NA Questão 1009
Livro dos Espíritos o último parágrafo da mensagem de Lamennais traz:
“Pobres ovelhas
desgarradas, aprendei a ver aproximar-se de vós o bom Pastor, que longe de vos
banir para todo o sempre da sua presença, vem pessoalmente ao vosso encontro,
para vos reconduzir ao aprisco. Filhos pródigos, deixai o vosso voluntario
exílio; encaminhai vossos passos para a morada paterna. O Pai vos estende os
braços e está sempre pronto a festejar o vosso regresso ao seio da família”
Lamennais não
está tratando do exílio de Capela de La pra Ca e de volta, nada disso. Mas do
exílio voluntario daquilo que Ubaldi chama de S e AS.
Do universo
absoluto para o Antissistema, o nosso universo de matéria tempo, espaço e
energia, criado para nos abrigar; nós os revoltados que agora estamos no
caminho de volta e que Emmanuel nos diz que estamos no meio do caminho, por
estarmos em transição planetária de provas e Expiações para Regeneração.
Começamos então a
Parábola dos dois filhos conforme Dr. Haroldo, Pastorino e Huberto Rodhen ou do
filho prodigo de acordo com a Vulgata como quiserem.
Abrimos mão de
todo texto bíblico contado por Lucas, que não era discípulo e não conheceu Jesus,
mas era médico e discípulo de Paulo, porque acredito que todos já conhecem a história.
A história do
Filho Pródigo é, quase sempre, apresentada exclusivamente como a parábola
clássica da misericórdia de Deus para com o pecador penitente.
Oradores e
escritores fazem dela um poema melodramático e sentimental do amor de um Pai
que recebe de braços abertos um filho ingrato que, finalmente, se arrepende dos
seus desvarios e regressa à casa paterna. Esse pai misericordioso é Deus, e o
filho pródigo é qualquer pecador que se converte.
Não é intenção
nossa excluir totalmente essa interpretação comovente.
Entretanto, à luz
do texto original do primeiro século, não cremos que seja esta a quintessência,
o alfa e ômega da história narrada por Jesus. Por entre as linhas aparece algo
infinitamente mais profundo e sublime, mais cósmico e ontológico que esse drama
do amor paterno e da humildade filial.
A história do
filho pródigo – que, no Evangelho, não é chamada parábola – é o drama da
evolução ascensional do homem e a epopeia multimilenar da própria humanidade.
Podemos até afirmar que, nessa narrativa, atingiu o espírito do Nazareno, as
mais excelsas culminâncias da sua visão cósmica sobre o homem individual e
sobre a humanidade universal.
A fim de
compreendermos devidamente o poema cósmico do filho pródigo, devemos, acima de
tudo, remontar ao texto grego do primeiro século, nemsempre fielmente
reproduzido em nossas traduções.
No texto grego
original de Lucas – o único evangelista que refere ao fato e que escreveu
diretamente em grego – lemos que: “Um pai tinha dois filhos e o mais novo
decidiu receber sua parte e se livrar da convivência com o Pai pensando poder
ser melhor.
Vulgata Latina traduz “Dá-me a porção da substância
que me pertence”.
Substância, em
latim, pode significar “aquilo que subestá”, que subjaz à minha vida, que é a
minha natureza humana de jovem. Mas o tradutor por não dominar o grego entendeu
substância por dinheiro.
O texto original
grego é bem claro quando diz: “A parte da minha natureza (ousia, do verbo
einai, que significa “ser”) que me convém (epibállon) ”.
Que é que o filho
mais novo, talvez de 15 anos, pede ao pai?
Muitos pensam que
ele tenha pedido a parte dos bens materiais a que julgava ter direito, e o pai
teria distribuído entre os dois filhos os bens da família, na medida do direito
de cada um. Mas teria um rapaz menor de idade (moralmente) o direito de pedir
isto ao pai?
E, se assim ocorreu
(se fosse bens materiais), como se entende que, após o regresso do filho
pródigo, o filho mais velho diz ao pai que nunca recebeu nada dele? Se houvesse
partilhados bens, teria o filho mais velho recebido a sua parte, e não poderia se
queixar.
O texto grego não
se refere à partilha dos bens, fala da parte da natureza (ousia) que ao jovem
convém. Isto é, o jovem reclama o direito da sua juventude (liberdade que não é
livre arbítrio), insiste na sua liberdade pessoal de jovem independente, faz
valer o direito de não mais ser criança dependente, mas adolescente autônomo
(quer ser adulto como o Pai ou talvez quem sabe mais ainda). Pede um modo de
vida conveniente (epibállon) a sua natureza de jovem.
O pai reconhece,
em silêncio, essa conveniência; não protesta, não dissuade o jovem com nenhuma
palavra; reconhece que ele deve iniciar a fase da sua adolescência. Também não
aparece nenhuma mãe chorando e dissuadindo o filho de gozar os direitos da sua
mocidade independente.
