus, vendo que a figueira estava cheia de folhas, esperava que
tivesse frutos; mas não encontrou nada, porque não era tempo de figos; e ele
disse: “Nunca mais ninguém coma fruto de ti”.
No mesmo instante, a figueira começou a murchar.
No dia seguinte, passaram Jesus e seus discípulos pela mesma estrada,
e os discípulos, vendo a figueira seca, exclamaram: “Olha, Mestre, como ela secou
depressa! ”
Que sujeito atrabiliário esse Jesus! Dirá qualquer profano, sobretudo
o profano erudito. Vingar-se de uma figueira inocente pelo fato de ela não ter
produzido fruto quando, segundo as leis da natureza, que são as leis de Deus,
nem podia produzir fruto.
A figueira da parábola, que simboliza o homem, tinha folhagem sem
fruto, sinal de que não era fiel à sua natureza. Toda figueira, quando não tem
fruto, também não tem folhas. No inverno ela está sem fruto nem folhas.
Na natureza extra-hominal não ocorre semelhante fenômeno, uma vez que as
leis da natureza são automáticas e obedecem instintivamente à ordem da
Inteligência Cósmica. Na natureza humana, porém, pode acontecer esse paradoxo:
muita folhagem sem fruto algum, muitas exterioridades sem nenhuma interioridade
(aparência sem conteúdo-propaganda enganosa).
Sendo que o símbolo espiritual da parábola visa o homem, segue-se que
o
Mestre se refere a um ser humano fecundo nas coisas do ego externo e
infecundo no seu Eu interno. A maldição não se refere, portanto, ao símbolo
material, à figueira física, mas sim ao simbolizado espiritual da figueira
metafísica, ao homem espiritualmente estéril.
O filósofo inglês Bertrand Russell, no seu livro Porque não sou
cristão, não compreendeu esse sentido místico da parábola, e por isto censura
Jesus por ter amaldiçoado uma planta inocente.
Esse desapontamento do homem profano é compreensível. Mas o erro está precisamente
nesse plano da sua ignorância. A parábola parte do plano material e vai ao
plano espiritual. É evidente que, no plano material do símbolo, a figueira não
tinha outra alternativa a não ser a de infecundidade. Neste plano, e somente
neste plano, não há nenhuma culpa nem lhe cabe maldição alguma; ela fez o que
podia fazer segundo as leis de Deus.
Bem diferente, como já dissemos, é o caso no plano espiritual do simbolizado,
único plano que faculta uma compreensão verdadeira.
O homem dotado de livre-arbítrio não tem apenas uma possibilidade de
ser frutífero em condições favoráveis; pode ser frutífero também em circunstâncias
desfavoráveis. O homem, graças ao seu livre-arbítrio, transcende as leis
automáticas da natureza; pode produzir frutos bons tanto em tempo propício,
quando rodeado de circunstâncias favoráveis, como também em tempo desfavorável,
quando cercado de circunstâncias adversas, mesmo quando parece ser impossível
ser bom. O homem não é necessariamente o produto do meio em que vive e, se o é,
prova ser derrotado pelas circunstâncias. Quem é bom em tempo bom é
precariamente bom – mas quem é bom em tempo mau, esse é heroicamente bom. Quem
produz frutos quando é tempo de frutos é um homem virtuoso – mas quem produz
frutos quando, segundo as circunstâncias, não é tempo de frutos, é um homem
sábio, um homem perfeito, um homem crístico. Ser bom com os bons é fácil. Ser
bom no meio dos maus é difícil. “O Reino dos Céus sofre violência – e somente
os que usam de violência o tomam de assalto”.
Os grandes Mestres espirituais da humanidade, sobretudo o Cristo, não
simpatizam muito com certos virtuosos, que são bons no meio dos bons; mas sim
com os heróis da sapiência, que são bons no meio de maus, puros entre impuros,
livres no meio de escravos, luz no meio de trevas.
A alma da parábola é, repetimos, o simbolizado espiritual, e não
apenas o símbolo material. No plano do simbolizado espiritual existe sempre a
possibilidade de produzir fruto fora da estação, a despeito das adversidades da
natureza e da perversidade dos homens. Se o Reino dos Céus fosse a querência
dos que frutificam em tempo propício e fácil, já estaria o céu povoado de
covardes e comodistas. Mas o céu verdadeiro, que está dentro de cada homem, não
é para os comodistas, os covardes, os medíocres, os passeadores em largas
avenidas; o Reino dos Céus sofre violência, e somente os fazedores de violência
contra si mesmos o tomam de assalto, como uma fortaleza aparentemente inexpugnável.
A parábola frisa a necessidade que o homem realmente espiritual tem de
se emancipar da tirania das circunstâncias humanas e proclamar a soberania da
sua substância divina.
No fim, acrescenta Jesus que quem tem fé, isto é, fides, fidelidade,
sintonia perfeita com o mundo da realidade divina, esse fará mais do que ele
fez com a figueira, fazendo-a secar imediatamente; esse homem poderá até transportar
montanhas pelo poder do espírito. “Tudo é possível àquele que tem fé”, ao homem
que está realmente identificado com a alma do Universo, cuja onipotência é
partilhada pelo homem sintonizado com a alma da Divindade.
Este homem poderá até produzir frutos no meio de circunstâncias
adversas.
Fonte:
Huberto Rodhen
Bíblia de Jerusalém
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