sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O FILHO PRÓDIGO

 

NA Questão 1009 Livro dos Espíritos o último parágrafo da mensagem de Lamennais traz:

“Pobres ovelhas desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que longe de vos banir para todo o sempre da sua presença, vem pessoalmente ao vosso encontro, para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntario exílio; encaminhai vossos passos para a morada paterna. O Pai vos estende os braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família”

Lamennais não está tratando do exílio de Capela de La pra Ca e de volta, nada disso. Mas do exílio voluntario daquilo que Ubaldi chama de S e AS.

Do universo absoluto para o Antissistema, o nosso universo de matéria tempo, espaço e energia, criado para nos abrigar; nós os revoltados que agora estamos no caminho de volta e que Emmanuel nos diz que estamos no meio do caminho, por estarmos em transição planetária de provas e Expiações para Regeneração.

Começamos então a Parábola dos dois filhos conforme Dr. Haroldo, Pastorino e Huberto Rodhen ou do filho prodigo de acordo com a Vulgata como quiserem.

Abrimos mão de todo texto bíblico contado por Lucas, que não era discípulo e não conheceu Jesus, mas era médico e discípulo de Paulo, porque acredito que todos já conhecem a história.

A história do Filho Pródigo é, quase sempre, apresentada exclusivamente como a parábola clássica da misericórdia de Deus para com o pecador penitente.

Oradores e escritores fazem dela um poema melodramático e sentimental do amor de um Pai que recebe de braços abertos um filho ingrato que, finalmente, se arrepende dos seus desvarios e regressa à casa paterna. Esse pai misericordioso é Deus, e o filho pródigo é qualquer pecador que se converte.

Não é intenção nossa excluir totalmente essa interpretação comovente.

Entretanto, à luz do texto original do primeiro século, não cremos que seja esta a quintessência, o alfa e ômega da história narrada por Jesus. Por entre as linhas aparece algo infinitamente mais profundo e sublime, mais cósmico e ontológico que esse drama do amor paterno e da humildade filial.

A história do filho pródigo – que, no Evangelho, não é chamada parábola – é o drama da evolução ascensional do homem e a epopeia multimilenar da própria humanidade. Podemos até afirmar que, nessa narrativa, atingiu o espírito do Nazareno, as mais excelsas culminâncias da sua visão cósmica sobre o homem individual e sobre a humanidade universal.

A fim de compreendermos devidamente o poema cósmico do filho pródigo, devemos, acima de tudo, remontar ao texto grego do primeiro século, nemsempre fielmente reproduzido em nossas traduções.

No texto grego original de Lucas – o único evangelista que refere ao fato e que escreveu diretamente em grego – lemos que: “Um pai tinha dois filhos e o mais novo decidiu receber sua parte e se livrar da convivência com o Pai pensando poder ser melhor.

 Vulgata Latina traduz “Dá-me a porção da substância que me pertence”.

Substância, em latim, pode significar “aquilo que subestá”, que subjaz à minha vida, que é a minha natureza humana de jovem. Mas o tradutor por não dominar o grego entendeu substância por dinheiro.

O texto original grego é bem claro quando diz: “A parte da minha natureza (ousia, do verbo einai, que significa “ser”) que me convém (epibállon) ”.

Que é que o filho mais novo, talvez de 15 anos, pede ao pai?

Muitos pensam que ele tenha pedido a parte dos bens materiais a que julgava ter direito, e o pai teria distribuído entre os dois filhos os bens da família, na medida do direito de cada um. Mas teria um rapaz menor de idade (moralmente) o direito de pedir isto ao pai?

E, se assim ocorreu (se fosse bens materiais), como se entende que, após o regresso do filho pródigo, o filho mais velho diz ao pai que nunca recebeu nada dele? Se houvesse partilhados bens, teria o filho mais velho recebido a sua parte, e não poderia se queixar.

O texto grego não se refere à partilha dos bens, fala da parte da natureza (ousia) que ao jovem convém. Isto é, o jovem reclama o direito da sua juventude (liberdade que não é livre arbítrio), insiste na sua liberdade pessoal de jovem independente, faz valer o direito de não mais ser criança dependente, mas adolescente autônomo (quer ser adulto como o Pai ou talvez quem sabe mais ainda). Pede um modo de vida conveniente (epibállon) a sua natureza de jovem.

O pai reconhece, em silêncio, essa conveniência; não protesta, não dissuade o jovem com nenhuma palavra; reconhece que ele deve iniciar a fase da sua adolescência. Também não aparece nenhuma mãe chorando e dissuadindo o filho de gozar os direitos da sua mocidade independente.