Em silêncio, “o
pai dividiu entre eles a vida” (bios). A palavra grega “bios” quer dizer
“vida”, “substância, O pai dividiu a vida (bios) entre os dois filhos: o mais
velho continua na sua vida dependente, o mais novo inicia uma vida
independente. Ou seja: o filho mais novo desperta para o segundo estágio da sua
evolução hominal, deixa de ser criança inexperiente, e passa a ser um jovem
experiente da sua ego-personalidade ao passo que seu irmão mais velho continua
estagnado no plano do seu infra-ego inexperiente; não comeu ainda do “fruto da
árvore do conhecimento do bem e do mal”, como diria Moisés...
Com o despertar
da personalidade entra o jovem na fase da liberdade. A liberdade
recém-despertada, manifesta-se primeiro em forma negativa, porquanto o ego
humano é essencialmente centrífugo, separatista, dispersivo, anticósmico.
E durante muito
tempo continua a ego-personalidade a viver exclusivamente nessa dimensão do ego
idade hipertrofiada, esbanjando todas as suas potências numa vida dissoluta,
como é invariavelmente a vida com 100% de ego-consciência e 0% de
Eu-consciência.
E, como toda a
culpa livremente cometida gera sofrimentos necessariamente subsequentes, que no
ponto culminante das maldades aparecem os males.
O jovem começa a
sofrer as inevitáveis consequências das suas culpas. Sofre, sofre, sofre...
Mas o sofrimento
não o levou, logo de início, à redenção. O jovem sofredor culpada procura
libertar-se dos males sem se redimir da maldade: associa-se a um pecador
inveterado na maldade e dele espera libertação dos seus males, pois no auge da
sua miséria, apela para um rico fazendeiro, morador naquela zona; pedindo
serviço para poder sobreviver. O velho
pecador se prontifica a ajudar o jovem pecador, mandando guardar uma manada de
porcos (a Bíblia traz manada, mas nós sabemos que o coletivo de porcos é
“vara”) que ele tem na sua fazenda. Dá serviço ao jovem sofredor – mas não lhe
dá alimento.
Assim é que todo
egoísta trata outro egoísta.
O jovem acabou
pastor de porcos imundos. E, quando ouvia o ruidoso crepitar das vagens de
alfarroba entre os dentes dos suínos; quando ele via como os animais, depois de
encherem a barriga, deitavam-se gostosamente no chiqueiro e dormiam
tranquilamente, enquanto ele, de estômago vazio, sentia o desejo de ser animal
também para poder ser estupidamente feliz como eles –então despertou algo
misterioso (que está em nós finalmente despertando) ...
“Desejava encher
sua barriga” (implere ventrem suum), não se saciar, que é impossível ao
racional, mas pelo menos “encher a barriga”, como os porcos, já que outra coisa
não lhe era possível. Desejava, pelo menos, esquecer sua insatisfação, já que
não se podia satisfazer; tentava enganar, narcotizar com gozos materiais os
seus anseios espirituais.
Mas, diz o texto,
ninguém lhe dava essa satisfação animalesca. Alimentos
materiais não
saciam fome espiritual.
Então Ali, no
meio de uma vara de animais satisfeitos, desceu a insatisfação do jovem ao mais
profundo nadir (ponto mais baixo) da infelicidade.
E foi então que o
máximo do sofrimento o levou ao início da redenção. “Ele entrou em si”, diz o
texto.
Caiu em si,
escrevem os maus tradutores, como se alguém pudesse cair para cima. Entrou em
si, diz o autor sacro.
Saiu das periferias
do ego pecador e sofredor – entrou no centro do seu Eu redentor. Aconteceu ao
filho pródigo a maior coisa que pode acontecer ao homem: a auto compreensão.
Que sou eu?...
E toda auto
compreensão transborda em auto-realização.
Que sou eu? Sou
eu realmente um pastor de porcos? Não! Isto é a triste
profissão do meu
ego humano – mas não é a gloriosa vocação do meu Eu
divino...
O Que sou eu? Eu
sou filho daquele Pai bondoso. Não sou o que pareço ser externamente – sou e
sempre serei o que sou internamente. Eu pareço ser escravo de um tirano
egoísta, que me reduziu a pastor de porcos – mas eu sou o filho livre de alguém
que continua a ser meu pai.
Depois desse
ingresso no seu Eu, e esse egresso do seu ego, veio a consciência do regresso ao
Pai.
A auto compreensão
transborda infalivelmente em auto-realização.
Dizem certos
tradutores que o jovem se “arrependeu”; outros chegam ao auge do absurdo
afirmando que fez “penitência”. Mas o texto inspirado do Evangelho só conhece a
palavra “converteu-se”, ou “transmentalizou-se”.
