sexta-feira, 15 de outubro de 2021

POSSESSÃO PARTILHADA (PARCEIROS NO VÍCIO)

 

 

POSSESSÃO PARTILHADA (PARCEIROS NO VÍCIO)

Procuramos abordar aqui a obsessão, genericamente 1conhecida como de encarnado para desencarnado.

A dificuldade de classificação é muito grande porque há casos em que a predominância do encarnado é franca e inequívoca; outros em que ela é variável, em escala de 80% a 60%; e outros ainda - e estes em maior número - em que a responsabilidade fica repartida em partes iguais, meio a meio.

Na obra de André Luiz, não há um exemplo típico de predomínio da vontade do encarnado sobre o desencarnado. Sobre esse assunto, os centros espíritas poderiam apresentar suas próprias estatísticas, contribuindo para esse estudo. Na verdade, muitas vezes nos perguntamos, se não deveríamos colocar a Possessão Partilhada entre as obsessões espiríticas, já que o termo possessão está indicando a subjugação de um encarnado por espírito já desenfaixado da matéria. Na série André Luiz, fica bem claro, porém, que na maioria dos casos de viciados, de qualquer natureza, a responsabilidade do espírito encarnado é muito grande; referindo-se, especificamente, ao conluio entre Cláudio Nogueira e os parceiros desencarnados, Félix teve oportunidade de dizer que, em nenhum momento, Cláudio fora constrangido a aceitar a companhia do outro. A escolha fora dele. A responsabilidade estava dividida em quotas iguais, porque era uma associação natural, uma parceria consentida.

CASO CLÁUDIO NOGUEIRA

Acompanhemos esse caso em Sexo e Destino:

Félix e André Luiz alcançaram o espaçoso apartamento do Flamengo, no Rio de Janeiro, adentrando a residência de Cláudio Nogueira.

No limiar do recinto doméstico, os benfeitores espirituais surpreenderam dois homens desencarnados a debaterem casos de vampirismo. Nenhum dos dois registrara a presença dos Espíritos amigos. Prometiam arruaças. Semelhantes companhias indicavam a falta de defesa daquele lar, os riscos a que se expunham os moradores desse ninho de cimento armado, suspenso em enorme edifício.

Na sala principal, escarrapachado no sofá, Cláudio lia um jornal vespertino, com atenção. Em meio aos adornos delicados da peça, o contraste de uma garrafa de uísque, deitando emanações alcoólicas no ambiente, que se casavam com o hálito do dono da casa.

Cláudio Nogueira, homem maduro, na quadra dos quarenta e cinco janeiros, lutando contra os desgastes do tempo, tinha o rosto bem cuidado, os cabelos penteados com distinção, unhas polidas, e envergava pijama impecável. Naquele momento, acompanhava o jornal como quem estava à cata de notícias maliciosas, conservando entre os dedos um cigarro fumegante. O cinzeiro próximo já estava repleto, indicando o abuso da nicotina.

Repentinamente, surgiram ambos os desencarnados infelizes que estavam na soleira da entrada, abordando Cláudio, sem cerimônia. Um deles tateou-lhes os ombros e gritou: - Beber, meu caro, quero beber!

A voz escarnecedora agredia a sensibilidade auditiva de André Luiz e Félix. Cláudio, embora não pudesse detectar-lhe o chamado pelos sentidos físicos, trazia a acústica da mente sintonizada com o apelante, que repetiu a solicitação, algumas vezes, na atitude do hipnotizador que insufla o próprio desejo, repetindo uma ordem.

O resultado não se fez esperar. O paciente desviou-se do artigo político no qual estava interessado e sem que pudesse explicar a si mesmo, passou a deslocar o pensamento noutra direção.

Beber, beber!... E a sede de álcool se lhe articulou na ideia, ganhando forma. A mucosa pituitária aguçou-se, como que impregnada do cheiro que vagueava no ar. O parceiro desencarnado coçou-lhe brandamente os gorgomilos. Cláudio sentiu-se apoquentado.