Em silêncio, “o pai dividiu entre eles a vida” (bios). A palavra grega “bios” quer dizer “vida”, “substância, O pai dividiu a vida (bios) entre os dois filhos: o mais velho continua na sua vida dependente, o mais novo inicia uma vida independente. Ou seja: o filho mais novo desperta para o segundo estágio da sua evolução hominal, deixa de ser criança inexperiente, e passa a ser um jovem experiente da sua ego-personalidade ao passo que seu irmão mais velho continua estagnado no plano do seu infra-ego inexperiente; não comeu ainda do “fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal”, como diria Moisés...

Com o despertar da personalidade entra o jovem na fase da liberdade. A liberdade recém-despertada, manifesta-se primeiro em forma negativa, porquanto o ego humano é essencialmente centrífugo, separatista, dispersivo, anticósmico.

E durante muito tempo continua a ego-personalidade a viver exclusivamente nessa dimensão do ego idade hipertrofiada, esbanjando todas as suas potências numa vida dissoluta, como é invariavelmente a vida com 100% de ego-consciência e 0% de Eu-consciência.

E, como toda a culpa livremente cometida gera sofrimentos necessariamente subsequentes, que no ponto culminante das maldades aparecem os males.

O jovem começa a sofrer as inevitáveis consequências das suas culpas. Sofre, sofre, sofre...

Mas o sofrimento não o levou, logo de início, à redenção. O jovem sofredor culpada procura libertar-se dos males sem se redimir da maldade: associa-se a um pecador inveterado na maldade e dele espera libertação dos seus males, pois no auge da sua miséria, apela para um rico fazendeiro, morador naquela zona; pedindo serviço para poder sobreviver.  O velho pecador se prontifica a ajudar o jovem pecador, mandando guardar uma manada de porcos (a Bíblia traz manada, mas nós sabemos que o coletivo de porcos é “vara”) que ele tem na sua fazenda. Dá serviço ao jovem sofredor – mas não lhe dá alimento.

Assim é que todo egoísta trata outro egoísta.

O jovem acabou pastor de porcos imundos. E, quando ouvia o ruidoso crepitar das vagens de alfarroba entre os dentes dos suínos; quando ele via como os animais, depois de encherem a barriga, deitavam-se gostosamente no chiqueiro e dormiam tranquilamente, enquanto ele, de estômago vazio, sentia o desejo de ser animal também para poder ser estupidamente feliz como eles –então despertou algo misterioso (que está em nós finalmente despertando) ...

“Desejava encher sua barriga” (implere ventrem suum), não se saciar, que é impossível ao racional, mas pelo menos “encher a barriga”, como os porcos, já que outra coisa não lhe era possível. Desejava, pelo menos, esquecer sua insatisfação, já que não se podia satisfazer; tentava enganar, narcotizar com gozos materiais os seus anseios espirituais.

Mas, diz o texto, ninguém lhe dava essa satisfação animalesca. Alimentos

materiais não saciam fome espiritual.

Então Ali, no meio de uma vara de animais satisfeitos, desceu a insatisfação do jovem ao mais profundo nadir (ponto mais baixo) da infelicidade.

E foi então que o máximo do sofrimento o levou ao início da redenção. “Ele entrou em si”, diz o texto.

Caiu em si, escrevem os maus tradutores, como se alguém pudesse cair para cima. Entrou em si, diz o autor sacro.

Saiu das periferias do ego pecador e sofredor – entrou no centro do seu Eu redentor. Aconteceu ao filho pródigo a maior coisa que pode acontecer ao homem: a auto compreensão. Que sou eu?...

E toda auto compreensão transborda em auto-realização.

Que sou eu? Sou eu realmente um pastor de porcos? Não! Isto é a triste

profissão do meu ego humano – mas não é a gloriosa vocação do meu Eu

divino...

O Que sou eu? Eu sou filho daquele Pai bondoso. Não sou o que pareço ser externamente – sou e sempre serei o que sou internamente. Eu pareço ser escravo de um tirano egoísta, que me reduziu a pastor de porcos – mas eu sou o filho livre de alguém que continua a ser meu pai.

Depois desse ingresso no seu Eu, e esse egresso do seu ego, veio a consciência do regresso ao Pai.

A auto compreensão transborda infalivelmente em auto-realização.

Dizem certos tradutores que o jovem se “arrependeu”; outros chegam ao auge do absurdo afirmando que fez “penitência”. Mas o texto inspirado do Evangelho só conhece a palavra “converteu-se”, ou “transmentalizou-se”.