Ultrapassou a sua
velha mentalidade ego e entrou na nova consciência do Eu.
O jovem,
aparentemente, regressou para donde viera; na realidade, porém, esse regresso
foi um super-gresso; o ponto da sua volta não coincidiu com o ponto da sua partida;
não fechou simplesmente um círculo, abriu uma grande espiral, cujo termo de
chegada está imensamente acima do termo de partida; o regresso superou o
egresso, porque entre este e aquele aconteceu um ingresso. Entre a partida e a
chegada houve uma gigantesca evolução – a jornada cósmica que vai da culpa
através do sofrimento até a redenção.
Para celebrar
esse grande acontecimento – a auto compreensão e auto-
realização de um
homem – o Evangelho recorre a tudo quanto possa simbolizar suprema alegria e solenidade:
abraços, beijos, anel precioso, deslumbrante vestuário, lauto festim, músicas e
bailados. É que a realização de um único homem é um fenômeno mais grandioso que
todos os astros e galáxias do Universo. Deus creou todas as grandezas do cosmos
– mas um único homem plenamente realizado é um Universo de creatividade acima
de todas as creaturidades...
(Criar é relativo
a criador de bois, porcos aves, etc.…)
Quando se estava
celebrando essa grande harmonia, aparece uma aguda
dissonância: o
filho mais velho, que estagnara na sua evolução e continuará a marcar passo na
inexperiência, revelou-se incapaz de compreender a linha ascensional evolutiva
de seu irmão, que culminou em suprema verticalidade.
Nem aceita a
palavra “teu irmão”, mas a substitui por “teu filho”. De fato, o jovem
realizado não era mais “irmão” dele; não havia nenhuma afinidade espiritual
entre eles; ele era apenas “teu filho”, um filho de Deus, sem afinidade com
outros filhos de Deus. O filho mais velho se queixa de nunca ter sido recompensado
por sua obediência de muitos anos, ao passo que o outro, auto realizado, nada
sabe de recompensa, de espírito mercenário. Quem encontrou o seu verdadeiro ser
nada mais sabe do ilusório ter. Quem realizou o seu ser só conhece amor, e nada
sabe de recompensa.
O poema do filho
pródigo marca o zênite da genialidade do Nazareno, quando considerado à luz do
drama cósmico da auto-realização do homem e da evolução multimilenar da
humanidade.
O filho mais
velho representa um ser humano que, longe de atingir as alturas da
individualidade do Eu divino, nem sequer despertara para a personalidade do seu
ego humano. E quem não tem consciência do seu ego não é possuidor de nada, como
os seres da natureza, que nada sabem de posse ou possessividade.
Por isso, diz
muito bem o Pai, que simboliza Deus. “Tudo que é meu é teu”. Tudo que é de Deus
é também do mundo infra-humano – mineral, vegetal, animal –mas esse mundo nada
sabe de “meu”. O infra-ego não possui nada, nem sequer um “cabrito”. A
consciência do “meu” é um corolário do pequeno “eu” personal ou ego.
O filho mais novo
havia chegado à ego-consciência personal e a tinha superado, atingindo as
alturas da Eu-consciência cósmica.
O hino místico
Exultet, que se canta anualmente na véspera ou manhã da
Páscoa, exclama:
“O felix culpa! O vere necessarium Adae peccatum, quod
talem et tantum
meruisti Redemptorem! ” (Ó culpa feliz! Ó pecado de Adão realmente necessário,
que tal e tão grande Redentor mereceste!)
Poderá haver
culpa feliz? Haverá pecado necessário?
Em face da teologia
analítica, isto é blasfemo – mas à luz da visão da mística Intuitiva, isto é
sublime. Culpa e pecado simbolizam o estágio evolutivo do homem através do ego
em demanda do Eu. A nossa humanidade da ego-personalidade já está no plano
horizontal da “culpa feliz” e do “pecado necessário”; falta-lhe superar esse
plano e atingir a plenitude vertical da sua redenção.
Após o subego, a kundalini (A
palavra Kundalini deriva do sânscrito que significa, literalmente,
“enrolada como uma cobra” ou “aquela que tem a forma de uma serpente”.
Essa denominação faz alusão
à Energia Cósmica que se concentra
em cada Ser, e que no humano, através de sua
Consciência, pode ser expandida.)
, enrolada e
dormente, acordará como ego rastejante no plano horizontal, “comendo do pó da
terra” – no superego, ou Eu, kundalinise ergue à plenitude vertical da sua
auto-realização.
A história do
filho pródigo encerra uma metafísica de infinita profundidade e uma mística de
inaudita sublimidade.
FONTE:
Huberto Rodhen
Carlos T.
Pastorino
Wikipédia (para
definições)
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