Indefinível secura constrangia-lhe a laringe. Tinha necessidade de tranquilizar-se.

O amigo sagaz percebeu-lhe a adesão tácita e colou-se a ele. De começo, a carícia leve; depois o abraço envolvente; e finalmente o abraço de profundidade, a associação recíproca.

Uma verdadeira enxertia fluídica.

Cláudio-homem absorvia o desencarnado, à guisa de sapato que se ajusta ao pé. Fundiram-se os dois, como se morassem eventualmente num só corpo. Altura idêntica. Volume igual. Movimentos sincrônicos. Identificação positiva.

Levantaram-se a um tempo e giraram integralmente incorporados um ao outro, na área estreita, arrebatando o delgado frasco.

André Luiz não saberia especificar a quem atribuir o impulso inicial de semelhante gesto, se a Cláudio que admitia a instigação ou se ao obsessor que a propunha.

A talagada rolou através da garganta, que se exprimia por dualidade singular. Ambos os drogaditos estalaram a língua de prazer, em ação simultânea.

Desmanchou-se a parelha e Cláudio, desembaraçado, se dispunha a sentar, quando o outro colega, que se mantinha a distância, investiu sobre ele e protestou: eu também, eu também quero!

Absolutamente passivo diante do apelo que o assaltava, reconstituiu, mecanicamente, a impressão de insaciedade.

Bastou isso, e o vampiro, sorridente, apossou-se dele, repetindo-se o fenômeno da conjugação completa.

Encarnado e desencarnado a se justaporem. Duas peças conscientes, reunidas em sistema irrepreensível de compensação mútua.

André Luiz acompanhou a posição mental de Cláudio e pode constatar que ele continuava livre no íntimo. Não experimentava qualquer tortura, a fim de render-se. Hospedava o outro, aceitando-lhe a direção, entregando-se por deliberação própria. Não era caso de simbiose em que se destacasse por vítima. Era uma associação natural.

Félix explicou que não se tratava de temíveis obsessores como poderia parecer. E ponderou:

- Cláudio desfruta de excelente saúde física. Cérebro claro, raciocínio seguro. E inteligente, maduro, experimentado. Não carrega inibições corpóreas que o recomendem a cuidados especiais. Sabe o que quer. Possui materialmente o que deseja. Permanece no tipo de vida que procura. E natural que esteja respirando a influência de companhias que julgue aceitáveis. Retém liberdade ampla e valiosos recursos de instrução e discernimento para juntar-se aos missionários do bem que operam entre os homens, assegurando edificação e felicidade a si mesmo. Se elege para comensais da própria casa os companheiros que acabamos de ver, é assunto dele.

Félix descartou qualquer possibilidade de expulsar as companhias de Cláudio, principalmente porque o dono da casa os tinha à conta de sócios estimáveis, amigos caros. Há também que se considerar se os vínculos seriam de agora ou de existência passada.

A violência para separar os parceiros seria totalmente desaconselhada, em qualquer caso, sobretudo neste de parceria consentida.

A responsabilidade tem o tamanho do conhecimento, lembrou Félix.

Não podemos impedir que um amigo contraia dívidas ou despenque em desatinos deploráveis, conquanto nos seja lícito dar-lhe o auxílio possível. Neste sentido foi a explicação de Félix.

A justiça humana apenas cerceia as manifestações de alguém, quando esse alguém compromete o equilíbrio e a segurança dos outros, deixando a cada um o direito de agir como melhor lhe pareça. Como a Espiritualidade poderia agir de outra forma, desrespeitando-o livre-arbítrio, ou seja, a liberdade de escolha das companhias que desejamos usufruir?

Muitas vezes, os benfeitores espirituais providenciam doenças ou impedimentos temporários para chamar a atenção do encarnado, quanto ao caminho enganoso escolhido. Mas essas são providências restritas, surgem como advertências dos que nos amam, quando mereçam esse amparo de exceção.