Ultrapassou a sua velha mentalidade ego e entrou na nova consciência do Eu.

O jovem, aparentemente, regressou para donde viera; na realidade, porém, esse regresso foi um super-gresso; o ponto da sua volta não coincidiu com o ponto da sua partida; não fechou simplesmente um círculo, abriu uma grande espiral, cujo termo de chegada está imensamente acima do termo de partida; o regresso superou o egresso, porque entre este e aquele aconteceu um ingresso. Entre a partida e a chegada houve uma gigantesca evolução – a jornada cósmica que vai da culpa através do sofrimento até a redenção.

Para celebrar esse grande acontecimento – a auto compreensão e auto-

realização de um homem – o Evangelho recorre a tudo quanto possa simbolizar suprema alegria e solenidade: abraços, beijos, anel precioso, deslumbrante vestuário, lauto festim, músicas e bailados. É que a realização de um único homem é um fenômeno mais grandioso que todos os astros e galáxias do Universo. Deus creou todas as grandezas do cosmos – mas um único homem plenamente realizado é um Universo de creatividade acima de todas as creaturidades...

(Criar é relativo a criador de bois, porcos aves, etc.…)

Quando se estava celebrando essa grande harmonia, aparece uma aguda

dissonância: o filho mais velho, que estagnara na sua evolução e continuará a marcar passo na inexperiência, revelou-se incapaz de compreender a linha ascensional evolutiva de seu irmão, que culminou em suprema verticalidade.

Nem aceita a palavra “teu irmão”, mas a substitui por “teu filho”. De fato, o jovem realizado não era mais “irmão” dele; não havia nenhuma afinidade espiritual entre eles; ele era apenas “teu filho”, um filho de Deus, sem afinidade com outros filhos de Deus. O filho mais velho se queixa de nunca ter sido recompensado por sua obediência de muitos anos, ao passo que o outro, auto realizado, nada sabe de recompensa, de espírito mercenário. Quem encontrou o seu verdadeiro ser nada mais sabe do ilusório ter. Quem realizou o seu ser só conhece amor, e nada sabe de recompensa.

O poema do filho pródigo marca o zênite da genialidade do Nazareno, quando considerado à luz do drama cósmico da auto-realização do homem e da evolução multimilenar da humanidade.

O filho mais velho representa um ser humano que, longe de atingir as alturas da individualidade do Eu divino, nem sequer despertara para a personalidade do seu ego humano. E quem não tem consciência do seu ego não é possuidor de nada, como os seres da natureza, que nada sabem de posse ou possessividade.

Por isso, diz muito bem o Pai, que simboliza Deus. “Tudo que é meu é teu”. Tudo que é de Deus é também do mundo infra-humano – mineral, vegetal, animal –mas esse mundo nada sabe de “meu”. O infra-ego não possui nada, nem sequer um “cabrito”. A consciência do “meu” é um corolário do pequeno “eu” personal ou ego.

O filho mais novo havia chegado à ego-consciência personal e a tinha superado, atingindo as alturas da Eu-consciência cósmica.

O hino místico Exultet, que se canta anualmente na véspera ou manhã da

Páscoa, exclama: “O felix culpa! O vere necessarium Adae peccatum, quod

talem et tantum meruisti Redemptorem! ” (Ó culpa feliz! Ó pecado de Adão realmente necessário, que tal e tão grande Redentor mereceste!)

Poderá haver culpa feliz? Haverá pecado necessário?

Em face da teologia analítica, isto é blasfemo – mas à luz da visão da mística Intuitiva, isto é sublime. Culpa e pecado simbolizam o estágio evolutivo do homem através do ego em demanda do Eu. A nossa humanidade da ego-personalidade já está no plano horizontal da “culpa feliz” e do “pecado necessário”; falta-lhe superar esse plano e atingir a plenitude vertical da sua redenção.

Após o subego, a kundalini (A palavra Kundalini deriva do sânscrito que significa, literalmente, “enrolada como uma cobra” ou “aquela que tem a forma de uma serpente”.

Essa denominação faz alusão à Energia Cósmica que se concentra em cada Ser, e que no humano, através de sua Consciência, pode ser expandida.)

, enrolada e dormente, acordará como ego rastejante no plano horizontal, “comendo do pó da terra” – no superego, ou Eu, kundalinise ergue à plenitude vertical da sua auto-realização.

A história do filho pródigo encerra uma metafísica de infinita profundidade e uma mística de inaudita sublimidade.

FONTE:

Huberto Rodhen

Carlos T. Pastorino

Wikipédia (para definições)

 

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