domingo, 3 de outubro de 2021

FIGUEIRA ESTÉRIL

 

FIGUEIRA ESTÉRIL

(Mt 21, 18-22;)

De manhã ao voltar para a cidade teve fome e vendo uma figueira à beira do caminho foi até ela, mas não encontrou, senão folhas. E disse a figueira: nunca mais produzas fruto! E a figueira secou no mesmo instante. Os discípulos vendo isso diziam espantados. Como assim a figueira secou de repente? Jesus respondeu: em verdade vos digo; se tiverdes fé, sem duvidar, fareis não só o que fiz com a figueira, mas até mesmo se disserdes a essa montanha. ergue-te e lança-te ao mar, isso acontecera. E tudo o que pedirdes com fé em oração, vós o recebereis.

O homem deve ser espiritualmente fecundo, mesmo em ambiente desfavorável. Esta parábola, a par da do administrador desonesto e dos trabalhadores na vinha, tem causado desapontamento e até revolta a muitos leitores.

É que toda parábola é incompreensível e paradoxal quando visualizada da

perspectiva da inteligência unilateralmente analítica, em que se encontra o

grosso da humanidade. As parábolas nasceram de uma intuição espiritual, e somente dessa altura é que podem ser realmente compreendidas.

Tentemos compreender o sentido real das palavras do Mestre: a maldição da figueira estéril.

O texto, referido por Mateus, é bem conhecido: certo dia, passava

Jesus com seus discípulos por uma figueira à beira da estrada e aproximou-se dela para procurar frutos, porque estava com fome. Mas não encontrou fruto algum, pois, diz o texto, não era tempo de figos. A figueira cultivada produz figos na primavera ou no verão; no outono e no inverno perde as folhas e não produz frutos.

Jesus, vendo que a figueira estava cheia de folhas, esperava que tivesse frutos; mas não encontrou nada, porque não era tempo de figos; e ele disse: “Nunca mais ninguém coma fruto de ti”.

No mesmo instante, a figueira começou a murchar.

No dia seguinte, passaram Jesus e seus discípulos pela mesma estrada, e os discípulos, vendo a figueira seca, exclamaram: “Olha, Mestre, como ela secou depressa! ”

Que sujeito atrabiliário esse Jesus! Dirá qualquer profano, sobretudo o profano erudito. Vingar-se de uma figueira inocente pelo fato de ela não ter produzido fruto quando, segundo as leis da natureza, que são as leis de Deus, nem podia produzir fruto.

A figueira da parábola, que simboliza o homem, tinha folhagem sem fruto, sinal de que não era fiel à sua natureza. Toda figueira, quando não tem fruto, também não tem folhas. No inverno ela está sem fruto nem folhas.

Na natureza extra-hominal não ocorre semelhante fenômeno, uma vez que as leis da natureza são automáticas e obedecem instintivamente à ordem da Inteligência Cósmica. Na natureza humana, porém, pode acontecer esse paradoxo: muita folhagem sem fruto algum, muitas exterioridades sem nenhuma interioridade (aparência sem conteúdo-propaganda enganosa).

Sendo que o símbolo espiritual da parábola visa o homem, segue-se que o

Mestre se refere a um ser humano fecundo nas coisas do ego externo e infecundo no seu Eu interno. A maldição não se refere, portanto, ao símbolo material, à figueira física, mas sim ao simbolizado espiritual da figueira metafísica, ao homem espiritualmente estéril.

O filósofo inglês Bertrand Russell, no seu livro Porque não sou cristão, não compreendeu esse sentido místico da parábola, e por isto censura Jesus por ter amaldiçoado uma planta inocente.

Esse desapontamento do homem profano é compreensível. Mas o erro está precisamente nesse plano da sua ignorância. A parábola parte do plano material e vai ao plano espiritual. É evidente que, no plano material do símbolo, a figueira não tinha outra alternativa a não ser a de infecundidade. Neste plano, e somente neste plano, não há nenhuma culpa nem lhe cabe maldição alguma; ela fez o que podia fazer segundo as leis de Deus.

Bem diferente, como já dissemos, é o caso no plano espiritual do simbolizado, único plano que faculta uma compreensão verdadeira.

O homem dotado de livre-arbítrio não tem apenas uma possibilidade de ser frutífero em condições favoráveis; pode ser frutífero também em circunstâncias desfavoráveis. O homem, graças ao seu livre-arbítrio, transcende as leis automáticas da natureza; pode produzir frutos bons tanto em tempo propício, quando rodeado de circunstâncias favoráveis, como também em tempo desfavorável, quando cercado de circunstâncias adversas, mesmo quando parece ser impossível ser bom. O homem não é necessariamente o produto do meio em que vive e, se o é, prova ser derrotado pelas circunstâncias. Quem é bom em tempo bom é precariamente bom – mas quem é bom em tempo mau, esse é heroicamente bom. Quem produz frutos quando é tempo de frutos é um homem virtuoso – mas quem produz frutos quando, segundo as circunstâncias, não é tempo de frutos, é um homem sábio, um homem perfeito, um homem crístico. Ser bom com os bons é fácil. Ser bom no meio dos maus é difícil. “O Reino dos Céus sofre violência – e somente os que usam de violência o tomam de assalto”.

Os grandes Mestres espirituais da humanidade, sobretudo o Cristo, não simpatizam muito com certos virtuosos, que são bons no meio dos bons; mas sim com os heróis da sapiência, que são bons no meio de maus, puros entre impuros, livres no meio de escravos, luz no meio de trevas.

A alma da parábola é, repetimos, o simbolizado espiritual, e não apenas o símbolo material. No plano do simbolizado espiritual existe sempre a possibilidade de produzir fruto fora da estação, a despeito das adversidades da natureza e da perversidade dos homens. Se o Reino dos Céus fosse a querência dos que frutificam em tempo propício e fácil, já estaria o céu povoado de covardes e comodistas. Mas o céu verdadeiro, que está dentro de cada homem, não é para os comodistas, os covardes, os medíocres, os passeadores em largas avenidas; o Reino dos Céus sofre violência, e somente os fazedores de violência contra si mesmos o tomam de assalto, como uma fortaleza aparentemente inexpugnável.

A parábola frisa a necessidade que o homem realmente espiritual tem de se emancipar da tirania das circunstâncias humanas e proclamar a soberania da sua substância divina.

No fim, acrescenta Jesus que quem tem fé, isto é, fides, fidelidade, sintonia perfeita com o mundo da realidade divina, esse fará mais do que ele fez com a figueira, fazendo-a secar imediatamente; esse homem poderá até transportar montanhas pelo poder do espírito. “Tudo é possível àquele que tem fé”, ao homem que está realmente identificado com a alma do Universo, cuja onipotência é partilhada pelo homem sintonizado com a alma da Divindade.

Este homem poderá até produzir frutos no meio de circunstâncias adversas.

Fonte:

Huberto Rodhen

Bíblia de Jerusalém

 

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