Mais tarde, Cláudio, enrodilhado a um dos seus parceiros Moreira - vai tentar vencer as defesas morais da jovem Manta, a filha que ele julgava ser adotiva.

André Luiz descreve assim essa parceria: O verbo enrodilhar-se, na linguagem humana, figura-se o mais adequado a definição daquela ocorrência de possessão partilhada, que se nos apresentava ao exame, conquanto não exprima, com exatidão, todo o processo de enrolamento fluídico, em que se imantavam. E afirmamos possessão partilhada, porque, efetivamente, ali, um aspirava ardentemente aos objetivos desonestos do outro, completando-se, euforicamente, na divisão da responsabilidade em quotas iguais.

Qual acontecera, no instante em que bebiam juntos, forneciam a impressão de dois seres num corpo só.

Ao entrarem no quarto de Manta, Cláudio e o parceiro estavam singularmente brutalizados pelo desejo infeliz, constituíam juntos uma fera astuciosa.

André Luiz descreve esse instante: A incorporação medianímica, espontânea e consciente, positivava-se em plenitude selvagem. O fenômeno da comunhão entre duas inteligências -uma delas, encarnada, e a outra, desencarnada- levantava-se, franco; ainda assim, desdobrava-se tão agreste quanto o furacão ou amar é, que se expressam por forças ainda desgovernadas da Natureza terrestre...

Conforme explica o benfeitor, toda a cena passava-se no plano mental, no silêncio, sem que a pobre jovem percebesse.

Não vou entrar em maiores detalhes deste livro extraordinário. Sexo e Destino merece ser levado ao cinema e adaptado para uma série de televisão: é uma contribuição notável dos Espíritos Superiores para a valorização do emprego das energias sexuais e um cântico à vitória do amor universal.

PARCEIROS NO VÍCIO

No livro Nos Domínios da Mediunidade, o assistente Aulus, André Luiz e Hilário observavam uma casa noturna, onde se reuniam fumantes e bebedores inveterados.

O ambiente saturado de emanações negativas produzia mal-estar nos três observadores espirituais. Junto dos encarnados que fumavam e bebiam, criaturas de triste feição se demoravam expectantes. Algumas sorviam as baforadas de fumo arremessadas ao ar, ainda aquecidas pelo calor dos pulmões que as expulsavam, nisso encontrando alegria e alimento. Outras aspiravam o hálito de alcoólatras inveterados.

Aulus explicou que os desencarnados que se apegam com desvario às sensações da experiência física, ficam colados aos amigos terrestres, temporariamente desequilibrados nos costumes porque se deixam influenciar. Esses nossos companheiros situaram a mente nos apetites mais baixos do mundo, alimentando-se de emoções tipo inferior que os localiza na vizinhança da animalidade. Na Terra, preferiram o culto das satisfações menos dignas.

Como cada alma recebe da vida de conformidade com aquilo que dá, não encontram interesse senão nos lugares onde podem nutriras ilusões que lhes são peculiares. Tinham medo da verdade, eram como a coruja que foge da luz.

Como essas almas transformar-se-ão?

Áulus responde que há mil processos de reajuste, no Universo Infinito em que se cumprem os desígnios do Senhor, chamem-se eles aflição, desencanto, cansaço, tédio, sofrimento, cárcere....

O que seria a prisão regeneradora? Desejou saber Hilário.

Áulus explicou: Há dolorosas reencarnações que significam tremenda luta expiatória para as almas necrosadas no vício. Temos, por exemplo, o mongolismo, a hidrocefalia, a paralisia, a cegueira, a epilepsia secundária, o idiotismo, o aleijão de nascença e muitos outros recursos, angustiosos embora, mas necessários, e que podem funcionar, em benefício da mente desequilibrada, desde o berço, em plena fase infantil. Na maioria das vezes, semelhantes processos de cura prodigalizam bons resultados pelas provações obrigatórias que oferecem....

Áulus ressaltou ainda que era possível a recuperação aqueles Espíritos, pela renovação menta contribuindo para a consequente melhoria dos encarnados, mas precisariam despender esforço heroico.

Observando os beberrões, cujas taças eram partilhadas pelos sócios que lhes eram invisíveis, Hilário fez uma observação e uma pergunta:

- Ontem, visitamos um templo, em que desencarnados sofredores se exprimiam por intermédio de criaturas necessitadas de auxílio, e ali estudámos algo sobre mediunidade

... aqui, vemos entidades viciosas valendo-se de pessoas que com elas se afinam numa perfeita comunhão de forças inferiores... aqui, tanto quanto lá, seria lícito ver mediunidade em ação?

Aulus confirmou: Sem qualquer dúvida; recursos psíquicos, nesse ou naquele grau de desenvolvimento, são peculiares a todos, tanto quanto o poder de locomoção ou a faculdade de respirar, constituindo forças que o Espirito encarnado ou desencarnado pode empregar no bem ou no mal de si mesmo. Ser médium não quer dizer que a alma esteja agraciada por privilégios ou conquistas feitas. Muitas vezes, é possível encontrar pessoas altamente favorecidas com o dom da mediunidade, mas dominadas, subjugadas por entidades sombrias ou delinquentes, com as quais se afinam de modo perfeito, servindo ao escândalo e a perturbação, em vez de cooperarem na extensão do bem.

E concluiu: Por isso é que não basta a mediunidade para a concretização dos serviços que nos competem. Precisamos da Doutrina do Espiritismo, do Cristianismo Puro, a fim de controlar a energia medianímica, de maneira a mobilizá-la em favor da sublimação espiritual na fé religiosa, tanto quanto disciplinamos a eletricidade, a benefício do conforto na Civilização.

No livro No Mundo Maior, Calderaro explicou porque os alcoólatras inveterados costumam ter visões estranhas de cobras, morcegos e outros bichos. No caso ao qual prestavam assistência, o encarnado, sob o efeito do álcool, mantinha-se parcialmente desligado do corpo físico, mas, dessa forma, passou a ter uma identificação maior com as quatro entidades que o vampirizavam, e estas tinham a mente invadida por visões terríveis do túmulo, que haviam atravessado como alcoólatras.

Estudando esse tema das forças viciadas, as formas como os parceiros de Cláudio atuaram sobre ele, lembramo-nos de uma passagem que consta de um outro livro muito importante da série: Libertação. Nele, há um apontamento do instrutor Gúbio quanto ao modo de

atuar dos Espíritos inferiores:

O espírito encarnado sofre a influenciação inferior, através das regiões em que se situam o sexo e o estômago, e recebe os estímulos superiores, ainda mesmo procedentes de almas não sublimadas, através do coração e do cérebro.

Além dessa observação importante, gostaríamos de ressaltar que os drogaditos não devem ser tratados, primordialmente, como obsedados. Uma das lutas dos profissionais da saúde, que atuam nessa área, é a de conscientizar o viciado em drogas ou álcool, enfim, o dependente químico, de que precisa tratar-se, aderindo ao esquema de desintoxicação, à psicoterapia, ao programa dos dez passos, e outros mais indicados a cada caso.

É claro que o tratamento espiritual na fase de manutenção do tratamento pode ser feito, desde que o interessado se conscientize da sua necessidade de mudar e não descarte sua responsabilidade, atribuindo sua doença à influência de desencarnados.

Embora reconhecendo os diversos graus de parceria, somos levados a considerar, com o estudo da obra de André Luiz, que o espírito do encarnado tem um papel preponderante nesse tipo de ligação viciosa.

Há, nesses casos, uma comunhão de forças negativas e, como já afirmamos, no início, muitas vezes, fica difícil determinar a linha demarcatória entre a obsessão anímica e a espirítica.

Fonte:

A Obsessão e Suas Mascaras

Dra. Marlene Nobre

No Mundo Maior

Evolução em Dois Mundos

Libertação

Sexo e Destino

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